BLOG ORLANDO TAMBOSI
As torpes declarações do ex-deputado Jean Wyllys, figura odienta (atenção: odiento é quem sempre manifesta ódio). são devidamente criticadas pela colunista Bruna Frascolla na Gazeta do Povo:
“Menos
um entrave ao crescimento espiritual da humanidade no mundo; menos um
inimigo da democracia; menos um inimigo da diversidade humana; menos um
inimigo da verdade; menos um inimigo da justiça.” Esta declaração foi
feita por Jean Wyllys após a morte de Olavo de Carvalho. Foi uma morte
de causas naturais. Mas o que chama a atenção nessa declaração é que ela
poderia ter sido feita após a execução de um dissidente. Inclusive a
interjeição “menos um!”, em todo o território nacional, costuma ser
usada para se referir a mortes violentas de bandidos. É claro, é óbvio, é
ululante, para qualquer um neste país e até no Ocidente como um todo
(desde que se acrescente a informação de que Jean Wyllys é um militante
gay), que Jean Wyllys não será tratado como o radical intolerante que é.
Se fosse, porém, um olavete a escrever as linhas acima após a morte de
Marielle Franco, a coisa seria completamente diferente. Na certa, o
olavete seria tratado como “milícia digital” e correria o risco de ir
preso em função dessas declarações, sem o devido processo legal. Afinal,
há um Inquérito do Fim do Mundo em andamento, prendendo as pessoas
suspeitas de serem contrárias à democracia e favoráveis ao ódio. O que
torna a coisa mais estranha ainda é que, de fato, alguém que se
autodeclarava de direita realmente criou e espalhou um boato sobre
Marielle quando o corpo nem bem esfriara. Esse alguém é Carlos Afonso,
conhecido pelo pseudônimo Luciano Ayan. Ele criou a notícia falsa de que
Marielle seria amante de um traficante, e a autoria desse malfeito foi bem divulgada pela imprensa comum.
Não obstante, Carlos Afonso passou incólume pelo Inquérito do Fim do
Mundo e ainda subsidiou os perseguidores com uma lista macartista de
influenciadores digitais de direita olavete, bolsonarista e até liberal.
Agora, pupilas suas pretendem se vender como campeãs no combate ao
radicalismo e às fake news, sem terem rompido política ou
ideologicamente com Ayan, nem mencionando seu envolvimento na
disseminação de uma boatos que desumanizam o oponente. (Escrevi com mais detalhes sobre o assunto de Ayan com as fake news aqui.)
Há
um problema com a expressão “discurso de ódio”. O ódio é um sentimento
humano. Todos sentimos ódio por alguma coisa ou por alguém em algum
momento da vida. Posso dizer que sinto ódio pelo identitarismo, e que
algumas pessoas me despertam ódio. A pessoa do meu governador me
desperta ódio, por exemplo, quando me impede de tirar documentos por não
ter um passaporte sanitário. Me despertam ódio as autoridades que
querem deixar sem os filhos os pais que não fizerem deles cobaias da
Pfizer.
Há
uma distância entre sentir ódio por alguém e fazer um discurso pessoal
contra esse alguém. Há, abaixo disso, uma distinção entre vida privada,
na qual odeio os outros, e vida pública, na qual expresso meus
pensamentos. A distinção entre vida pública e privada não convém a
totalitários. As coisas têm de se passar como se tudo estivesse sempre
às claras; como se cada um de nós fosse um ser unidimensional que
coubesse em slogans públicos. Tudo é político, nada é privado.
Pois
bem: eu sinto ódio, o leitor sente ódio. O que interessa, na vida
pública, é a nossa conduta. Embora odeie a pessoa de Rui Costa em função
de suas ações como governador, eu consideraria uma baixeza um libelo
feito em público contra a pessoa de Rui Costa. Consideraria uma baixeza
inventarem que ele é amante de traficante. O que eu faço contra Rui
Costa é escrever contra as suas medidas de homem público. Isso é de
interesse público, e ao leitor não interessa, ou não deveria interessar,
os meus sentimentos privados quanto à pessoa de Rui Costa. Ele poderia
não me despertar sentimento nenhum, e os argumentos contra a medida
seriam os mesmos.
Já que gostam tanto de chamar os outros de nazistas, voltemos à Alemanha de Hitler. Os alemães não sabiam de campos de extermínio,
mas sabiam da estigmatização de judeus e da proibição de exercer certas
profissões. Um homem que fizesse tal coisa me despertaria ódio, fosse
eu uma judia ou não. Creio que as pessoas decentes (na Alemanha de
então, uma minoria) sentiriam ódio também.
O
ódio não é uma coisa ruim em si mesma. É um sentimento que pode surgir
pelas mais variadas razões, algumas das quais urgentes e legítimas.
A desumanização é o problema
É
verdade que os nazistas odiavam os judeus. E é verdade que os
opositores dos nazistas odiavam os nazistas. O ódio não é o problema; o
ódio pode ser o sentimento humano esperado de pessoas decentes.
O
que os nazistas faziam de especial com os judeus é tratá-los como
sub-humanos, Untermenschen. Ser um Ubermensch (super-homem) poderia ser
um projeto futuro para os nazistas, mas eles eram superiores aos
sub-humanos desde já. Um sub-humano poderia ser estigmatizado
publicamente, poderia ser privado do seu trabalho, poderia ser, enfim,
assassinado. Quando morresse, assassinado ou não, um espírito de porco
poderia dizer: “Menos um entrave ao crescimento espiritual do Povo;
menos um inimigo do Reich; menos um inimigo da saúde do Povo; menos um
inimigo da verdade; menos um inimigo da justiça.” Não interessa a forma
como a pessoa morreu (se doente ou executada), não interessam as ações
privadas dessa pessoa (se era um homem bom a despeito de opiniões
extravagantes). Interessa a aniquilação daquele que está marcado como
sub-humano.
Para
nos opormos ao totalitarismo, precisamos prestar atenção ao discurso
que promove a desumanização do outro. Isso de “discurso de ódio” é
conversa fiada de big tech. Todo mundo odeia; só quem se sente superior
(Ubermensch, super-homem) finge que não.
Maltratam velhos doentes
Se
Olavo não tivesse morrido de causas naturais, sua morte teria sido
comemorada do mesmo jeito. É fácil de provar isso com a famosa coluna de
Hélio Schwartzman na Folha: filosofando muito, e sem deixar de estender o mindinho enquanto segura uma xícara de chá, um homem fino pode concluir que é melhor Jair Bolsonaro morrer do que viver. Hélio rima com Adélio.
Mas o próprio Olavo dá mostras disso. Cito Paulo Polzonoff,
que escreveu a respeito à época: “O filósofo, tratado com deboche pelo
termo 'guru do bolsonarismo', saiu do Brasil às pressas, depois de
passar muito tempo internado e depois de ser intimado pela Polícia
Federal no inquérito ilegal que apura a existência de (respire fundo,
porque as palavras a seguir fedem) uma milícia digital que atua para
desacreditar a democracia e as instituições brasileiras. A notícia da
fuga para o exílio nos Estados Unidos deixou a esquerda hipócrita em
polvorosa. Houve quem chamasse Olavo de Carvalho de covarde por se
recusar a prestar depoimento num inquérito ilegal. Será que chamariam
Brizola, FHC ou Chico Buarque de covardes? Será que diriam que eles 'não
aguentaram o tranco da ditadura'?” A solidariedade é nula. Se levassem
um velho doente à cadeia por crime de opinião e ele morresse lá, quem
acha que haveria solidariedade? Jean Wyllys diria “menos um” do mesmo
jeito.
E
se Roberto Jefferson morrer, também dirá “menos um”. Porque nossos
bem-pensantes super empáticos andam encarcerando velhos doentes que não
fazem mal a ninguém. O ladrão e o assassino merecem direitos humanos; o
“extremista”, não. Se alguém for considerado extremista, tudo é
permitido contra si. Chamar de extremista é o pretexto da vez para
desumanizar os outros.
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