quarta-feira, 31 de maio de 2023

Generais dos EUA conversam com governo Lula para deter avanço da “ameaça chinesa”

 



Os generais Gustavo Dutra (esq.) e Thigpen (à dir.) assinam em Brasília acordos de cooperação entre os exércitos brasileiro e americano

Generais do Brasil e dos EUA assinam acordos de cooperação

Marcelo Godoy
Estadão

Era 8 de março quando a general Laura Richardson, chefe do Comando Sul das Forças Armadas dos EUA, compareceu ao lado de outros integrantes do Departamento de Defesa, em Washington, à comissão de Defesa da Câmara. “Hoje a China tem a capacidade e a intenção de burlar as normas internacionais, propagar sua marca autoritária e acumular poder e influência às custas das democracias de nosso hemisfério”, disse.

A general prosseguiu com seu alerta. “Esta é a década decisiva, e nossas ações ou omissões em relação à República Popular da China vão ter consequências pelos próximos decênios”. E completou: “Enquanto a China permanece o nosso desafio atual, outros atores mal-intencionados erodem a segurança regional. A Rússia continua com sua extensa campanha de desinformação, apoiando regimes autoritários em Cuba, Nicarágua e Venezuela”.

PREVISÃO ERRÔNEA – Após a Guerra Fria, os Estados Unidos e seus aliados acreditavam que a democracia ocuparia o lugar do autoritarismo no mundo. Vinte e cinco anos depois, o entorno estratégico americano mudou. China e Rússia estariam exercendo, “agressivamente, influência” sobre seus “vizinhos democráticos”.

A general afirmou ainda que seus adversários usam “uma abordagem multidisciplinar e multidomínio para combater a democracia”.

Ela traçou do que seria a abordagem correta para enfrentar a nova ameaça. “Nossos aliados e parceiros devem usar todo o peso da dissuasão integrada, alavancando o governo, indústria, setor privado e academia, a fim de responder de forma eficaz. Com propósito compartilhado e confiança mútua, devemos agir coletivamente com muito maior senso de urgência para garantir que este hemisfério continue sendo um reduto para a democracia.”

AVANÇO DA CHINA – Por fim, analisou o terreno por meio do qual os chineses avançam na América do Sul: o comércio internacional e os investimentos.

“Em 2002, o comércio da China com a América Latina e o Caribe foi de apenas US$ 18 bilhões; em 2022, aumentou para US$ 450 bilhões. Esse número deve aumentar para US$ 700 bilhões até 2035. Por outro lado, o atual comércio dos EUA na região totaliza US$ 700 bilhões, o que sugere que a vantagem comercial comparativa dos Estados Unidos está erodindo.”

Um mês depois da declaração da general, o presidente Lula chegou à China para ser recebido por Xi Jinping. Disse o líder chinês: “Estou disposto a trabalhar com o presidente Lula, de uma perspectiva estratégica e de longo prazo, para planejar e promover conjuntamente a um novo patamar a parceria estratégica abrangente entre a China e o Brasil, em benefício dos dois países e seus povos.”

CHOQUES DE DIPLOMACIA – A disputa entre China e EUA e a posição do Brasil ressurgiria mais tarde em um episódio aparentemente banal. Após ser informado pelo assessor especial Celso Amorim de que o Exército deixara de chamar a China para participar de um seminário sobre doutrina militar no Comando de Operações Terrestres (Coter), em Brasília, Lula determinou ao ministro da Defesa, José Múcio, que o convite fosse feito. Ao lado do pedido de venda de blindados Guarani para a Ucrânia, o seminário foi apontado como exemplo de como a diplomacia militar se chocava com a do governo.

Ao todo, 34 países haviam sido convidados pelo Coter. O general Marcelo Pereira de Lima de Carvalho, chefe do Centro de Doutrina do Exército, enxergava no evento apenas um caráter de intercâmbio e de aprendizagem. Mas o Itamaraty e deputados petistas viram conflito com a parceria estratégica com Pequim. E foram bater na porta de Lula.

Despertaram a reação dos militares, para quem a diplomacia brasileira parecia escrever a palavra neutralidade na areia da praia, esquecendo a mudança das marés.

PEQUENO INVESTIMENTO – Para os americanos, a presença no seminário era o símbolo do que a própria general Richardson dissera aos congressistas sobre a América Latina: “Nessa região, um pequeno investimento – seja em tempo, recursos físicos, financiamento ou colaboração – vai longe.

Não precisamos gastar mais do que a China para vencer a concorrência, mas devemos estar presentes em campo e dar uma resposta veloz. Isso requer ter um orçamento oportuno – as soluções de continuidade são prejudiciais aos esforços dos EUA e das nações parceiras para se defender contra ameaças. Se não o fizermos, a China e a Rússia preencherão o vazio.”

Mesmo assim, a reação de Lula fez os militares ouvidos pela coluna temerem pelo futuro da colaboração das Forças Armadas com os americanos e outros países da OTAN em meio à neutralidade do governo Lula na guerra da Ucrânia.

DESEMBARQUE – Esse receio foi logo encoberto pelo desembarque em Brasília da general Richardson, do general William L. Thigpen, do Comando Sul do Exército americano, e do embaixador Brian A. Nichols, secretário-adjunto para Assuntos do Hemisfério Ocidental.

Richardson encontrou-se com os comandantes da Marinha, almirante Marcos Olsen, do Exército, general Tomás Paiva, e da Aeronáutica, brigadeiro Marcelo Damasceno, e com o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, almirante Renato Rodrigues de Aguiar Freire.

Também visitou o Comando de Defesa Cibernética e, acompanhada da embaixadora Elizabeth Frawley Bagley, esteve com o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Filho, para, nas palavras da embaixadora, “fortalecer a já próxima e duradoura cooperação na área de Defesa com o Brasil”, descrita como “uma das prioridades do governo dos EUA”.

COM A COLÔMBIA – Dias antes, em 21 de maio, a general Richardson estivera com o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, para “discutir parceria na Defesa e segurança regional”. Ou seja, ações contra os cartéis da droga e contra os grupos remanescentes das guerrilhas esquerdistas no País.

O périplo da general que comanda a contraofensiva dos EUA na América Latina foi completado pelos encontros mantidos pelo general Thigpen. Em Brasília, esteve com o general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, que deixou o Comando Militar do Planalto (CMP) após a intentona do dia 8 de janeiro, para assumir a 5.ª Subchefia do Estado-Maior do Exército, que cuida das relações internacionais da Força Terrestre.

Foi dali que saíram os principais resultados da missão dos generais americanos para barrar a influência chinesa no Brasil. Os exércitos americano e brasileiro concluíram uma centena de acordos de ação, segundo os americanos, planejando “149 atividades durante as conversas” no Brasil.

UMA NOVA POLÍTICA – À ofensiva militar, os EUA acrescentaram uma política. Enquanto os generais encontravam os chefes militares brasileiros, o secretário-adjunto Nichols dizia em Brasília ao Estadão: “Os acordos de infraestrutura que os países (sobretudo da América Latina) fizeram com a China muitas vezes se mostraram enganosos, nos termos financeiros que os países obtêm”.

A preocupação americana se dirige principalmente aos planos de empresas chinesas em áreas estratégicas, como o Canal do Panamá e a cidade portuária de Ushuaia, na Argentina, perto do Estreito de Magalhães.

A disposição dos americanos de lutar para manter seu lugar na América Latina ficou evidente até nos acenos de normalização de relações com o ditadura venezuelana de Nicolás Maduro. Os americanos acreditam que não têm mais tempo a perder na região. Para sorte de Lula, os americanos demonstram não querer briga. Engolir um sapo barbudo é melhor do que vê-lo nas mãos de Pequim.

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