O Centrão representa flagrante subversão da democracia, aniquilando a autonomia da governabilidade com consequente relativização do voto popular. Artigo de Sebastião Pereira da Paixão Jr. para a Gazeta do Povo:
Esqueça
FHC. Esqueça Lula. Esqueça Bolsonaro. Poderia citar mais alguns
mortos-vivos, mas esqueça-os também. Quem manda no Brasil é o Centrão,
um grupo político numeroso, amorfo e movediço que, em vez do
protagonismo e da liderança, prefere determinadas posições de
retaguarda, regadas por generosas fatias do orçamento público. Fogem da
luz, pois preferem as sombras.
Não
traduz nenhuma novidade dizer que o sistema partidário brasileiro é uma
colcha de retalhos. Objetivamente, o resultado parcial das eleições
municipais exala sintomas e patologias. De todas, uma é por demais
ilustrativa: os maiores partidos brasileiros em número de prefeituras –
MDB, PP e PSD – são agremiações que não tiveram candidatos à Presidência
da República nos últimos pleitos. Ou seja, são agremiações que vivem no
pântano do fisiologismo político, subjugando, por sua maioria
parlamentar, os projetos vencedores de poder.
Sem
cortinas, o Centrão representa flagrante subversão da democracia,
aniquilando a autonomia da governabilidade com consequente relativização
do voto popular. Isso porque o povo pode escolher, mas, se o escolhido
não se ajoelhar ao Centrão, irá capitular por deliberada asfixia
parlamentar. E o interesse público, onde fica? Esqueça. Para essa turma o
que importa são apenas os negócios da política de balcão. Sobram cifras
no enterro da dignidade democrática.
Infelizmente,
nosso sistema partidário é moral e institucionalmente falido; salvo
raríssimas exceções, não há ideal, não há princípios, não há ética
política. A questão é: o que fazer para rompermos a teia viscosa do
fisiologismo doentio?
Ora,
primeiramente, é imperativo admitir que as velhas soluções não
funcionam mais; a sociedade exige novas e melhores respostas. Logo, de
nada adianta bradar por mudanças e, contraditoriamente, insistir com
hábitos que levam aos lugares de sempre. A realidade política requer
posturas e incidências inovadoras que, com criatividade e talento,
elevem a institucionalidade do poder, rompendo com o oportunismo
antidemocrático do Centrão.
Para
tanto, precisamos de lideranças políticas dignas e honestas que tenham a
coragem e a habilidade necessárias para enfrentar o sistema posto. No
campo aberto das soluções eficazes, é necessário explorar, com
inteligência, as redes sociais para a geração de ondas cívicas
transformadoras sobre o Congresso Nacional, impondo a votação vertical
de pautas inadiáveis ao progresso do Brasil. Afinal, quando o povo quer,
a classe política vota.
O
desafio está em criar um virtuoso movimento dinâmico sobre o
parlamento, quebrando a inércia legislativa que deixa o barco andar até
onde possível for. Sim, o Congresso trabalha pouco e mal, gastando tempo
e recursos em discussões laterais que não atacam a essência dos
problemas nacionais. A democracia contemporânea exige obrigatória
responsividade legislativa, por meio de um corpo político proativo,
sério e dedicado a superar os entraves mesquinhos que condenam o Brasil
ao baixo desenvolvimento econômico e à alta desigualdade social.
Ao
contrário do radicalismo estúpido ou do extremismo cego, a democracia
autêntica exige a superioridade da razão pensante e do ímpeto intemerato
que vence o medo para levar luzes onde reina a escuridão. Temos de ter
viva consciência de que, apesar de todas as deficiências do sistema
democrático, nada – absolutamente nada – compensa aventuras outras que
não sejam pautadas pelo regime das liberdades constitucionais, pelo
livre debate das ideias e pelo respeito às diferenças humanas na vida em
sociedade.
Democracia,
antes de perfeição, é possibilidade. Enquanto houver decência cívica,
sempre será possível o surgir da ação democrática que promova o bem a
todos, com diálogo, equilíbrio e entendimento político. O Brasil,
definitivamente, merece mais, pois não há nação que resista tanto a tão
pouco.
Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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