BLOG ORLANDO TAMBOSI
Há algum tempo, tive uma conversa telefônica com o ministro Gilmar Mendes
, a respeito da “Corte brasiliense”, assunto de que tratara coluna numa
no GLOBO. O ministro foi designado para questionar vários pontos, um em
especial — o julgamento de políticos importantes no Supremo Tribunal
Federal. Argumentava Gilmar: o fato de ser amigo de um político não
impede que ele, ministro, julgue com autorização um caso que envolva
aquele político.
Se
bem me lembro — e lembro —, o ministro ainda levantou questão de
caráter pessoal: por acaso se estava duvidando da sua imparcialidade?
Meu argumento era e continua sendo: não pode julgar. Ponto. Não se trata
de ética pessoal. Se o juiz é amigo do réu, convive com ele em
jantares, festas e até viagens — e ainda participa de articulações
políticas —, não pode julgá-lo.
Isso me parece tão óbvio que é difícil argumentar.
Mas
vamos lá, porque tem mais. Se o juiz é amigo, convive festivamente com
um advogado, também não pode julgar casos do referido causídico. Mais:
se a participação do magistrado é sócio do escritório de advocacia, o
magistrado não pode julgar casos dessa banca.
Dirão:
se assim for, no limite das Cortes brasilienses, ninguém pode julgar,
ninguém importante pode ser julgado, nenhum advogado pode advogar.
Juízes, advogados, políticos, empresários, lobistas — com abordagens
para todos os casos — convivem abertamente. Dirão que sempre foi assim.
Aí o problema: como tudo se passou como se normal fora, a Corte passou
dos limites.
O ministro Alexandre de Moraes
foi o presidente do Tribunal Superior Eleitoral na última eleição
presidencial. Ele mesmo proclamou o resultado. Depois da festa de
comemoração de Lula, na hospedagem do advogado Kakay, figura frequente
dentro e fora dos tribunais.
Não pode, ministro.
Moraes
deveria ter telefonado para Lula — cumprimentos formais e boa sorte.
Também deveria ter ligado a Bolsonaro, que obviamente não seria
atendido, mas Moraes teria cumprido o rito formal.
Kakay é conhecido pelos dons de hospedagem, além da capacidade de encontrar saídas para casos complexos no STF
, prédio cujo frequenta como se fosse da casa. Faça seu trabalho.
Ministros tomaram seus vinhos “Grand Cru” — aí não estão fazendo seu
trabalho. Não pode. Aliás, Kakay, pelo especial que sugerimos, não
poderia defender nenhuma causa. Não raro, ele é advogado de um réu que é
amigo do juiz, este também do convívio com Kakay.
A
banalidade do fato de que isso ainda tem levado a extremos frequentes. O
exemplo desta semana: em decisão monocrática — outro absurdo
normalizado —, o ministro Dias Toffoli
suspendeu uma multa de R$ 10,3 bilhões que a J&F vinha pagando ao
Tesouro. A multa resulta de um acordo de leniência amplamente negociado,
com uma bateria de advogados e procuradores.
Toffoli
baixou sua decisão no recesso, não sendo ele plantonista. A coisa só
vai a colegiado lá por 2024 e tanto, sabe-se lá. Como várias outras
decisões monocráticas que permaneceram engavetadas — como um liminar de
Lewandowski permitindo a nomeação de políticos para as estatais — em
meio a pedidos de vista. Há prazos, mas não se cumprem.
Outra
coisinha: a esposa de Toffoli advoga para a J&F. Outro caso, certo,
mas isso elimina a suspeita? Mais: corporativo, Toffoli derrubou
decisão do TCU que cancelou aumentos automáticos a juízes federais. Vai
custar perto de R$ 1 bilhão.
Eis
por que, com interpretações das leis que eles mesmos fazem, juízes
ganham de R$ 200 mil, R$ 300 mil — o que faz do Judiciário brasileiro o
mais caro do mundo.
Ao
longo da carreira, conheci juízes, advogados, políticos e promotores de
elevado espírito republicano. O Grupo Globo patrocina o Instituto
Innovare, dedicando-se a boas práticas do Poder Judiciário. Todo ano,
surgem iniciativas notáveis.
Ainda bem, temos onde buscar saídas.
Finalmente:
não misture estes meus comentários com os golpes de Bolsonaro e sua
turma. O ex-presidente queria ser dono do STF. Lula, sem golpes, na
palavra, também quer controlar o STF. Sabe que lá está o poder único.
Cabe a perguntinha ao presidente do STF, ministro Barroso: tudo bem.
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