terça-feira, 19 de novembro de 2024

Impactos socioeconômicos e a qualidade do pré-natal em mulheres negras no Brasil

 

Impactos socioeconômicos e a qualidade do pré-natal em mulheres negras no Brasil
 

Fernanda Garanhani de Castro Surita, Amanda Dantas Silva e Leila Rocha
 

Em 1991, o censo demográfico consolidou-se no modelo que adotamos até hoje no Brasil no que se refere a cor da pele: branco, preto, pardo, amarelo e indígena. Esse sistema de classificação foi reproduzido nos censos demográficos para as edições a partir de 2000. No último censo (2022), vemos que, pela primeira vez desde o século XX, a população branca deixou de compor a maioria do povo brasileiro. Posteriormente o Estatuto da Igualdade Racial estabelece que são consideradas pessoas negras as que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito usado pelo IBGE.
 

 As mulheres negras apresentam maior chance de início tardio e não realização de pré-natal, fazem menos consultas de pré-natal, e as consultas têm menor duração e realizam menos exames complementares durante o pré-natal. A maior dificuldade de acesso ao pré-natal entre este grupo de melhores tem causa multifatorial: piores condições socioeconômicas, maior dependência dos serviços públicos de saúde, moradias em locais mais periféricos, maior dificuldade de sair do trabalho para ir às consultas, falta de rede de apoio.

É importante destacar, por outro lado, que o racismo em si, também impacta negativamente não só no acesso ao pré-natal, mas também em desfechos em saúde materna e perinatal.
 

O racismo obstétrico refere-se às diferentes formas de prejuízo às quais as mulheres negras são expostas durante a gestação, o parto e o pós-parto, como resultado de uma injustiça social. Inclui atrasos nos diagnósticos, negligência e atendimento desrespeitoso, e constitui uma ameaça à saúde materna e neonatal.

As mulheres negras sofrem de vulnerabilidades que se cruzam, resultando em piores resultados em saúde: sofrem discriminação de gênero, de classe e de cor de pele. Neste contexto, é importante trazer o conceito da interseccionalidade: os diversos fatores que contribuem para a maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde de modo geral e ao pré-natal pelas mulheres negras não atuam de forma isolada, mas sim de forma interseccional, integrada, com efeito aditivo e até multiplicativo. A interseccionalidade refere-se à criação de inequidades estruturais a partir da intersecção de sistemas historicamente discriminatórios - racismo, patriarcado e opressão de classe – e permite compreender as disparidades raciais/étnicas nos resultados da saúde sexual e reprodutiva das mulheres.
 

Impactos socioeconômicos
 

Existem várias maneiras pelas quais os fatores socioeconômicos impactam na qualidade do pré-natal: as mulheres negras apresentam piores condições de trabalho e de moradia, o que pode dificultar a adesão a tratamentos, como, por exemplo, uma dieta adequada para diabetes gestacional; muitas vezes apresentam dificuldade para faltar no trabalho e realizar exames; possuem lacunas em rede de apoio, sendo difícil conseguir ajuda para deixar os filhos mais velhos, por exemplo, sob o cuidado de outra pessoa enquanto vão às consultas ou realizam exames; a menor escolaridade também impacta em maior dificuldade para compreensão e adesão a possíveis tratamentos.
 

Os determinantes sociais de saúde são, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), condições não médicas associadas ao local onde as pessoas vivem, trabalham e crescem, que impactam nos resultados de saúde. Os determinantes estruturais incluem contextos socioeconômicos e políticos que criam e mantêm hierarquias sociais pelas quais as populações são estratificadas de acordo com gênero, cor da pele, renda e educação. Nesse contexto, o racismo estrutural é um determinante da saúde da população e impacta negativamente nos resultados de saúde.
 

As piores condições socioeconômicas, por outro lado, não são a única justificativa para a pior qualidade do pré-natal para mulheres negras. A percepção de sofrer discriminação também se associa a piores resultados maternos e perinatais. Experiências autorrelatadas de ter sofrido algum tipo de discriminação se associam a maior chance de início tardio ou não realização de pré-natal, escolha de métodos contraceptivos menos eficazes e maior risco de baixo peso ao nascer e parto pré-termo.
 

Políticas públicas
 

As políticas públicas para melhorar o acesso ao pré-natal para mulheres negras devem ser amplas e profundas. Devem incluir mulheres negras nesta implementação. Devem envolver educação e treinamento dos profissionais de saúde para atender essa população, respeitando as suas particularidades, segundo descrito na Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. O primeiro passo é conscientizar sobre a existência de disparidades raciais entre os profissionais de saúde.
 

A educação e a conscientização são as principais formas de melhorar a assistência em saúde das mulheres negras. Compreender o Racismo, o Racismo Institucional e considerar a existência das disparidades raciais na tomada de decisões e na construção e implementação de políticas públicas permitem reduzir as iniquidades em saúde.
 

A existência de crenças e práticas racistas entre os profissionais de saúde em relação a grupos minoritários influência no processo de tomada de decisão por estes profissionais. Por isso, a conscientização torna-se tão importante.

As pesquisas em saúde devem considerar a variável cor de pele como uma construção social, que implica em várias outras variáveis sobrepostas, e não como um fator biológico isolado, como peso ou altura.
 

Consequências
 

Mulheres negras apresentam maior risco de prematuridade, hemorragia pós-parto, hipertensão e pré-eclâmpsia, recebem menos analgesia durante o parto e pós-parto.

Mulheres pretas apresentam maiores taxas de mortalidade materna em comparação a todas as outras cores de pele, no Brasil - pardas, brancas, indígenas e amarelas.

Além disso, a qualidade do cuidado oferecido durante o parto influencia não só na saúde da parturiente e do recém-nascido, mas também na relação com os serviços de saúde ao longo da vida das mulheres.
 

Como mudar o cenário
 

Reconhecer a existência das disparidades raciais em saúde, da multiculturalidade e do racismo obstétrico é o primeiro passo para poder enfrentá-lo. A educação dos profissionais de saúde deve começar ainda na graduação com disciplinas incluindo os temas de disparidades raciais em saúde e de racismo.
 

*Autoras:


 

Profa. Dra. Fernanda Garanhani de Castro Surita

Vice-Presidente da CNE de Violência Sexual e Abortamento Previsto por Lei da FEBRASGO e Professora Titular de Obstetrícia, Departamento de Tocoginecologia, UNICAMP.

Dra. Amanda Dantas Silva

Médica Ginecologista e Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Tocoginecologia da UNICAMP.

Leila Rocha

Enfermeira e Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Tocoginecologia da UNICAMP.


 

REFERÊNCIAS

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