Os serviços mínimos não garantem nada. O silêncio dos partidos de direita é interesseiro, cego e traduz apenas uma cedência acéfala a uma bandeira da esquerda. José Meireles Graça para o Observador:
A
maioria esmagadora dos portugueses não tem nada a correr nos tribunais,
isto é, não é parte, nem réu, nem testemunha. E presumo que uma muito
menor parte, mas ainda assim maioria, nunca tenha frequentado tais
estabelecimentos ominosos.
A
maioria esmagadora dos portugueses não está internada, ou tem
consultas, exames ou intervenções cirúrgicas marcadas. Porém, será
difícil encontrar quem seja indiferente ao que se passa em hospitais e
centros de saúde, quer porque já os frequentou, quer porque tem
familiares ou amigos que lá estão, estiveram ou têm de regressar, quer
porque não ignora que há grandes probabilidades de, a qualquer momento,
deles necessitar.
Não
é muito nítida na consciência social a necessidade da Educação, cuja
utilidade a generalidade das pessoas (e não poucos responsáveis) mede
pela quantidade de diplomas. Disto decorre que os danos que as medidas
induzidas pela histeria covidesca causaram ao ensino, ou melhor, à
aprendizagem, não aflijam excessivamente os pais porque, baixando o
nível de exigência escolar, é possível satisfazê-los.
Sucede
que estes três sectores – Justiça, Saúde e Educação – estão volta e
meia em greve, e esta vai num crescendo de frequência, acrimónia e
irredutibilidade.
O
PS, que governou em 21 dos últimos 28 anos, nunca se distinguiu pela
inflexibilidade na satisfação de reivindicações; e pelo contrário não
hesitou em “negociar”, que é o nome que se dá à cedência, mesmo que
limitada, às reivindicações dos sindicatos, no caso do sector privado
após os respectivos representantes anuírem (voluntariamente coagidos, se
posso usar a expressão).
A
isto se chama concórdia. E é sobretudo ela, e a consideração pelo
interesse de pensionistas e reformados, que explica as vitórias
pêessísticas.
Cabe
portanto perguntar por que razão há tanta relutância do Governo em
pôr-se de acordo com médicos, enfermeiros, oficiais de justiça e
professores.
A
resposta é simples: não há dinheiro. A dívida pública continua
nominalmente a crescer e a falência socratiana enxertou no corpo
ideológico do PS a ideia (acertada) de que os défices orçamentais (mais
propriamente de execução orçamental, que os Orçamentos tornaram-se
instrumentos de manipulação e fantasia) devem tender para zero, uma
vitória póstuma de Salazar.
Ora,
se foi possível diminuir horários de trabalho, aumentar o número de
funcionários públicos e controlar o défice, o preço veio sob a forma de
degradação dos serviços que o Estado oferece, por falta de investimento,
não obstante a carga fiscal dar sinais, após sorrateiros e sucessivos
crescimentos, de estar no limite, mesmo para estatistas de vária pinta.
Essa
degradação não pode prosseguir, as queixas e resmungos já começam a
erodir o saldo de confiança popular. E o Governo, não tendo outra ideia
para o país que não sejam as cansadas receitas da chupice europeia,
intervencionismos sortidos na economia privada (sempre promissores e
sempre falhados) e “apostas” grandiloquentes nisto e naquilo, conta
agora apenas com doses massivas de propaganda, benevolência da
comunicação social, um bodo aos pobres e cedências às reivindicações
mais perto das eleições, tudo e ainda o que a mestria de Costa nas
cabriolas do Poder recomende para tirar um coelho da cartola.
Até
onde a vista alcança, porém, ou aumenta uma regressão palpável no que o
Estado vem oferecendo na qualidade dos serviços, ou se regressa aos
défices, ou nas próximas eleições este Governo é despedido.
Se
for, todavia, doses mais modestas das mesmas políticas não vão resolver
o problema de fundo, que é o da ausência de crescimento, sem a qual o
bolo para distribuir, com o número de velhos a aumentar e os novos a
darem à sola, tende a diminuir. E como a criação de condições para sair
do arrastar de pés implica, entre outras coisas, diminuir a dívida, há
que travar o aumento da despesa,
Dizem
alguns que o corte nos impostos induz crescimento. Concordo que sim, a
prazo, mas o intervalo é grande e entretanto é preciso maneirar.
Dito
de outro modo: ceder às reivindicações na medida das exigências não é
um bom caminho; cortar nas despesas sim, desde que sem convulsões
sociais (verdadeiras, não o berreiro de sindicatos e a fronda da boa
gente de esquerda), ainda que as poupanças daí decorrentes não sejam
exaltantes, salvo um esforço sério e nunca empreendido de extinguir
serviços inúteis, ou prejudiciais, ou redundantes; e inverter o caminho
da degradação dos serviços igualmente sim, na exacta medida em que com
isso não se comprometa o sanear das contas públicas.
Não
é provável que os servidores públicos aceitem apertar o cinto. E um
novo governo, sendo por definição, se for novo, de direita, terá mais e
não menos dificuldade em lidar com este complicado puzzle.
Daí
que a solução óbvia (tão óbvia que até mesmo um governo do PS tenha
porventura de a vir a encarar) seja rever as leis da greve, não para
resolver qualquer problema de fundo mas para lhe podar as consequências.
As greves assentam no pressuposto de que o direito respectivo se pode
sobrepor a outros direitos, nomeadamente à Saúde, ao Ensino e à Justiça,
com a condição de haver serviços mínimos decididos em determinadas
condições e que respeitem os princípios da necessidade, da adequação e
da proporcionalidade.
Esses princípios são actualmente contemplados? Claramente não.
Admite-se
que doentes (sobretudo pobres que não podem recorrer ao privado) vejam
consultas, cirurgias e exames adiados porque, não correndo o risco de
morrer de imediato, podem bem aguentar? Das duas uma: ou essas
consultas, cirurgias e exames, não servem para nada; ou, se servem,
então o doente vê, provavelmente, diminuir a sua esperança de vida, ou a
continuação do seu sofrimento.
Admite-se
que se assista pacificamente ao degradar da qualidade do ensino, que
vai entupir o país, a prazo, de analfabetos licenciados? Ou acreditamos
que o progresso tem necessariamente uma componente de educação ou não?
Se acreditamos (e quase ninguém duvida) então é intolerável que uma
geração inteira seja comprometida.
É
razoável que todos os dias milhares de diligências nos tribunais sejam
canceladas (ainda por cima em menu à lista, umas são adiadas, outras
não, nuns dias serviços xis sim, noutros não), com danos para credores,
devedores, pessoas e empresas que vêm a sua vida gratuitamente
complicada e os seus negócios prejudicados? Ou achamos que o progresso
material exige o funcionamento tempestivo da Justiça, a que todos têm
direito, ou não.
De
modo que urge uma clarificação. A ideia de que o direito à greve é
universal contempla, no ordenamento jurídico actual, limitações, como os
militares, juízes (quanto a estes segundo o melhor entendimento, o
ponto não é, inacreditavelmente, completamente pacífico) e deputados, em
cada um destes grupos por boas razões. Que não são as mesmas,
obviamente, que as dos médicos, professores, enfermeiros e oficiais de
Justiça.
Excepto
pelo facto de todos serem pagos por dinheiros públicos e todos estarem
ao serviço de funções do Estado que satisfazem direitos
constitucionalmente garantidos.
Que
os partidos de direita tenham paciência: os serviços mínimos não
garantem nada; o seu silêncio é interesseiro e cego, traduz apenas uma
cedência acéfala a uma bandeira que a esquerda quer impingir como um
direito humano; e se precisamos de Forças Armadas que assegurem um
módico de respeito para com o país, não precisamos menos de Saúde,
Educação e Justiça e não simulacros mancos desses três bens.
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