É o tal mundo multipolar e a aliança Sul-Sul que a dupla Lula-Amorim trabalha arduamente para construir. Leonardo Coutinho para a Gazeta do Povo:
O
que é um golpe em Burkina Faso? O que é Burkina Faso? Onde fica Burkina
Faso? Quem se importa com Burkina Faso? Ninguém? Menor que o Estado do
Tocantins e com PIB per capita inferior ao de Matões do Norte, no
Maranhão, que tem o pior índice
entre os municípios brasileiros, Burkina Faso é um lugar tumultuado,
cercado por países igualmente instáveis, na borda sudoeste do Deserto do
Saara.
Em
outubro do ano passado, Ibrahim Traoré – um capitão do exército local –
deu um golpe bem-sucedido e depois de assumir o poder, com o título de
ditador mais jovem em atividade (ele só tinha 34 anos), desfilou pelas
ruas da capital Uagadugu em um blindado de transporte de tropas, de onde
fazia joinhas e dava tchauzinhos para a população em festa. Além das
bandeiras vermelhas e verdes com uma estrela amarela no centro – o
pavilhão nacional burquinense –, chamava a atenção a profusão de
flâmulas tricolores em azul, branco e vermelho.
A
festa golpista de Traoré também foi ornamentada pela bandeira russa.
Ninguém deu muita bola, pois, afinal, é Burkina Faso. Mas, enquanto
ninguém dava a mínima, a homenagem aos russos na celebração do golpe
mais recente era a celebração de quem, de fato, prestava muita atenção
naquela região: Vladimir Putin.
No
final de julho, Traoré reapareceu. Usando farda tinindo de nova e
boininha vermelha ao estilo Hugo Chávez, o ditador foi o primeiro a
aparecer para a Cúpula Rússia-África em São Petersburgo. Posou para
fotos, com um sorriso colossal no rosto, ao lado de Vladimir Putin e,
depois dos eventos públicos, ganhou uma reunião privada com o ídolo
autocrata.
É o tal mundo multipolar e a aliança Sul-Sul que a dupla Lula-Amorim trabalha arduamente para construir.
Traoré
fez um discurso raivoso, que foi difundido massivamente pelos meios
estatais russos. “Um escravo que não luta [contra quem o escraviza,
suponho] não é digno de qualquer indulgência. Os chefes dos Estados
africanos não devem comportar-se como marionetes nas mãos dos
imperialistas. Temos de assegurar que os nossos países sejam
autossuficientes, inclusive no que diz respeito ao abastecimento
alimentar, e possam satisfazer todas as necessidades dos nossos povos.
Glória e respeito aos nossos povos; vitória aos nossos povos! Pátria ou
morte!”, disse ele, encerrando o discurso com um dos bordões do
argentino Che Guevara, que não nutria grande admiração pelos africanos.
A
citação de Che não é firula. Além de amar Putin, Traoré fechou com o
que há de pior na América Latina. Mandou seu primeiro-ministro,
Apollinaire Kyélem, à Venezuela de Maduro e à Nicarágua de Ortega. Com
Cuba, o canal é direto.
As
tretas de Traoré pareciam ser apenas um revanchismo com o
ex-colonizador, a França. Ele revogou acordos de defesa com a França, o
que levará ao fechamento de uma base militar francesa em seu país. Além
disso, está tocando gasolina na fogueira do ressentimento. A culpa de
todas as tragédias é da Europa, em especial da França.
Mas
o que passou batido é que ele é um garoto-propaganda. Transformado em
símbolo de luta contra o imperialismo ocidental pela Rússia, o
ditador-mirim está insuflando novas insurgências, que nada têm a ver com
liberdade (a tal luta do escravo contra o escravagista), mas têm tudo a
ver com a troca de eixo de poder.
Traoré
fala em autodeterminação, mas trabalha por um novo colonialismo na
África. Um sistema que orbitará os interesses da Rússia e da China.
Moscou precisa engrossar o caldo de seu eixo e influência, para garantir
mercado, rotas, votos em organismos multilaterais, soldados e sobretudo
poder de gerar conflito e instabilidade.
Putin
já tinha, além de Burkina Faso, República Centro-Africana, Mali, Líbia e
Sudão ao seu lado. Nesta semana, ele ganhou o Níger. Como se não
bastasse, ele tem como aliada a poderosa Argélia, que está doidinha para
mandar fogo no Marrocos (aliado dos Estados Unidos, Espanha e Israel).
Conflito que, além de implodir o norte da África, abalaria a Europa com
uma nova crise migratória e de energia, pois afetaria em cheio as fontes
alternativas de gás depois das sanções impostas aos russos pela invasão
da Ucrânia.
Putin
inventou um Chávez africano para chamar de seu. Se der certo, pobre da
África. Para concluir, um pouco de conhecimento geral. Burkina Faso
significa “Terra de Pessoas Incorruptíveis”.
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
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