
Stédile diz que o “exército” do MST tem 23 milhões de integrantes. Será?
Carlos Newton
O comentarista Edson Almeida, sempre atento, fornece excelente
contribuição ao debate sobre a conclamação de Lula em discurso na ABI,
quando ameaçou o país dizendo que o líder João Pedro Stédile irá ocupar
as ruas com o “exército” do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra, para enfrentar protestos contra o governo federal.
Almeida nos enviou um interessante e instigante reportagem da Agência
Folha, procedente da sucursal de Brasília e assinada pelos repórteres
Léo Gerchmann, Luciana Constantino e Fernanda Krakovics, sob o título “
Tensão Política – Governo evoca autoridade e ameaça punir os fora da Lei”.
No caso, os fora da lei eram os integrantes do chamado “exército” do
MST. A reportagem foi publicada em 2003 com os seguintes subtítulos,
bastante reveladores: “
Planalto deflagra operação para reagir à declaração de Stédile, do MST” e “
Governar é coisa séria, nós não estamos brincando, afirma Bastos”, com declarações do então ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos.
Vale a pena ler de novo, porque recordar é viver:
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GOVERNO EVOCA AUTORIDADE E AMEAÇA PUNIR OS “FORA DA LEI”
(Folha, 26 de julho de 2003)
O governo federal deflagrou ontem uma operação da qual participaram
ministros e o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por meio do
seu porta-voz, para reagir às declarações do coordenador nacional do MST
João Pedro Stédile, que, em palestra a sem-terra, definiu o movimento
como “um exército de 23 milhões de pessoas” que não podem “dormir
enquanto não acabarem com eles [os latifundiários]”.
As reações mais incisivas partiram dos ministros José Dirceu (Casa
Civil), que, em tom de ameaça, evocou a autoridade do governo, e Márcio
Thomaz Bastos (Justiça), que afirmou que a repressão aos movimentos
sociais crescerá caso haja um aumento na incitação à violência.
Em Palmas, Dirceu disse: “Não violem a lei e a Constituição. Não
façam isso. Não duvidem da autoridade do governo. Hipótese zero de o
governo tolerar qualquer abuso. Hipótese zero também de o governo abusar
de sua autoridade”. A afirmação, feita em debate de preparação do Plano
Plurianual para o período 2004-2007, se referia tanto aos sem-terra
quanto a protestos de servidores.
Em relação às declarações de Stédile, Dirceu se negou a fazer
comentários diretos, mas afirmou: “Não existem radicalismos no país e
temos de olhar com serenidade todas as situações”.
Ele disse que o Executivo tem de ser o mais sereno possível e que só é
preciso pressa para o crescimento econômico. “Já estamos abaixando os
juros, que irão cair cada vez mais. Quanto aos conflitos sociais e ao
caso ocorrido recentemente com os sem-teto em São Paulo, já foram
resolvidos tanto pelo governo federal quanto pelo estadual”, declarou.
“ABSURDAS”
Apesar de o presidente Lula ter afirmado, por meio de seu porta-voz,
que não iria comentar as declarações de Stédile porque as considerou
“absurdas” e porque não estariam confirmadas, Thomaz Bastos assumiu “a
palavra do governo federal”.
“O presidente considera tão absurdas as frases atribuídas ao
coordenador do MST que prefere aguardar uma eventual confirmação dessas
frases por parte do coordenador antes de se pronunciar a respeito”,
disse André Singer, porta-voz da Presidência.
Já o ministro da Justiça ameaçou: “Se o tom desse conflito [agrário]
subir, a reação do governo subirá também. Não estamos brincando, é uma
coisa séria governar”, afirmou.
“Os atos, fatos, ações que possam quebrar a legalidade serão
reprimidos com severidade. Todas as decisões judiciais serão cumpridas
rigorosamente”, disse ele em evento sobre segurança pública, promovido
pelo governo federal, em Porto Alegre.
Segundo Thomaz Bastos, “essa não é a palavra do ministro da Justiça, é
a palavra do governo do presidente Lula”. “Não permitiremos que essas
palavras [de Stedile a respeito dos latifundiários] se transformem em
ação”, complementou o ministro da Justiça.
“Presidimos um Estado de Direito que precisa ser mantido. Isso vale tanto para o MST quanto para os ruralistas.”
O ministro da Justiça aproveitou o clima tenso vivido no país em
razão de conflitos sociais como um exemplo dos motivos que tornariam
inoportuna uma eventual greve de juízes contra a reforma da Previdência.
“É um exemplo prático do porquê não podem fazer greve”, afirmou ele.
“RESPEITO À LEGISLAÇÃO”
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, também
rebateu as declarações de Stedile. Disse que as afirmações do
coordenador nacional do MST “obviamente não guardam nenhuma
concordância” com o que o governo defende.
“A reforma agrária será feita em um ambiente de absoluto respeito à
legislação, em um ambiente de diálogo, de negociação e cooperação”,
disse. “Estamos trabalhando fortemente para desestimular qualquer
manifestação de violência no campo. Todos sabemos a diferença clara que
existe entre o direito de expressão, de opinião, e o ambiente de
violência, que é inaceitável.”
Outros dois ministros que saíram em defesa do “Estado de Direito” ao
comentar as declarações de Stédile foram Tarso Genro (Secretaria de
Desenvolvimento Econômico e Social) e Roberto Rodrigues (Agricultura).
Em Porto Alegre, Genro afirmou: “Toda declaração contra o Estado
democrático de Direito, contra a estabilidade das instituições e contra a
liberdade das pessoas não é aceita, não é estimulada e não é defendida
pelo governo federal. Nossa visão é manter o Estado de Direito
funcionando. Todas as pessoas têm o direito de fazer suas manifestações
dentro da ordem democrática e respeitando os outros”.
Rodrigues, ruralista e defensor do direito dos fazendeiros de
protegerem suas propriedades dentro da lei, considerou, em nota,
“absurdo inconcebível” e “ameaçadora agressão ao Estado de Direito” as
declarações.
Com o título “O campo produz paz”, a nota do ministro da Agricultura
afirma que a ameaça contra “empresários rurais” revela desconhecimento
em relação aos avanços obtidos pelo agronegócio – responsável por 27% do
PIB (Produto Interno Bruto).
“Trata-se de um absurdo inconcebível, um equívoco brutal e uma
ameaçadora agressão ao Estado de Direito e à democracia. Defender uma
solução violenta para a questão agrária é não ter compromisso com o
império da lei, com a democracia e com a paz”, declara Rodrigues na
nota, escrita antes de o ministro viajar para a Bolívia.
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NOTA DA REDAÇÃO – É impressionante a mudança sofrida.
Antes, o MST era considerado “fora da lei” pelo governo do PT. Agora, o
“exército” de 23 milhões de integrantes do MST é apresentado pelo
ex-presidente Lula como solução dos problemas brasileiros. Afinal, mudou
o MST, mudou a legalidade ou foi apenas Lula que mudou? (C.N.)