O novo livro de Fukuyama é uma bem articulada defesa do projeto liberal. E deixa um aviso realista: o liberalismo é necessário porque as nossas democracias liberais nunca foram tão culturalmente diversas. Francisco Carmo Garcia para o Observador:
Recensão do Liberalism and Its Discontents, de Francis Fukuyama (Londres: ProfileBooks, 2022); edição portuguesa da Dom Quixote
O
debate sobre a «crise das democracias liberais» tem ecoado no espaço
público ao longo dos últimos anos, alimentado pelos acontecimentos que
não teimam em parar e que parecem colocar em causa os princípios das
sociedades ocidentais que damos por garantidos – desde os ataques mais
variados à ordem liberal internacional, a polarização política
testemunhada nos maiores países ocidentais, o crescimento do «momento
populista», ao aparente «retrocesso» das democracias perante o
crescimento autocrático e, enfim, à invasão russa a Ucrânia. Foi
principalmente o crescimento exponencial do desafio populista ao
demo-liberalismo que colocou em sentinela praticamente todo o complexo
institucional do Ocidente: de centros de investigação e observatórios, a
órgãos de comunicação social, aos intelectuais da praça pública, etc,
todos estes estão permanentemente em estado de alerta após as
inesperadas vitórias de Donald Trump nos EUA e do Leave no referendo
britânico em 2016, de tal forma que se tornou um lugar-comum dos nossos
tempos considerar-se o populismo – esse significante vazio do século
XXI, como pertinentemente refere Alexandre Franco de Sá no seu oportuno
livro sobre o tema – como uma causa, senão a principal causa, da actual
crise das democracias liberais. Ao mesmo tempo em que o discurso
mediático tomou esta forma, a sociedade liberal que saiu vitoriosa do
seu embate contra o comunismo soviético tem sido alvo de uma crítica
intelectual mais profunda. Basta recordar a última exortação de Chantal
Mouffe por um populismo de esquerda ou a crítica conservadora
desenvolvida no Why Liberalism Failed de Patrick Deneen.
Foi
perante este pano de fundo, para revisitar a génese, os objectivos e o
alcance do projecto liberal perante os desafios colocados tanto à
esquerda como à direita, que Francis Fukuyama lançou o seu novo
Liberalim and Its Discontents, também já traduzido em português pela
editora D. Quixote. O leitor é logo avisado no primeiro parágrafo do
prefácio sobre o que deve esperar: diz Fukuyama que acredita «que o
liberalismo está hoje sob uma severa ameaça em todo o mundo; enquanto
foi outrora dado como garantido, as suas virtudes precisam de ser
claramente articuladas e celebradas uma vez mais». O leitor deve
esperar, portanto, uma revisitação e articulação dos principais traços
do projecto liberal. Um projecto porque encontramos no liberalismo muito
mais do que uma simples ideologia monopolizada por uma facção que toma
parte no debate político num determinado momento histórico: o projecto
liberal é o próprio movimento moderno, o advento do mundo moderno, e
partiu de um gigantesco trabalho teórico que se debruçou ao longo dos
últimos séculos. Podemos descrevê-lo tal como o fez Pierre Manent, como a
«revolução dos direitos do homem».
Esta
descrição não é desleal à exposição de Fukuyama. Diz Fukuyama no
primeiro capítulo que por liberalismo não se refere à forma como o termo
é hoje utilizado na política norte-americana (centro-esquerda), nem
como é usado no continente europeu, ligado a «partidos cépticos face ao
socialismo», nem como «libertarismo», «uma peculiar doutrina baseada na
hostilidade ao governo», mas sim como a «doutrina que emergiu primeiro
no século XVII que argumentou a favor da limitação dos poderes do
governo através da lei». O liberalismo é assim uma doutrina «big tent»
que abrange várias posições políticas que concordam na relevância
estrutural dos «direitos individuais, da lei, e da liberdade». Muito
certeiramente o autor identifica como os primeiros teóricos liberais os
ingleses Thomas Hobbes e John Locke, duas figuras cimeiras no
desenvolvimento do concepção moderna dos direitos naturais estritamente
individuais e subjectivos. Foi assim, nos principais debates
intelectuais do fervoroso século XVII, que surgiram os fundamentos
teóricos da doutrina liberal.
No
entanto, como Fukuyama deixa implícito, pela forma como elenca enquanto
primeira «justificação essencial» para a sociedade liberal a proeza
prática do liberalismo em garantir a regulação da violência e a
coexistência pacífica em grandes sociedades, política, religiosa e
culturalmente diversas, o liberalismo é antes de mais uma solução para o
problema político da ordem; esse foi o problema cimeiro no período
turbulento da vida europeia que antecedeu a emergência da doutrina
liberal, alimentado pela violência despoletada pela reforma protestante e
pela consequente divisão religiosa que dela surgiu. Foi na Inglaterra
que este problema teológico-político atingiu um nível excessivo de
violência – com o deflagrar de uma sangrenta guerra civil que culminou
na decapitação do monarca Carlos I. Hobbes viveu esta época no exílio e
procurou a sua solução política, encontrada na edificação do
moderníssimo Estado soberano. Estado e soberania surgem como os
conceitos fundamentais através dos quais foi encontrada a solução para o
problema da ordem. No seu recente livro sobre a soberania, ao abordar o
desenvolvimento deste conceito moderno, Miguel Morgado afirmou que a
soberania teve como tarefa a «federação da diversidade»: a soberania
surgia como o mecanismo que imprimiu ordem em sociedades caracterizadas
pela diversidade de concepções de bens humanos. No mesmo sentido,
Fukuyama diz que o «liberalismo clássico pode portanto ser entendido
como uma solução institucional para o problema de governar sobre a
diversidade, ou, colocando em diferentes termos, de gerir a diversidade
em sociedades pluralistas». Ora, tendo sido o Estado soberano a primeira
solução para este problema do controlo da diversidade, os conceitos de
Estado e de soberania são indissociáveis do desenvolvimento liberal da
concepção moderna dos direitos naturais, e é por isso estranho o
silêncio de Fukuyama sobre um conceito tão relevante como a soberania.
Foi
através da soberania que o projecto liberal conseguiu tirar de cena o
grande factor de desordem: a questão das finalidades da acção humana, do
melhor regime político e, em suma, da melhor vida para o homem.
Fukuyama está perfeitamente ciente disto e há décadas que escreve sobre
esta primeira tarefa do liberalismo – o projecto liberal «baixa a
temperatura da política tirando as questões sobre os fins últimos de
cima da mesa»; elas são privatizadas, canalizadas para a esfera
estritamente privada e individual da existência humana. É neste momento
que nos deparamos com outro silêncio ensurdecedor desta pequena obra, em
torno de outro conceito inseparável da soberania e do Estado, e que
seria indispensável para compreender as nossas sociedades liberais: o
conceito de representação política. Aquela privatização das finalidades
da vida humana – diríamos, hoje, dos «valores» – só pode ser
compreendida perante o pano de fundo da emergência de uma dimensão
privada da existência humana, contraposta directamente a uma dimensão
pública delimitada o mais minuciosamente possível. A representação
política surge como o mecanismo que permitiu a ligação entre estas duas
dimensões: entre os domínios privado e público, divisão essencial para a
filosofia política liberal e para as sociedades liberais.
Não
obstante a omissão de conceitos tão relevantes quanto estes para a
história intelectual do liberalismo, com certeza justificados pelo
tamanho e objectivos da obra, guiados por uma escrita que deixa de lado
pesados hermetismos, a génese do projecto é apropriadamente exposta para
o leitor atento. O desenvolvimento do liberalismo está assim
intimamente ligado à edificação do Estado soberano, e posteriormente a
doutrina liberal seria a principal responsável pela domesticação e pelo
controlo desse mesmo Estado soberano. Neste processo surgem os outros
dois fundamentos da sociedade liberal: a protecção da «dignidade humana»
através da garantia da autonomia individual, e a sua ligação ao
crescimento económico e à «modernização». O primeiro destes dois
fundamentos ulteriores iria fazer com que a filosofia política liberal,
após concluída a sua primeira tarefa de solucionar o problema da ordem,
transformasse o principal problema político na relação entre o indivíduo
e o Estado; e o segundo procuraria encontrar no mercado a principal
arena da existência humana, especialmente capaz de canalizar para ela os
impulsos agressivos e competitivos do género humano. Ambos estes
fundamentos e os seus corolários seriam o princípio das críticas
iliberais às quais Fukuyama tenta responder.
Segundo
o autor norte-americano, os problemas que assolaram o projecto liberal
nas últimas décadas e que conduziram ao advento posterior do momento
populista derivam da forma como aqueles princípios foram levados ao
extremo: o liberalismo «tem visto os seus princípios fundamentais
levados ao extremo» tanto à direita como à esquerda, até ao ponto em que
«esses mesmos princípios ficaram fragilizados». Entre os capítulos dois
e seis, a revisitação do projecto liberal passa então para uma crítica
aos seus excessos que marcaram as últimas décadas do século XX. De um
lado, a crítica direcciona-se para o «neoliberalismo» – que Fukuyama
descreve «propriamente» como a «escola de pensamento económico
frequentemente associada com a Universidade de Chicago ou o Escola
Austríaca» -, e do outro para a expansão aparentemente indefinida e
ilimitada da esfera de autonomia individual. O primeiro teria
transformado as sociedades liberais em «sociedades de mercado», nas
quais todas as dimensões da existência humana foram tomadas pela lógica
contratual do mercado; o segundo teria levado a autonomia individual a
atingir um grau de extensão tão insustentável que colocaria em causa a
coesão social.
O
leitor fica a pensar que estas duas manifestações extremas dos
fundamentos do liberalismo são uma imprudente adulteração do projecto
liberal. No entanto, a questão é mais complexa: não poderão ser eles
próprios uma consequência necessária dos pressupostos intelectuais do
liberalismo? Os críticos do projecto liberal, principalmente os mais
conservadores, têm sublinhado esta possibilidade. Mas não se fica por
aqui. Tal como Fukuyama explica, as sociedades liberais, para
justificarem os seus fundamentos, não conseguem deixar de se explicar
sem fazer uma alusão ao contratualismo que permitiu que elas nascessem:
as sociedades liberais, que são associações de indivíduos, têm por base a
antropologia individualista que transformou o homem histórica e
culturalmente situado, leal a uma religião, a uma cidade, ou a um clã,
no indivíduo abstracto, despido da sua condição histórica, apenas
constituído como um sujeito que carrega direitos individuais; e, porque
fundamentado nesta antropologia individualista, o liberalismo não
consegue escapar à necessária artificialidade de todo o arranjo
político, não consegue deixar de fazer da cidade uma construção da
vontade desses mesmos indivíduos portadores de direitos. E não é assim
na nossa experiência democrática? A separação entre sociedade civil e
Estado mostra-nos isso mesmo – a sociedade civil surge como uma
perpetuação do estado de natureza imaginado nos primeiros momentos da
filosofia política liberal, como condição natural do homem regulada pelo
poder público voluntariamente constituído pelos indivíduos que
interagem pacificamente nesse espaço.
Ora,
se a própria lógica contratualista é inescapável ao desenvolvimento do
liberalismo, não nos deve surpreender que ela se dissemine para todas as
dimensões da existência humana. Foi neste sentido que Marx, descrevendo
os efeitos do capitalismo, afirmou peremptoriamente que a sociedade
burguesa transformava o sacerdote e o cavaleiro medieval – dois símbolos
de uma sociedade pré-contratual – em meros assalariados.
Ao
mesmo tempo que a lógica contratual, fundadora das sociedades liberais,
se dissemina, dá-se também a progressiva expansão da esfera da
autonomia individual. Os membros daquele contrato originário não são
necessariamente crentes de uma religião particular, nem cidadãos de uma
determinada comunidade política – são apenas indivíduos, tão soberanos
na sua condição pré-estatal quanto o Estado depois é soberano na sua
condição civil. Estes próprios indivíduos são a razão por que o Estado é
edificado: é a sua vontade que o constrói. Com efeito, é também neste
momento do século XVII em que começa a germinar a doutrina liberal que
se dá uma brutal transformação no entendimento da liberdade. Enquanto
até então esta era associada a uma manifestação do livre-arbítrio – ou
seja, a uma capacidade intrinsecamente humana de escolher o bem em
detrimento do mal, em procurar os ditames da justiça, e por isso sempre
dependente de uma natureza que determinaria os critérios do uso desta
qualidade humana –, as teorias modernas da liberdade reduziram esta a um
exercício não obstaculizado da vontade – ou seja, à concretização não
obstruída da vontade humana, dissociada das considerações anteriores
sobre a justiça e o bem, e por isso desligadas de quaisquer critérios
que pudessem guiar a acção humana. O século XVII cria a liberdade
negativa propriamente dita – uma liberdade sem critérios. Um salto
histórico levaria a liberdade moderna à expansão indefinida da autonomia
individual sempre transformadora.
É
perante este pano de fundo que devemos compreender a crítica de
Fukuyama aos excessos do liberalismo, porque ela deve ser naturalmente
colocada diante dos fundamentos do projecto liberal. Foi neste sentido
que Deneen apontou que as políticas implementadas com maior sucesso nas
últimas décadas compreenderam as duas dimensões da liberalização
económica e da libertação sexual. E é também desta forma que Jean-Claude
Michea controversamente explica que uma «cultura de esquerda» está em
casa numa «economia de direita». Aqueles dois excessos do projecto
liberal parecem assim associar-se umbilicalmente: são ambos
manifestações do mundo «fluido» ou «líquido», onde esta liquidez pode
ser encontrada em praticamente todas as dimensões da existência humana,
hoje vivida por intermédio de apps – que abrangem uma variedade
inimaginável de actividades, desde compras e transportes a dates e redes
sociais – que levam ao extremo a lógica contratual das sociedades
liberais, libertando o indivíduo atomizado dos vínculos interpessoais
que ainda o poderiam constranger no seu dia-a-dia. Cada vez estamos mais
parecidos com o indivíduo abstracto e atomizado do estado de natureza
seiscentista – ou com as personagens das obras de Michel Houellebecq.
Fukuyama
está certo quando atribui a estes excessos liberais a culpa da ascensão
das várias críticas que têm surgido aos próprios princípios do projecto
liberal. É a estas críticas que o autor tenta responder (cap. 8),
atirando-lhes o ónus da prova quando lhes pergunta directamente por uma
alternativa realista ao projecto liberal. Duas críticas do liberalismo
são de importância, e ambas feitas à direita: a de Deneen, que já
mencionámos, e a de Adrian Vermeule, um professor de direito de Harvard
que lançou este ano um polémico livro chamado Common Good
Constitutionalism, onde procura recuperar a «tradição clássica do ius
commune» e substituir as leituras liberais e originalistas da
constituição americana. Em ambas estas críticas do projecto liberal há
uma inquietação subjacente que as une e que dá forma ao seu argumento: a
erosão do sentido de comunidade, ameaçado precisamente por aqueles dois
princípios liberais que foram levados ao extremo. Fukuyama chega a
dizer que esta crítica conservadora, de que «as sociedades liberais não
fornecem nenhum horizonte moral comum forte o suficiente em torno do
qual possa ser construída a comunidade», é verdadeira; no entanto, não
apresentam para o autor uma alternativa realista que possa substituir o
projecto liberal. Isto é certamente verdade, mas não podemos deixar de
levar a sério aquela inquietação que move as críticas «iliberais».
O
autor tenta recuperar a discussão sobre o sentido de comunidade no
capítulo seguinte (cap. 9), onde aborda a identidade nacional. Esta
constitui sempre um tópico difícil para o liberalismo, que tem «grandes
dificuldades em desenhar limites claros em torno da sua comunidade». O
universalismo liberal contribui para essa condição, e o típico liberal
facilmente se vê como um «cidadão do mundo» em detrimento da sua
cidadania nacional. Fukuyama recupera a necessidade do Estado-Nação
contra essa concepção abstracta e materialmente fraca de uma cidadania
global. Mas, apesar desta defesa do Estado-Nação como principal unidade
política, é precisamente neste momento que nos deparamos com a crónica
incapacidade do autor em ultrapassar o horizonte liberal – incapacidade
que acaba por enfraquecer a própria defesa do projecto liberal, que
deve, como observadores como Tocqueville observaram, procurar
fundamentos pré-liberais que possam contrabalançar os seus excessos.
A
defesa do Estado-Nação é feita em dois sentidos. Em primeiro, porque é
no Estado-Nação onde ainda encontramos a capacidade de exercício do
poder político – ou seja, a nação é ainda a unidade soberana capaz de
decidir a excepção, como diria Carl Schmitt. O Estado-Nação é assim o
elemento mais capaz de solucionar o problema primeiro da política
moderna, o problema da ordem. Em segundo, porque a nação é uma «fonte
singular de comunidade». É uma fonte de lealdade, essencial para
garantir a legitimidade governativa do Estado – e, portanto, apenas
instrumental para garantir o funcionamento do Estado liberal. Neste
caso, percebemos que Fukuyama defende a identidade nacional quando esta
não entra em conflito com o projecto liberal. O sentido de comunidade é
relevante para fundamentar a construção de um Estado liberal, e para
garantir, por consequência, o funcionamento das instituições liberais; o
sentimento nacional é, pois, um instrumento que pode ser usado pelo
político liberal – e quando este não é necessário, ou principalmente
quando é problemático, pode ser ignorado. Ora, é neste momento que
compreendemos que Fukuyama não consegue ultrapassar o horizonte liberal –
e portanto o horizonte do pensamento político moderno – quando se
propõe pensar o actual momento do projecto liberal. A nação não é apenas
uma construção, sendo certo que o foi em vários casos, e em especial
nas últimas vagas nacionalistas terceiro-mundistas; a nação pode
corresponder, antes de mais, a uma sociabilidade pré-política que
ultrapassa a construção e o funcionamento do Estado. A esta
sociabilidade pré-política, que demonstra a realidade da vida de um
determinado povo, corresponderia uma independência historicamente
situada, cuja sobrevivência no decurso da História torna-se o primeiro
imperativo político. Da sociabilidade pré-política de um «povo nacional»
emana um direito de continuidade histórica que deve ser incorporado
pelos governantes – e certamente pode ser também incorporado pelo
governante liberal.
Uma
defesa da nação que ultrapasse o horizonte liberal recuperaria o
postulado aristotélico do homem como animal político e por isso a sua
sociabilidade natural, e a imagem da nação como principal unidade desta
sua sociabilidade natural – como unidade que garante a existência de uma
cidadania que tem forçosamente de ter sempre um sentido particular e
situado, e que concretiza, num mundo globalizado, a ligação entre o
particular e o universal. Assim, a nação constituiria a fonte do sentido
de comunidade imperioso para evitar os excessos do liberalismo, e o
fundamento de uma cidadania que sempre foi deliberadamente evitada desde
o século originário da doutrina liberal. Fukuyama não tenta este
caminho.
Ainda
assim, este pequeno livro de Fukuyama é uma justa e bem articulada
defesa do projecto liberal, que recapitula os principais objectivos da
visão liberal, não deixando de reconhecer os seus erros e excessos, e
reconhecendo nos seus críticos e descontentes várias razões plausíveis
para criticar as sociedades liberais. E deixa um aviso realista, até
inescapável para as sociedades ocidentais dos nossos tempos: o
liberalismo é preciso porque as nossas democracias liberais nunca foram
tão culturalmente diversas. Mas não é certamente suficiente. Pensar o
futuro deste liberalismo exige ultrapassar o seu próprio horizonte
histórico e intelectual. Sem fazê-lo, sem compreender a tradição que o
liberalismo recusou e deixou para trás, nunca poderemos evitar os
excessos que conduziram aos descontentamentos presentes. Precisamos, por
isso, mais de Aristóteles do que precisamos de Locke e dos seus
sucessores. Neste aspecto, apesar de elucidativo enquanto revisitação da
tradição liberal, o livro de Fukuyama deixa o projecto liberal na mesma
encruzilhada onde se encontra desde a ilusão do «fim da História».
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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