BLOG ORLANDO TAMBOSI
Não basta controlar o que podemos fazer e pensar: os “progressistas” agora querem paralisar a ciência e a tecnologia. Dagomir Marquezi para a revista Oeste:
Em
1811, um grupo de artesãos decidiu que os culpados pelo crescente
desemprego entre eles eram as máquinas têxteis. À noite, esses rebeldes
saíam mascarados quebrando maquinário em várias cidades inglesas. A
esperança deles era brecar qualquer avanço tecnológico e garantir assim
seus empregos, tentando permanecer no século 18 para sempre.
O
líder desses bandos era um tal de Ned Ludd, conhecido como Rei Ludd.
Ninguém sabe até hoje se ele existiu de verdade. De qualquer jeito, seus
seguidores ficaram conhecidos como os luditas. Desde esse início do
século 19, ludita é o nome que se dá a quem quer interromper a evolução
tecnológica e científica.
Os
“ludistas” eram artesãos ingleses do início do século 19. Ao ver que
iriam perder seus empregos, eles partiram para destruir as máquinas
têxteis
Hoje,
em plena segunda década do século 21, os luditas estão de volta. Com
algumas diferenças. Eles não querem apenas destruir os frutos da
tecnologia. Pretendem abortar as novidades antes mesmo que nasçam. E não
agem apenas pela própria sobrevivência profissional, mas por uma agenda
ideológica “progressista”. Querem, como sempre, salvar o mundo. E como
sempre acham que o caminho é controlar, censurar e isolar quem não
obedece a eles.
Ronald
Bailey, escritor especialista em ciência, escreveu um longo artigo para
a revista Reason anunciando que temos de enfrentar mais uma sigla na
floresta de abreviaturas autoritárias. A nova sigla é RRI: “responsible
research and innovation”, ou “pesquisa e inovação responsáveis”.
Capa da matéria de Ronald Bailey para a revista Reason
O movimento RRI hoje tem um site próprio
(financiado pela União Europeia) muito completo, em que são oferecidos
instrumentos para quem quer, por exemplo, implantar numa universidade um
“plano de igualdade de gêneros e um código de integridade de
pesquisas”. Os alvos deles são “pesquisadores, políticos, representantes
da sociedade civil, educadores e inovadores”. Eles disponibilizam
cartilhas do tipo “como iniciar RRI em nível nacional” ou “como
incorporar RRI em instituições de ensino avançado”. Palestras, contas em
redes sociais, vídeos didáticos, conferências internacionais, programas
para influenciar acionistas de empresas, tudo está incluído e pago no
pacote de aparelhamento.
O
site oferece inclusive uma apostila de “autorreflexão”, para que o
usuário se convença de que o caminho que eles oferecem é o mais “justo e
igualitário”. Segundo a apostila, o objetivo do RRI é “engajar todos os
atores (de pesquisadores individuais a instituições e governos) (…) e
se alinhar a valores, necessidades e expectativas de um grande público.
Isso não só vale a pena ética e socialmente, mas também produz melhor
ciência, tornando as agendas de pesquisa mais diversificadas e levando
em conta as complexidades do mundo real”. Uma pergunta básica não é
respondida: quem decide o que é uma “ciência melhor”?
Segundo
Ronald Bailey, alguns desses entusiastas do RRI defendem a “inovação
lenta” na ciência e até algo que eles chamam de “estagnação
responsável”. Um dos adeptos dessa linha de ação, o professor britânico
Bernd Carsten Stahl chegou a dizer, em 2020: “Nós devemos perguntar se
as tecnologias emergentes podem e serão percebidas como uma ameaça de um
nível similar à ameaça atual do vírus da covid”. Ou seja, o professor
Stahl compara novas tecnologias com uma pandemia mortal. Ele sugere que,
se for esse o caso, pode ser necessária uma “intervenção radical”. O
que ele quis dizer com essa expressão? Não sabemos.
Os perigos da microeletrônica
Segundo
o artigo de Ronald Bailey para a Reason, a origem do RRI está num livro
escrito pelo químico britânico David Collingridge, em 1980. O título
não poderia ser mais explícito: O Controle Social da Tecnologia.
Collingridge dizia que “as consequências de uma tecnologia não podiam
ser previstas no início de sua atividade. No momento em que as suas
consequências indesejáveis são descobertas, a tecnologia é geralmente
uma parte tão grande de toda a fábrica econômica e social que seu
controle se torna extremamente difícil”. Collingridge chamava esse seu
desejo de controle prévio de atividades de pesquisa de
“entrincheiramento”. Seus seguidores usam outro nome: “trancamento”.
Collingridge
citava como exemplos de ciência dando errado “a medicina moderna e a
higiene reduzindo a mortalidade em países em desenvolvimento, mas
fazendo isso gerou um crescimento incontrolável da população”. Outro
exemplo similar dado por ele se referia ao uso de química na produção de
comida, que causaria “danos ao solo e seu ecossistema de apoio”.
Segundo
o raciocínio causa e feito de Collingridge, o sabonete e a pasta de
dentes não deveriam existir, para evitar assim a explosão populacional. O
professor britânico já falava, em 1980, dos “perigos da
microeletrônica”, que provavelmente destruiria empregos. Não passava na
sua cabeça que milhões de outros empregos seriam criados.
Um mundo sem carros
Outro
exemplo de militante RRI citado pela Reason é a autora Sheila Jasanoff,
no seu livro The Ethics of Invention, de 2016, em que ataca a
existência dos automóveis: “O carro abria imensas possibilidades de
liberdade e produtividade individual, mas que traziam consequências
drásticas para a sociedade que ninguém havia imaginado ou regulado em
tempo hábil. Os carros causaram mais de 1 milhão de mortes no trânsito
em todo o mundo a cada ano, a disseminação das práticas de trabalho
rotinizadas e mortíferas, a praga da poluição urbana, a fragmentação das
comunidades, a decadência dos outrora grandes centros industriais e,
eventualmente, a mudança climática, que ameaça o mundo. As práticas
atuais de inovação responsável e governança antecipada poderiam ter
mudado a maré da história do automóvel antes que ele tomasse um rumo
trágico?” Henry Ford teve sorte que a patrulha RRI ainda não existia em
1908.
No
seu artigo para a Reason, Ronald Bailey mostra como a evolução pode vir
de maneira simples, desde que os notórios donos da verdade não
atrapalhem. Em 1908, por exemplo, a Real Comissão Britânica condenou o
crescente uso de automóveis por causa da poeira que eles levantavam. Mas
não propuseram a extinção do “carro a motor”, e sim uma solução
concreta e prática para diminuir a poeira — asfaltar as ruas.
De volta à caixa de Pandora
Hoje,
os carros elétricos e autônomos (sem motoristas) estão sendo
massacrados diariamente pela turma do RRI. Todos os dias a imprensa
distribui notícias ruins e previsões tenebrosas sobre esses avanços
tecnológicos do transporte. É proibido evoluir sem autorização deles. E
os carros não devem evoluir, devem ser extintos.
Carro elétrico
Exemplo
dessa visão RRI é dado pela antropóloga belga Axelle Van Wynsberghe e
pela funcionária da Comissão Europeia, a portuguesa Ângela Guimaraes
Pereira. Elas fazem lobby para que essas novas formas avançadas de
transporte privado não prosperem, uma vez que “os cidadãos parecem estar
motivados a limitar, senão eliminar o uso do carro, e priorizam modos
ativos de transporte, como caminhar e andar de bicicleta”.
Claro
que a disseminação do carro a gasolina como produto de massa trouxe
efeitos negativos. Congestionamentos, acidentes, destruição do meio
ambiente para criar estradas, poluição etc. Por outro lado, carros
salvaram vidas, aproximaram pessoas, espalharam prosperidade,
facilitaram nosso deslocamento etc. Nada disso importa. Para a turma do
RRI o carro deveria ter morrido antes mesmo de nascer.
Esses
mesmos “progressistas” têm uma lista preferencial de alvos em pesquisas
avançadas: a biotecnologia, a inteligência artificial, a robótica, a
nanotecnologia, e a reprodução humana. Os adeptos da RRI acham que essas
invenções demoníacas deveriam ser devolvidas para a caixa de Pandora de
onde surgiram. Por princípio, não são “responsáveis”. Talvez seja
necessário, segundo eles, apertar o botão da “estagnação responsável”.
A mão invisível
Um
exemplo dessa resistência ao progresso foi dado recentemente pelo
linguista e militante de esquerda norte-americano Noam Chomsky,
admirador confesso das ditaduras da Venezuela e Cuba. Chomsky atacou a
plataforma de linguagem ChatGPT, que ele acusou de promover “plagiarismo
high tech”. “Não acho que [o ChatGPT] tenha algo a ver com educação. É
uma maneira de evitar o aprendizado”, disse Chomsky, ao entrevistador
Thijmen Sprakel, da EduKitchen. Para ele, a educação precisa continuar
estagnada em processos didáticos de séculos atrás e dependente dos
senhores acadêmicos da verdade, incluindo ele próprio.
No
seu artigo para a Reason, Ronald Bailey aponta a solução simples e
lógica para avaliar as novas tecnologias: a boa, velha e conhecida mão
invisível do mercado. “A maioria das pessoas não sabe o que pensar de
uma nova tecnologia até que a utilize”, escreve Bailey. “O mercado é um
processo de descobrimento que nos permite experimentar coisas novas e
aceitá-las ou rejeitá-las. A turma do RRI quer bloquear esse processo”.
Postado há Yesterday por Orlando Tambosi
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