Ela impede que os autores de atos de improbidade, inclusive os parlamentares que a aprovaram, de serem condenados por culpa. Artigo do desembargador Aloísio de Toledo César para o Estadão:
Os
advogados americanos usam com frequência a imagem da árvore envenenada
para desmerecer decisões judiciais ou leis, com o argumento de que se a
árvore está envenenada, todos os seus galhos e frutos também estão.
Neste
momento da história do Brasil, vê-se que o Congresso Nacional e muitos
de seus integrantes estão alcançados por condutas suspeitas e
condenáveis, como receber valores pelo orçamento secreto sem a
necessária transparência, ferindo princípios republicanos e já
condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A
denúncia do Estadão acabou comprovada e mostrou que bilhões de reais
eram secretamente liberados a deputados e senadores, como emendas de
relator, sem a necessária clareza sobre a aplicação e o destino. Isso
projetou a ideia de que se tratam de atos de improbidade administrativa
que a legislação brasileira repele.
Os
envolvidos são em maioria parlamentares que apoiam o presidente Jair
Bolsonaro, votam a favor suas leis e assim impedem que ele corra o risco
de enfrentar o processo de impeachment (há mais de 100 na fila).
Esse
comportamento de desprezo por cada um de nós certamente influiu na
decisão de nos enfiarem goela abaixo. um “fruto envenenado”, ou seja, a
nova lei federal que tem por finalidade punir os atos de corrupção.
Muito estranho e suspeito o seu conteúdo, porque estabeleceu uma
prescrição de apenas quatro anos para os crimes de improbidade
administrativa, como aqueles dos quais são acusados o presidente da
República, seus filhos e outros agentes do Estado. Além disso, excluiu a
possibilidade de admitir a culpa nos processos por improbidade
administrativa.
A
culpa nasce da ação lesiva de administradores que agem por imprudência,
negligência ou imperícia. Há décadas o direito brasileiro pune os que
praticam esses atos de improbidade administrativa. Diferente é a
natureza do dolo, que ocorre quando o agente deseja a ação ou omissão
lesiva e assume o risco de produzi-lo (caso em que pode estar incurso o
presidente Jair Bolsonaro, quando se colocou e ainda se coloca contra a
vacinação por covid). Em eventual processo judicial para apuração de
delitos de corrupção, quatro anos de prescrição “voam” antes que chegue a
termo o processo contra o agente político, ou seja, como a prescrição
exprime o modo pelo qual o direito se extingue, a falta desse necessário
exercício no prazo legal conduz à preclusão, impedindo a consumação da
regra imposta pela lei punitiva.
Outro
ponto desse “fruto envenenado” que nos assusta: como a Constituição
Federal autoriza com toda clareza, em seu artigo 37, parágrafo sexto,
ação de regresso contra o administrador público faltoso por dolo ou
culpa, é muito estranho, estranho mesmo, que e a nova lei que regula os
atos de improbidade tenha exigido tão somente a presença de dolo para a
condenação, perdoada a culpa.
A
Constituição Federal diz uma coisa e a nova lei, outra, cabendo aos
juízes, desembargadores e ministros dos Tribunais interpretar e decidir
se vale a lei maior ou a menor. O assunto é mesmo tormentoso.
É
lamentável que a nova lei impeça os autores de atos de improbidade,
inclusive os parlamentares que a aprovaram, de serem condenados por
culpa. Se praticaram atos de imprudência, imperícia e negligência não
estarão ao alcance de suas disposições.
No
caso específico do presidente Jair Bolsonaro, com sua conduta
negacionista em relação à aplicação das vacinas contra a covid, é bem
provável que ao deixar o cargo seja alvo de processos movidos por
pessoas que perderam entes queridos em virtude da inércia. Enquanto for
presidente da República, ele estará livre disso.
É
regra de direito administrativo que a inércia do administrador, ou sua
conduta omissiva, retardando ato ou fato que deva praticar, configura
abuso de poder, autorizando correção judicial e indenização ao
prejudicado. Bastaria a presença de culpa para que o processo judicial
chegasse a termo, mas, diante da nova lei acima referida, que a excluiu,
será necessário comprovar o dolo, ou seja, a intenção de praticar o
ato. Isso leva a discussões judiciais mais difíceis e tende a conduzir o
processo à prescrição.
O
abuso de poder e o excesso de poder se caracterizam quando a autoridade
com competência para praticar o ato exorbita ou falha na obrigação
devida aos administrados. Jair Bolsonaro negou, dificultou, protelou e
continua a agir nesse sentido em relação às vacinas que salvam vidas.
Neste momento de euforia política, ele talvez não perceba que os danos
causados a terceiros poderão voltar-se contra ele quando deixar o cargo.
Os
políticos costumam dizer que o poder é como mulher bonita, ninguém quer
deixar para o próximo. Bolsonaro não é diferente dos outros e por isso
talvez tema ver o crescimento de seus concorrentes. Pessoalmente, sinto
que sua infeliz administração impulsiona a campanha do principal
concorrente Lula, aumentando o risco de outra vez termos de engolir esse
cidadão que melhor papel faria se estivesse fora da vida pública (ou em
outro lugar pior).
*DESEMBARGADOR APOSENTADO DO TJSP, FOI SECRETÁRIO DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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