Um dia destes teremos as padarias vandalizadas com tinta por ativistas anti-obesidade. Más práticas alimentares? Não, culpa-se o padeiro. E armados de razão, já é legítimo o recurso à violência. João Adrião para o Observador:
“A
razão é a coisa mais bem distribuída entre os homens. E o é de tal
forma que ninguém se julga dela querer mais do que a que já possui.”
(René Descartes)
É
a tinta verde atirada contra o Ministro, contra os aeroportos, é gente a
colar-se ao chão, a estragar obras de arte, a acorrentar-se a portas…
Faltam à escola (não lhe chamem greve, porque greve faz quem trabalha),
mostram o rabo, interrompem eventos, interpõem ações em tribunal, etc.,
etc. Terroristas? Vândalos? Marginais? Nada disso, é gente fofinha,
juventude (adultos responsáveis mas isso não soava tão bem) a quem tudo
se vai permitindo (e eles após a mão querem logo o braço) porque estão a
lutar (isto é luta?) por uma causa nobre, a salvação do nosso planeta:
são os Ativistas Climáticos!
Contam
com muita da comunicação social do seu lado, de que o jornal Público de
dia 27 é um autêntico tratado: Andreia Santos, por exemplo, escreve um
editorial a defender que tudo isto “mostra que precisamos de que muito
mais pessoas percebam”, sendo que ainda recentemente, e em relação a
censura nos tempos de pandemia (a propósito de um desaguisado com outro
jornal, o Página Um), sabemos que o jornal considera aceitável despir a
função jornalística e se assumir-se como veículo de doutrinação de
causas; já na última página do mesmo jornal, encontramos Carmo Afonso,
uma advogada, a defender condutas violentas: “o ato foi violento” mas…
“ter razão legitima ações que, à partida, seriam ilícitas”.
E porque acha Carmo Afonso que têm razão?
Por
um lado porque a Galp e a EDP são “empresas altamente poluentes”,
omitindo dois aspetos relevantes: 1) que são estas empresas grandes
responsáveis pela marcha já em curso de substituição de energias fósseis
para energias renováveis, investindo em parques solares, em parques
eólicos, em desenvolvimento tecnológico, em Portugal e no estrangeiro,
criando empregos verdes, fornecendo energia verde e, não menos
importante, pagando impostos (porque salários, reformas, hospitais,
escolas, tribunais, etc., etc. não se pagam com água do mar); 2) porque
mesmo o que não é verde que vendem (gasóleo, gás, etc.), vendem porque
as pessoas o compram, porque precisam de energia para comer, para não
morrer de frio ou calor, para se deslocarem… Isto é, ninguém polui por
gosto, mas como todos precisamos dessa poluição, compramos tais produtos
(a tinta, que giro era ouvir esta gente sobre a pegada ecológica da
tinta e já agora da sua posterior limpeza) e… poluímos a troco de
vantagens maiores. Nós, não as empresas, que se não tivessem compradores
não vendiam.
Dito
de outra forma, um dia destes teremos as padarias vandalizadas com
tinta por ativistas anti-obesidade, porque vendem pão e bolos. Más
práticas alimentares? Falta de exercício físico? Perturbações de saúde?
Não, culpa-se o padeiro. E, armados de razão, já é legítimo o recurso à
violência, diz-nos a advogada!
Por
outro lado, porque, diz-nos ainda Carmo Afonso, sofrem, e pedir
protestos apropriados a quem sofre é violência ainda maior. Sofrem
mesmo? Sim, é plausível que sofram angustiados com algo que não conhecem
nem se preocupam em conhecer – seguem Catarina Martins que dizia que na
rua, nas manifestações, aprendiam mais que na escola – e com os
exageros com que a mesma comunicação social que os promove, os
bombardeia constantemente. Curiosamente ou talvez não, um estudo recente
na Alemanha mostra que quanto maior a ignorância quanto ao ambiente,
maior a ansiedade climática.
E
se terem razão é muito discutível, este sofrimento é mais um síndrome
de crianças mimadas que outra coisa: tivessem eles aos vinte e poucos
anos já calos nas mãos por trabalharem desde crianças, roupas velhas e
sujas e o frigorífico vazio se o tivessem ou a casa gelada de inverno,
etc. e certamente o sofrimento e as prioridades reivindicativas eram
outras. Não têm e ainda bem. Mas tiveram os seus pais e avós, que tanto
se esforçaram para que eles não passassem por estas e outras agruras
(como estar doente e não ter assistência ou querer estudar e não poder).
Como agradecimento? Cospem no prato que lhes encheu a barriga!
Então
e o governo que acabou com o carvão (aumentando brutalmente a
importação de energia, em que já éramos deficitários – energia essa que
muita também é produzida por carvão), e que vai subsidiando projetos,
aprovando explorações, concedendo licenças, etc.? O governo, atrás dos
votos desta malta, fez a cama em que agora se deita. O governo diz-lhes
que têm razão o que eles, como Carmo Afonso, confundem com legitimidade
para a violência, porque querem ter visibilidade – João Camargo, radical
de extrema esquerda e um dos que está por detrás da manipulação destas
cabecinhas ocas, lembrou-o. E tem razão: de facto têm tido visibilidade
por enquanto. Pior será se não o tiverem e partirem para formas de luta
ainda mais radicais, atrás dessa visibilidade, de protagonismo, de
palco.
Estamos
condenados a essa escalada da violência? Não é um fadário: bastaria
dar-lhes o palco que querem, trazendo-os para as discussões e debates.
Porque aí, o que teria visibilidade é que não passavam de “Apanhados do
Clima” que não conseguiam encadear duas frases quanto mais apresentar
propostas realistas para o que quer que fosse. O governo devia fazê-lo?
Pois devia, mas o eleitoralismo, a que se junta populismo e figuras como
Marcelo, não deixa e preferem passar-lhes uns paninhos quentes,
alimentando a escalada… Depois não se queixem.
Um
aparte: o mesmo jornal tem, não obstante, um artigo interessante de
Maria João Marques em sentido contrário, juntando estes atos a vários
outros episódios recentes e em temáticas diversas, para concluir que
tudo isto é “falta de tolerância e de educação”. Para o comum leitor, um
Oásis no deserto; para Carmo Afonso? Violência ainda maior que a dos
vândalos, perdão ativistas.
Postado há 5 weeks ago por Orlando Tambosi
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