Generais do Brasil e dos EUA assinam acordos de cooperação
Marcelo Godoy
Estadão
Era 8 de março quando a general Laura
Richardson, chefe do Comando Sul das Forças Armadas dos EUA, compareceu
ao lado de outros integrantes do Departamento de Defesa, em Washington, à
comissão de Defesa da Câmara. “Hoje a China tem a capacidade e a
intenção de burlar as normas internacionais, propagar sua marca
autoritária e acumular poder e influência às custas das democracias de
nosso hemisfério”, disse.
A general prosseguiu com seu alerta.
“Esta é a década decisiva, e nossas ações ou omissões em relação à
República Popular da China vão ter consequências pelos próximos
decênios”. E completou: “Enquanto a China permanece o nosso desafio
atual, outros atores mal-intencionados erodem a segurança regional. A
Rússia continua com sua extensa campanha de desinformação, apoiando
regimes autoritários em Cuba, Nicarágua e Venezuela”.
PREVISÃO ERRÔNEA –
Após a Guerra Fria, os Estados Unidos e seus aliados acreditavam que a
democracia ocuparia o lugar do autoritarismo no mundo. Vinte e cinco
anos depois, o entorno estratégico americano mudou. China e Rússia
estariam exercendo, “agressivamente, influência” sobre seus “vizinhos
democráticos”.
A general afirmou ainda que seus adversários usam “uma abordagem multidisciplinar e multidomínio para combater a democracia”.
Ela traçou do que seria a abordagem
correta para enfrentar a nova ameaça. “Nossos aliados e parceiros devem
usar todo o peso da dissuasão integrada, alavancando o governo,
indústria, setor privado e academia, a fim de responder de forma eficaz.
Com propósito compartilhado e confiança mútua, devemos agir
coletivamente com muito maior senso de urgência para garantir que este
hemisfério continue sendo um reduto para a democracia.”
AVANÇO DA CHINA – Por
fim, analisou o terreno por meio do qual os chineses avançam na América
do Sul: o comércio internacional e os investimentos.
“Em 2002, o comércio da China com a
América Latina e o Caribe foi de apenas US$ 18 bilhões; em 2022,
aumentou para US$ 450 bilhões. Esse número deve aumentar para US$ 700
bilhões até 2035. Por outro lado, o atual comércio dos EUA na região
totaliza US$ 700 bilhões, o que sugere que a vantagem comercial
comparativa dos Estados Unidos está erodindo.”
Um mês depois da declaração da general,
o presidente Lula chegou à China para ser recebido por Xi Jinping.
Disse o líder chinês: “Estou disposto a trabalhar com o presidente Lula,
de uma perspectiva estratégica e de longo prazo, para planejar e
promover conjuntamente a um novo patamar a parceria estratégica
abrangente entre a China e o Brasil, em benefício dos dois países e seus
povos.”
CHOQUES DE DIPLOMACIA –
A disputa entre China e EUA e a posição do Brasil ressurgiria mais
tarde em um episódio aparentemente banal. Após ser informado pelo
assessor especial Celso Amorim de que o Exército deixara de chamar a
China para participar de um seminário sobre doutrina militar no Comando
de Operações Terrestres (Coter), em Brasília, Lula determinou ao
ministro da Defesa, José Múcio, que o convite fosse feito. Ao lado do
pedido de venda de blindados Guarani para a Ucrânia, o seminário foi
apontado como exemplo de como a diplomacia militar se chocava com a do
governo.
Ao todo, 34 países haviam sido
convidados pelo Coter. O general Marcelo Pereira de Lima de Carvalho,
chefe do Centro de Doutrina do Exército, enxergava no evento apenas um
caráter de intercâmbio e de aprendizagem. Mas o Itamaraty e deputados
petistas viram conflito com a parceria estratégica com Pequim. E foram
bater na porta de Lula.
Despertaram a reação dos militares,
para quem a diplomacia brasileira parecia escrever a palavra
neutralidade na areia da praia, esquecendo a mudança das marés.
PEQUENO INVESTIMENTO –
Para os americanos, a presença no seminário era o símbolo do que a
própria general Richardson dissera aos congressistas sobre a América
Latina: “Nessa região, um pequeno investimento – seja em tempo, recursos
físicos, financiamento ou colaboração – vai longe.
Não precisamos gastar mais do que a
China para vencer a concorrência, mas devemos estar presentes em campo e
dar uma resposta veloz. Isso requer ter um orçamento oportuno – as
soluções de continuidade são prejudiciais aos esforços dos EUA e das
nações parceiras para se defender contra ameaças. Se não o fizermos, a
China e a Rússia preencherão o vazio.”
Mesmo assim, a reação de Lula fez os
militares ouvidos pela coluna temerem pelo futuro da colaboração das
Forças Armadas com os americanos e outros países da OTAN em meio à
neutralidade do governo Lula na guerra da Ucrânia.
DESEMBARQUE – Esse
receio foi logo encoberto pelo desembarque em Brasília da general
Richardson, do general William L. Thigpen, do Comando Sul do Exército
americano, e do embaixador Brian A. Nichols, secretário-adjunto para
Assuntos do Hemisfério Ocidental.
Richardson encontrou-se com os
comandantes da Marinha, almirante Marcos Olsen, do Exército, general
Tomás Paiva, e da Aeronáutica, brigadeiro Marcelo Damasceno, e com o
chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, almirante Renato
Rodrigues de Aguiar Freire.
Também visitou o Comando de Defesa
Cibernética e, acompanhada da embaixadora Elizabeth Frawley Bagley,
esteve com o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Filho, para, nas
palavras da embaixadora, “fortalecer a já próxima e duradoura cooperação
na área de Defesa com o Brasil”, descrita como “uma das prioridades do
governo dos EUA”.
COM A COLÔMBIA – Dias
antes, em 21 de maio, a general Richardson estivera com o presidente da
Colômbia, Gustavo Petro, para “discutir parceria na Defesa e segurança
regional”. Ou seja, ações contra os cartéis da droga e contra os grupos
remanescentes das guerrilhas esquerdistas no País.
O périplo da general que comanda a
contraofensiva dos EUA na América Latina foi completado pelos encontros
mantidos pelo general Thigpen. Em Brasília, esteve com o general Gustavo
Henrique Dutra de Menezes, que deixou o Comando Militar do Planalto
(CMP) após a intentona do dia 8 de janeiro, para assumir a 5.ª Subchefia
do Estado-Maior do Exército, que cuida das relações internacionais da
Força Terrestre.
Foi dali que saíram os principais
resultados da missão dos generais americanos para barrar a influência
chinesa no Brasil. Os exércitos americano e brasileiro concluíram uma
centena de acordos de ação, segundo os americanos, planejando “149
atividades durante as conversas” no Brasil.
UMA NOVA POLÍTICA – À
ofensiva militar, os EUA acrescentaram uma política. Enquanto os
generais encontravam os chefes militares brasileiros, o
secretário-adjunto Nichols dizia em Brasília ao Estadão: “Os acordos de
infraestrutura que os países (sobretudo da América Latina) fizeram com a
China muitas vezes se mostraram enganosos, nos termos financeiros que
os países obtêm”.
A preocupação americana se dirige
principalmente aos planos de empresas chinesas em áreas estratégicas,
como o Canal do Panamá e a cidade portuária de Ushuaia, na Argentina,
perto do Estreito de Magalhães.
A disposição dos americanos de lutar
para manter seu lugar na América Latina ficou evidente até nos acenos de
normalização de relações com o ditadura venezuelana de Nicolás Maduro.
Os americanos acreditam que não têm mais tempo a perder na região. Para
sorte de Lula, os americanos demonstram não querer briga. Engolir um
sapo barbudo é melhor do que vê-lo nas mãos de Pequim.