sábado, 28 de outubro de 2023

A culpa é do padeiro

 



Um dia destes teremos as padarias vandalizadas com tinta por ativistas anti-obesidade. Más práticas alimentares? Não, culpa-se o padeiro. E armados de razão, já é legítimo o recurso à violência. João Adrião para o Observador:


“A razão é a coisa mais bem distribuída entre os homens. E o é de tal forma que ninguém se julga dela querer mais do que a que já possui.” (René Descartes)

É a tinta verde atirada contra o Ministro, contra os aeroportos, é gente a colar-se ao chão, a estragar obras de arte, a acorrentar-se a portas… Faltam à escola (não lhe chamem greve, porque greve faz quem trabalha), mostram o rabo, interrompem eventos, interpõem ações em tribunal, etc., etc. Terroristas? Vândalos? Marginais? Nada disso, é gente fofinha, juventude (adultos responsáveis mas isso não soava tão bem) a quem tudo se vai permitindo (e eles após a mão querem logo o braço) porque estão a lutar (isto é luta?) por uma causa nobre, a salvação do nosso planeta: são os Ativistas Climáticos!

Contam com muita da comunicação social do seu lado, de que o jornal Público de dia 27 é um autêntico tratado: Andreia Santos, por exemplo, escreve um editorial a defender que tudo isto “mostra que precisamos de que muito mais pessoas percebam”, sendo que ainda recentemente, e em relação a censura nos tempos de pandemia (a propósito de um desaguisado com outro jornal, o Página Um), sabemos que o jornal considera aceitável despir a função jornalística e se assumir-se como veículo de doutrinação de causas; já na última página do mesmo jornal, encontramos Carmo Afonso, uma advogada, a defender condutas violentas: “o ato foi violento” mas… “ter razão legitima ações que, à partida, seriam ilícitas”.

E porque acha Carmo Afonso que têm razão?

Por um lado porque a Galp e a EDP são “empresas altamente poluentes”, omitindo dois aspetos relevantes: 1) que são estas empresas grandes responsáveis pela marcha já em curso de substituição de energias fósseis para energias renováveis, investindo em parques solares, em parques eólicos, em desenvolvimento tecnológico, em Portugal e no estrangeiro, criando empregos verdes, fornecendo energia verde e, não menos importante, pagando impostos (porque salários, reformas, hospitais, escolas, tribunais, etc., etc. não se pagam com água do mar); 2) porque mesmo o que não é verde que vendem (gasóleo, gás, etc.), vendem porque as pessoas o compram, porque precisam de energia para comer, para não morrer de frio ou calor, para se deslocarem… Isto é, ninguém polui por gosto, mas como todos precisamos dessa poluição, compramos tais produtos (a tinta, que giro era ouvir esta gente sobre a pegada ecológica da tinta e já agora da sua posterior limpeza) e… poluímos a troco de vantagens maiores. Nós, não as empresas, que se não tivessem compradores não vendiam.

Dito de outra forma, um dia destes teremos as padarias vandalizadas com tinta por ativistas anti-obesidade, porque vendem pão e bolos. Más práticas alimentares? Falta de exercício físico? Perturbações de saúde? Não, culpa-se o padeiro. E, armados de razão, já é legítimo o recurso à violência, diz-nos a advogada!

Por outro lado, porque, diz-nos ainda Carmo Afonso, sofrem, e pedir protestos apropriados a quem sofre é violência ainda maior. Sofrem mesmo? Sim, é plausível que sofram angustiados com algo que não conhecem nem se preocupam em conhecer – seguem Catarina Martins que dizia que na rua, nas manifestações, aprendiam mais que na escola – e com os exageros com que a mesma comunicação social que os promove, os bombardeia constantemente. Curiosamente ou talvez não, um estudo recente na Alemanha mostra que quanto maior a ignorância quanto ao ambiente, maior a ansiedade climática.

E se terem razão é muito discutível, este sofrimento é mais um síndrome de crianças mimadas que outra coisa: tivessem eles aos vinte e poucos anos já calos nas mãos por trabalharem desde crianças, roupas velhas e sujas e o frigorífico vazio se o tivessem ou a casa gelada de inverno, etc. e certamente o sofrimento e as prioridades reivindicativas eram outras. Não têm e ainda bem. Mas tiveram os seus pais e avós, que tanto se esforçaram para que eles não passassem por estas e outras agruras (como estar doente e não ter assistência ou querer estudar e não poder). Como agradecimento? Cospem no prato que lhes encheu a barriga!

Então e o governo que acabou com o carvão (aumentando brutalmente a importação de energia, em que já éramos deficitários – energia essa que muita também é produzida por carvão), e que vai subsidiando projetos, aprovando explorações, concedendo licenças, etc.? O governo, atrás dos votos desta malta, fez a cama em que agora se deita. O governo diz-lhes que têm razão o que eles, como Carmo Afonso, confundem com legitimidade para a violência, porque querem ter visibilidade – João Camargo, radical de extrema esquerda e um dos que está por detrás da manipulação destas cabecinhas ocas, lembrou-o. E tem razão: de facto têm tido visibilidade por enquanto. Pior será se não o tiverem e partirem para formas de luta ainda mais radicais, atrás dessa visibilidade, de protagonismo, de palco.

Estamos condenados a essa escalada da violência? Não é um fadário: bastaria dar-lhes o palco que querem, trazendo-os para as discussões e debates. Porque aí, o que teria visibilidade é que não passavam de “Apanhados do Clima” que não conseguiam encadear duas frases quanto mais apresentar propostas realistas para o que quer que fosse. O governo devia fazê-lo? Pois devia, mas o eleitoralismo, a que se junta populismo e figuras como Marcelo, não deixa e preferem passar-lhes uns paninhos quentes, alimentando a escalada… Depois não se queixem.

Um aparte: o mesmo jornal tem, não obstante, um artigo interessante de Maria João Marques em sentido contrário, juntando estes atos a vários outros episódios recentes e em temáticas diversas, para concluir que tudo isto é “falta de tolerância e de educação”. Para o comum leitor, um Oásis no deserto; para Carmo Afonso? Violência ainda maior que a dos vândalos, perdão ativistas.
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