domingo, 23 de outubro de 2022

Polarização divide quem quer acompanhar mudanças sociais e os que tentam contê-las

 



Nani Humor: POLARIZAÇÃO

Charge do Nani (nanihumor.com)

Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense

Não haveria a moderna civilização ocidental se o Iluminismo não corroesse as entranhas do Antigo Regime até liquidá-lo, nas revoluções inglesa, americana e francesa. Começou como um movimento cultural europeu nos séculos XVII e XVIII, que buscava mudanças políticas, econômicas e sociais. Os iluministas acreditavam no conhecimento e na razão, em detrimento do pensamento religioso.

A maioria apostava que o homem chegaria a Deus por meio da razão. O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) definiu-o assim: “O iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma menoridade que estes mesmos se impuseram a si. (…) Sapere aude! (Ouse saber!) Tem coragem para fazer uso da tua própria razão!”

QUESTIONAR TUDO – O precursor do iluminismo René Descartes (1596-1650), considerado o pai do racionalismo, no Discurso do Método, preconizava que se questionasse tudo. Os governos absolutistas e a Igreja católica não permitiam questionamentos. Graças ao Iluminismo que pregavam, a racionalidade humana, a ciência e o humanismo acabaram se impondo.

 As ideias iluministas foram consolidadas por Denis Diderot (1713-1784) na Enciclopédia, com 35 volumes, que continha milhares de artigos e ilustrações de diversos cientistas, filósofos e pesquisadores de campos de conhecimentos distintos, a mais importante exposição do conhecimento humano até então realizada.

A limitação do poder do Estado sobre o indivíduo, os ideais e lutas pelos direitos individuais, tal como a vida, a liberdade, a dignidade; o sistema de repartição de poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário são legados iluministas.

E O PROGRESSO – Além da liberdade e da justiça social, os iluministas pregavam o progresso. Na economia, as ideias de Adam Smith (1723-1790), ao defender a economia de livre mercado e liberal, foram sua resposta ao velho modelo mercantilista.

“Penso, logo existo”, a frase icônica do filósofo francês René Descartes, colocando a razão humana como única forma de existência, é a síntese do sujeito iluminista, um ser centrado e unificado.

O sujeito do Iluminismo — um “indivíduo soberano”, singular e indivisível —, porém, foi ultrapassado pelo sujeito sociológico, fruto da sociedade industrial e sua estrutura de classes, que protagonizou as grandes mudanças dos séculos XIX e XX. Era um ser interativo, configurado pelo seu processo de socialização e absorção de caracteres de suas relações e experiências vividas junto aos demais sujeitos que o rodeavam.

DESCONSTRUÇÃO – Entretanto, esse sujeito entrou em crise na sociedade pós-moderna, por uma série de razões, entre as quais a “desconstrução” da sua própria identidade, pelas revoluções científica, tecnológica, cultural e de gêneros.

Na sociedade atual, o sujeito não tem uma, mas várias identidades. Não é um ser configurado de forma plena e estável, mas fragmentado, partilhando, por vezes, identidades contraditórias entre si. Em meio a tantas mudanças, o sujeito pós-moderno constrói identidades provisórias, variáveis e problemáticas.

Essa “crise de identidade” é parte de um processo mais amplo de mudanças sociais, muitas das quais impostas pelas novas formas de produção de riqueza. O descolamento da sociedade atual das estruturas da democracia representativa, que entrou em crise, faz parte desse processo, assim como a radicalização política em curso no mundo, inclusive aqui no Brasil. Assim, a polarização é entre os indivíduos que querem acompanhar essas mudanças e os que tentam contê-las.

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