sábado, 26 de fevereiro de 2022

'Woke racism', uma nova religião.

 

BLOG  ORLANDO  TAMBOSI


Em seu novo livro, Woke Racism, o professor e linguista John McWhorter argumenta que esse “despertar” é uma religião que, longe de se opor ao racismo, tende a reforçá-lo. Artigo de Elan Journo:

“Supremacia branca” define a nossa sociedade. Na verdade, a fundação de nossa nação foi em 1619, com a chegada do primeiro navio que transportava escravos africanos. Se você é “branco”, verifique seu “privilégio”. O simples fato de resultados distintos nas escolas é uma prova óbvia de racismo. Negar que você é conivente com isso só prova que você é racista.
Essas ideias são cada vez mais difundidas em salas de aula, auditórios, instituições culturais e locais de trabalho. Não se alinhe ao discurso “desperto” e será perseguido, intimidado ou despedido.
Mas os “despertos” acreditam em quê?
Começando com pais irados em reuniões escolares, passando por protestos vulgares e algumas vozes conservadoras, você ouvirá que os “despertos” buscam minar a sociedade americana, inspirados pela Teoria Crítica da Raça. Alguns políticos inclusive decidiram bani-la das escolas. Negligenciando essa reação, algumas vozes progressistas insistem que a Teoria Crítica da Raça é apenas uma obscura especialização acadêmica sem ligação direta com o que é ensinado em sala de aula. O que os “despertos” buscam, na verdade, é um acerto de contas a nível nacional com o racismo.

Em meio a essa confusão, John McWhorter oferece uma explicação penetrante. McWhorter, que leciona na Universidade de Columbia, é um intelectual dissidente em questões raciais. De forma apaixonada e convincente, ele discorda da ideia complacente de que o fenômeno do “despertar” é um impulso sensato de combate ao racismo, afirmando que seu objetivo é remodelar politicamente os Estados Unidos, apropriando-se da Teoria Crítica da Raça. Mas para compreender sua crueldade inquisitorial, seu impulso condenatório e seu poderoso domínio sobre a mente de tantas pessoas, precisamos ver esse fenômeno sob um ângulo diferente. Em seu novo livro, Woke Racism, McWhorter argumenta que esse “despertar” é uma religião que, longe de se opor ao racismo, tende a reforçá-lo.

Uma nova religião

McWhorter batiza os seguidores dessa nova religião como “eleitos”, um termo que evoca não apenas fanatismo, mas também uma “certa presunção” de serem “portadores de sabedoria”. Essa religião, ele aponta, exibe características semelhantes às religiões já existentes e, na maioria das vezes, as semelhanças que ele destaca são pertinentes. Há um suposto pecado original: “privilégio branco”. Há uma linha de pensamento apocalíptico: o presente é um esgoto, perdição; o progresso nas questões raciais depende de um juízo final. Há também uma caça aos hereges, considerados não apenas errados, mas moralmente corruptos. Assim como os católicos medievais defendiam “perseguir judeus e muçulmanos”, os inquisidores de nosso tempo “abraçam exatamente o mesmo tipo de missão, só mudam o alvo”.


Os “despertos” não têm uma figura divina, mas McWhorter observa que nem toda religião precisa de uma. Chamando a atenção para a mentalidade dos seguidores, ele observa uma semelhança com as religiões abraâmicas: “Não se trata de se submeter a UM Deus. É preciso mostrar-se descrente para não ser considerado submisso”. Seguidores fervorosos da nova religião do “despertar” não sustentam crenças baseadas em fatos, opondo-se fervorosamente a eles. Os despertos também não se deixam abalar por contra-evidências.

Considere a alegação de que, na educação, as diferenças nas notas entre alunos brancos e negros evidências inquestionáveis de racismo. McWhorter mostra que isso é implausível, pois não leva em conta o papel de outros fatores causais. Entre eles está a ideia perniciosa de que ser bom na escola é trair a própria raça. Essa ideia, sugere McWhorter de forma plausível, provavelmente se originou em uma época em que os alunos negros sofriam racismo por parte dos professores e tinham de suportar a rejeição daqueles que apoiavam a segregação. Entretanto, mesmo com esse preconceito diminuindo muito ao longo do tempo, a ideia criou raízes na mente de muitos americanos, incluindo americanos negros.

Sentimentos acima dos fatos e da lógica

O desprezo pela lógica é uma característica da religião do “despertar”. McWhorter justapõe algumas de suas injunções conflitantes (homilias?): “Os negros não podem ser responsabilizados por tudo que todo negro faz”, mas, ao mesmo tempo, “todos os brancos devem reconhecer sua cumplicidade pessoal na perfídia da ‘brancura’ ao longo da história.” Temos o dever de “mostrar interesse no multiculturalismo”, mas, ao mesmo tempo, “não é culturalmente apropriado. O que não faz parte de sua cultura não é para você, e você não pode tentar vivenciá-la, ‘apropriando-se dela’”. Quando os negros dizem que você os insultou, “peça desculpas com profunda sinceridade e culpa”, mas, ao mesmo tempo, “não coloque os negros numa posição em que espera que eles o perdoem. Eles já passaram por coisas demais”.

“Religião”, escreve ele, “não tem lugar na sala de aula, nos corredores das universidades, em nossos códigos de ética, muito menos em decretar como todos os membros da sociedade devem se expressar, e quase todos nós espontaneamente entendemos isso e vemos qualquer incompreensão dessa premissa como retrógrada.”

Para os adeptos desta perspectiva, o fato de que esses princípios “cancelam um ao outro é considerado trivial”. Mas o fato de servirem “ao seu verdadeiro propósito de revelar as pessoas como fanáticos é fundamental – sacrossanto, por assim dizer”.

O medo e a culpa são fundamentais para entender como os “despertos” evangelizam. Eles têm sucesso, ele acredita, por intimidação moral e ao aterrorizar as pessoas com a ameaça de serem rotuladas de racistas: “Nós nos tornamos uma nação de pessoas inteligentes que atestam que ‘entenderam o recado’, tremendo de medo”.

Ironicamente, porém, este termo encontra-se terrivelmente corrompido por causa do imenso progresso que vimos no racismo, um fato que os “despertos” negam. Quando a intolerância e o preconceito eram muito mais comuns e aceitos que hoje, essa acusação não teria sido nem de longe socialmente letal, muito menos representaria o fim de uma carreira. O progresso tem sido “tão vívido nos últimos 50 anos que um segregacionista da velha-guarda transportado para os Estados Unidos atual, mesmo no Sul, teria dificuldade em não vomitar com o que visse”. Para os “eleitos”, “a vida dos negros é importante, mas a transformação sociopolítica profunda na forma como os negros são percebidos, não”.

O que motiva o “eleito”?

De onde surgiu essa religião e o que motiva seus adeptos? McWhorter rastreia suas raízes de volta à Teoria Crítica da Raça. Discutindo brevemente essa questão, ele ilustra a influência da TCR no comportamento dos “eleitos”, por exemplo, na elevação das “narrativas” sobre os fatos. O que motiva os crentes dessa religião? McWhorter acredita que não se trata principalmente de “dinheiro ou poder, mas puro propósito, no sentido de sentir que você é importante e que sua vida tem um fim significativo”.

Mas os “despertos” variam em seu nível de comprometimento, e esse fato pode explicar os muitos adeptos conformistas que seguem a multidão. E quanto aos mais zelosos, que sentem uma necessidade contínua de expulsar os hereges e, assim, reafirmar sua fidelidade aos olhos de seus companheiros de seita? E os líderes intelectuais? Uma objeção aqui é que McWhorter é excessivamente caridoso com as motivações dos “despertos”, especialmente aqueles que exibem um interesse pessoal em negar a realidade do progresso e desinteresse em soluções viáveis.

Tal indiferença ultraja McWhorter. Nesse ponto, e em outros lugares, sua indignação fica estampada. Ele se revolta contra a noção dos “eleitos” de que, se os negros quiserem progredir, o racismo deve ser completa e totalmente erradicado. Embora totalmente ciente da persistência do racismo, ele rejeita a visão de que “nosso foco principal deve sempre ser a eliminação dos vestígios do preconceito racista”, o que implica que “esse viés é um obstáculo conclusivo para o sucesso dos negros”. Esse é um argumento inusitado para qualquer outro grupo, e para os negros implica que:

Nós, e somente nós, exigimos uma vasta transformação no procedimento psicossocial e distributivo no que é, apesar de suas falhas, um experimento democrático funcional em que o racismo é proibido em um grau desconhecido na história humana até 50 anos atrás, e em um grau que teria sido considerado ficção científica 30 anos atrás.

Essa ideia retrata os negros como crianças com deficiência mental e espiritual…

McWhorter mostra que, apesar de se apresentar como inimiga do racismo, essa postura prejudica os negros e ofusca os problemas reais. A perspectiva “desperta” fecha os olhos “para crianças negras sendo atacadas por outras na escola”; “para a loucura da ideia de ‘identidade’ negra como tudo sobre o que os brancos pensam, e não sobre o que os próprios negros pensam”; “aos lapsos no trabalho dos intelectuais negros, porque os negros carecem do privilégio dos brancos”.

A conclusão condenatória de McWhorter é que a religião “eleita” é racista, não apenas em sua concepção da identidade negra, mas também em sua condescendência para com os negros.

Essa conclusão é bem defendida, mas há algumas questões controversas que McWhorter deixa de lado ou só aborda artificialmente. Entre elas está o “privilégio branco”, que McWhorter acredita ser real em certo sentido. No entanto, ele reforça que o importante são nossas respostas a ele. A ideia de “racismo sistêmico” é outro termo que valeria a pena desdobrar mais, dada sua relevância. Investigar mais essas questões fortaleceria o argumento do livro.

Deixando a balcanização de lado

O fenômeno do “despertar”, no relato de McWhorter, é uma espécie de força atávica: ele nos leva “de volta às categorizações raciais balcanizadas e artificiais que todos pensamos que queríamos superar.”

No entanto, pergunte por que não devemos mais superá-los e os eleitos – espere – rotulam-no como supremacista branco. Todo o foco do Iluminismo no individualismo, toda a permissão do modernismo para que as pessoas sejam elas mesmas em vez de ficarem presas a classificações predefinidas, esfacela-se diante dessa ideia de que ser qualquer coisa menos branco requer obsessão com o fato de que você não é branco e diminuído pela possibilidade de eles não o verem em sua totalidade.

Ao enfrentar os “eleitos”, aconselha McWhorter, não permita ser intimidado moralmente: enfrente-os, pare de tratá-los como o normal.

A demanda dos “despertos” de “acabar com o racismo”, argumenta McWhorter, é uma “versão infantil de progresso “. O racismo, escreve ele, não é apenas preconceito, mas também atitudes e políticas persistentes: “Algo tão multiforme e atemporal deve ser restringido tanto quanto possível, mas é impossível simplesmente eliminá-lo. Mais especificamente, não é necessário fazer isso.” O que deveria ser feito? McWhorter propõe três reformas de políticas que acredita serem de alto nível, mas modestas o suficiente para serem implementadas: acabar com a “guerra às drogas”; ensinar adequadamente todos os alunos a ler; e tornar o treinamento vocacional mais acessível, desfazendo a ideia de que todos devem ir para uma faculdade de quatro anos. Ele explica como isso poderia abrir caminhos para que os indivíduos levassem uma vida produtiva e gratificante, e mesmo se alguém discordar dele, é claro que essas recomendações evidenciam uma preocupação genuína com o progresso.

Inabalável em sua análise, o livro esclarece o fenômeno do “despertar” que nos rodeia.

Publicado originalmente em New Ideal.

Traduzido por Hellen Rose.

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