segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Cervejaria da Ucrânia para de produzir cerveja para fazer coquetel molotov

 

BAHIA NOTICIAS
Cervejaria da Ucrânia para de produzir cerveja para fazer coquetel molotov
Imagem ilustrativa - Foto: Reprodução / Youtube

Em Lviv, principal cidade do oeste da Ucrânia, dentro de uma zona industrial, os trabalhadores de uma cervejaria deixaram de fazer bebidas e agora produzem coquetéis molotov para serem usados contra o exército russo.

 

"Devemos esperar que o pano fique bem empapado. Quando chega ao ponto, o coquetel molotov já está pronto", explica sorrindo um jovem empregado vestido com um casaco vermelho e um boné, enquanto empurra o pano até o fundo da garrafa, cheia com uma mistura de óleo e gasolina, segundo a Folha de São Paulo.

 

Ao mesmo tempo, ao seu lado, dois outros empregados repetem o mesmo gesto, em um ambiente descontraído. Os coquetéis molotov que já estão prontos são colocados em cima de tábuas, para protegê-los dos flocos de neve que caem.?

 

Diante do medo da chegada de tanques russos em Lviv, um reduto da identidade ucraniana, essas armas de rua parecem irrisórias, mas Iuri Zastavny leva sua fabricação muito a sério. Fundada en 2014, Pravda é uma conhecida empresa na cidade, onde já deu o que falar após nomear Putin Huilo (um xingamento ao presidente russo) a uma de suas cervejas mais conhecidas.

 

No sábado (26), seus empregados começaram a fabricar coquetéis molotov, destinados à defesa territorial ucraniana. No mesmo dia, o presidente do país, Volodimir Zelenski, havia pedido resistência e orientado as pessoas a jogar coquetéis molotov nos invasores. Os postos de controle já estão muito bem equipados na entrada dessa cidade de 720 mil habitantes, onde policiais, militares e voluntários controlam rigorosamente a passagem de todos os veículos.

 

A cervejaria indicou em suas redes sociais, no domingo (27), que havia aberto suas lojas para que sirvam de abrigo subterrâneo em caso de alerta aéreo. A previsão é que sigam fabricando coquetéis molotov. "Devemos fazer todo o possível para ajudar a ganhar essa guerra", diz Zastavny.?

Guerra da Ucrânia deve acelerar inflação da comida no Brasil e preocupa Paulo Guedes

 

BAHIA NOTICIAS

por Nathalia Garcia e Vinicius Torres Freire | Folhapress

Guerra da Ucrânia deve acelerar inflação da comida no Brasil e preocupa Paulo Guedes
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

A guerra na Ucrânia deve fazer com que a inflação da comida volte a acelerar no mundo e, claro, nos Brasis. Os preços de trigo, milho e soja deram saltos nesta segunda-feira (28) em vários mercados dessas commodities, em Chicago e em Londres. Milho e soja mais caros também salgam o preço de rações, logo de carnes, e também de óleos.
 

Os preços do milho subiram mais de 5,5%; da soja, em torno de 3,5%; do trigo, quase 10%. A Rússia e a Ucrânia exportam cerca de 30% do trigo comprado no mercado mundial e pouco mais de 20% do milho.
 

As exportações desses dois países podem ser prejudicadas pelas ruínas causadas pela guerra, pelas dificuldades de financiamento provocadas pelas sanções ao sistema financeiro russo e pelo bloqueio dos portos da Ucrânia pela Marinha de guerra russa.
 

O ministro Paulo Guedes (Economia) disse nesta segunda estar preocupado com a pressão inflacionária mundial devida à guerra.
 

"No caso da Ucrânia, a questão são os grãos; da Rússia, são os fertilizantes, no que diz respeito ao Brasil. Estamos preocupados com a inflação mundial. É muito mais o impacto na economia global, porque estamos começando a nos recuperar da pandemia. Então, não é nada bom para o mundo", afirmou em entrevista à TV Bloomberg, especializada em informações econômicas e financeiras.
 

A Rússia é o maior exportador mundial de fertilizantes. As sanções americanas contra bancos russos por ora excluem negócios com produtos agrícolas, assim como permitem transações relativas à produção e ao comércio de energia, entre outros. No entanto, também é possível que dificuldades de pagamentos e financiamentos do comércio desses produtos causem escassez, atrasos e altas de preços.
 

"O mundo está em desaceleração sincronizada. A inflação está crescendo em todo o mundo, e isso poderia agravar o futuro da economia global", continuou o ministro.
 

Segundo Guedes, a inflação brasileira é fruto, sobretudo, da inflação global, e usou os Estados Unidos como comparativo. "Não há pressão inflacionária. A inflação no Brasil passou de 3% para 10%. A inflação nos Estados Unidos foi de 0% a 7%. Então, basicamente é inflação global", disse.
 

A prévia da inflação oficial no Brasil teve variação de 0,58% em janeiro e segue em dois dígitos no acumulado de 12 meses, com 10,20%, apontam dados do IPCA-15 (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15). Nos Estados Unidos, a inflação chegou a 7,5%, a maior alta em 40 anos.
 

Já a inflação de alimentos no país chegou a 19,1% ao ano em fevereiro de 2021 (de "alimentos no domicílio", segundo o IPCA-15). Em janeiro, ainda crescia em ritmo veloz, mas desacelerara para 8,5% ao ano. Em fevereiro, voltou a acelerar, para 9,5%.
 

Em um ano, os preços do milho no mercado mundial aumentaram mais de 25%; o da soja, 17%; do trigo, 42%. No entanto, apenas em dois meses deste 2022, a cotação do milho subiu quase 18%. A da soja mais de 22%; a do trigo mais de 18%. A guerra teve influência maior nessa disparada.
 

O barril de petróleo (tipo Brent) foi cotado ontem a US$ 101,1, em alta de 3% no dia. Neste ano, a alta acumulada é de quase 30%.
 

A equipe de Guedes teme que o avanço nos preços internacionais do petróleo intensifique a busca do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do Congresso por iniciativas populistas e, na prática, ineficazes para tentar segurar os preços dos combustíveis.
 

Hoje, as medidas estão concentradas na desoneração dos tributos federais sobre o diesel e na mudança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). A possibilidade de um pico de inflação no auge da campanha eleitoral havia impulsionado a decisão de Bolsonaro de patrocinar a PEC do corte de tributos sobre os combustíveis.
 

Os preços dessas commodities no Brasil refletem as condições do mercado mundial —?sejam grãos ou o petróleo vendido pela Petrobras e cotado por política declarada da estatal a valores de "paridade internacional". Uma valorização do real em relação ao dólar poderia conter a disparada da carestia de grãos básicos, carnes e combustíveis. Mas o modesto avanço da moeda brasileira neste ano fica muito atrás da inflação de commodities.
 

Paulo Guedes também negou que haja pressão fiscal, afirmou que o déficit primário brasileiro recuou de 10% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2020 para 0,4% do PIB em 2021 e disse ainda que o gasto social está dentro do teto.
 

A expectativa da equipe econômica é de queda na inflação, segundo o ministro, que diz acreditar que o Brasil pode novamente "surpreender para o positivo". "Estou mais preocupado com vocês", comentou.
 

"O Fed [Federal Reserve] está bem atrás da curva, o BCE [Banco Central Europeu] também. Estou muito preocupado sobre vocês aqui, o Fed está dormindo no volante e a inflação global está chegando", disse. Na opinião de Guedes, ambos estão atrasados no combate à inflação.
 

O titular da Economia comentou o aumento do preço dos grãos em viagem a Nova York, nos Estados Unidos. Aproveitou o feriado de Carnaval para realizar contatos com bancos de investimento e investidores institucionais, em Nova York, nos Estados Unidos.
 

Ao ser questionado sobre a posição "neutra" do presidente Jair Bolsonaro sobre a guerra, o ministro ressaltou o posicionamento oficial do país.
 

"O Brasil, no Conselho de Segurança da ONU [Organização das Nações Unidas], votou duas vezes —e votaremos de novo—? condenando a invasão da Ucrânia. Ao dizer isso, nós desejamos que, de forma pacífica, a situação seja resolvida o mais rápido possível", declarou.
 

No domingo (27), o presidente Bolsonaro defendeu que o Brasil permaneça neutro no conflito. "Nós não podemos interferir. Nós queremos a paz, mas não podemos trazer consequências para cá", afirmou o presidente brasileiro durante entrevista coletiva em um hotel em Guarujá (SP).
 

Em discurso na Assembleia-Geral da ONU, nesta segunda (28), o Brasil condenou a invasão da Ucrânia pela Rússia. O embaixador Ronaldo Costa Filho pediu que os órgãos das Nações Unidas trabalhem conjuntamente em busca de soluções. "Estamos sob uma rápida escalada de tensões que pode colocar toda a humanidade em risco. Mas ainda temos tempo para parar isso."
 

No período da tarde, o Brasil voltou a criticar o risco de escalada de tensões em reunião do Conselho de Segurança.? "As severas sanções podem trazer efeitos na economia global com consequências sentidas muito além da Rússia. Possivelmente, as populações nos países em desenvolvimento serão as que vão sofrer mais", disse João Genésio de Almeida Filho, representante permanente alterno do país na ONU.

A Dança de Natasha: um momento crucial da história russa.

 



A Dança de Natasha, do historiador inglês Orlando Figes, é um livro extraordinário e maravilhosamente narrado, escreve Ramón González Férris em artigo publicado por El Confidencial:

Los jóvenes privilegiados que, debido a su mala conciencia, se vuelven radicales en su compromiso con el pueblo —un pueblo al que, en realidad, apenas conocen— no son un fenómeno nuevo. Veamos, por ejemplo, Rusia. 1874. Miles de jóvenes abandonan San Petersburgo y Moscú y se dirigen a las aldeas con la intención de crear una sociedad basada en la hermandad entre los hombres. Sienten cierta culpa: muchos han sido criados por siervos, por niñeras y sirvientes que eran propiedad de sus familias, y quieren expiar el pecado con ánimo misionero. Creen que el mejor punto de partida son las comunidades de campesinos. Piensan que la gente del campo vive en una especie de socialismo espontáneo, y que se sumará de manera natural al empeño de los estudiantes de democratizar Rusia y sacarla del atraso y la oscuridad. Se hacen llamar populistas ('narodniki') y sirvientes del pueblo ('narod'). Pero la realidad es que nunca han visto a un campesino, y la imagen que tienen de él es puramente sentimental, más un personaje estereotipado que un individuo que piensa.

Estos jóvenes populistas surgieron en un momento peculiar de la historia rusa, cuenta Orlando Figes en su monumental, brillante y muy recomendable libro 'El baile de Natasha. Una historia cultural de Rusia' , recién publicado por la editorial Taurus. Durante décadas, la sociedad rusa había estado dividida entre occidentalistas y eslavófilos. Los primeros, casi siempre aristócratas, hablaban sobre todo en francés, detestaban la estructura feudal de su sociedad, querían un modelo político liberal y, en definitiva, convertir Rusia en un país europeo como los demás. Sus rivales, en cambio, creían que para gobernar Rusia era necesaria una autoridad centralizada y poderosa, que la singularidad religiosa rusa era clave para su identidad y que la estructura de clases y la relación entre aristócratas y siervos contenían la sabiduría de lo antiguo y divino; de hecho, consideraban que solo Rusia podía redimir a una Europa que había renunciado al cristianismo para entregarse a la industria y el consumo.


Pero en la década de 1860, sigue Figes, ambas líneas ideológicas se habían reconciliado un tanto. Aparentemente, ya todo el mundo pensaba que, por un lado, las reformas liberales a la manera europea eran inevitables, y que, al mismo tiempo, no había que “separarse muy abruptamente de [las] tradiciones históricas específicas” de Rusia. La clave era conseguir que los campesinos —pobres, analfabetos, hambrientos— pasaran a formar parte de la sociedad en general y participaran en la discusión política como ciudadanos. El populismo, dice Figes, era una suma de estas ideas políticas y de la fascinación romántica por la cultura popular y el folclore que surgió en la época. Y se traducía en cierta forma de paternalismo, “una suerte de simpatía por el pueblo y su causa que inducía a los hombres de alta cuna” a apoyar a los jóvenes en su empeño. Como pueden imaginar, salió mal: los campesinos recelaron de los estudiantes y sus modales urbanos y refinados, escuchaban con humildad sus discursos políticos, pero no los entendían, y en muchos casos los mismos campesinos a los que los intelectuales habían ido a salvar acabaron acudiendo a la policía para denunciarlos por actividades revolucionarias.

Este es uno de los episodios que narra Figes en esta monumental historia que no solo dice mucho de la Rusia del pasado —el libro abarca desde la creación de San Petersburgo, en 1703, hasta los años de la Unión Soviética—, sino también la Rusia actual y su política, cuyos parámetros ideológicos a veces nos cuesta tanto entender. Está llena de contrastes: el primero, por supuesto, la contraposición entre San Petersburgo como ciudad ilustrada y de arquitectura plenamente occidental, y Moscú, la encarnación de los viejos valores rusos y su estética. Y todo son paradojas: en 1812, muchos de los occidentalistas que en casa hablaban francés y bebían champán tuvieron que luchar a muerte contra su ídolo, Napoleón, que quiso invadir Rusia y acabó derrotado. Ahí se inició el proceso de “nacionalización” de esa aristocracia, que poco a poco fue abandonando lo francés y abrazando —con torpeza, como los jóvenes estudiantes— lo ruso, empezando por la vestimenta, las canciones e incluso la comida. Tolstói encarnó muchas de las paradojas de la historia rusa. En su inmensa propiedad agrícola, “idealizaba a los campesinos y le encantaba estar a su lado, pero durante muchos años no se animó a romper con las convenciones de la sociedad y a convertirse él mismo en uno de ellos”. Se vestía de campesino para salir a pasear, pero cuando tenía que ir a Moscú se ponía trajes hechos a medida; de día trabajaba en el campo, pero por la noche le servían la cena camareros de guante blanco. En cierto sentido, dice Figes, Tolstói solo “jugaba” a ser campesino.

Menos juguetonas eran las condenas a trabajos forzados en Siberia para quienes disintieran abierta y peligrosamente de la línea política impuesta por el mandatario, fuera este el zar o, más tarde, Lenin y Stalin. Pero incluso en esas condiciones brutales de trabajo y soledad la redención era posible: “algunos escritores rusos veían el sufrimiento de los convictos como una forma de redención espiritual. El viaje a Siberia se convertía en un viaje a Dios”, dice Figes. Porque la búsqueda de Dios era también un rasgo singular y paradójico de la Rusia de la época. Dostoievski, por ejemplo, criticaba a la Iglesia oficial —que encarnaba una religión nacional sometida al poder del Estado— y creía en una especie de hermandad cristiana que fuera más allá de los monasterios y “uniera a todos los rusos en una comunidad de creyentes viva”. Dostoievski, quien mejor ha retratado a los nihilistas, aspiraba a una especie de teocracia místico-social.

'El baile de Natasha' es un libro extraordinario y maravillosamente narrado que describe —de forma inevitablemente resumida y esquemática— un país que aún hoy, cuando en las noticias aparecen a diario las ambiciones nacionalistas de su Gobierno, su autoritarismo antioccidental o los estrechos vínculos entre religión y política, nos resulta difícil de entender. Es una lección de divulgación y de historia de las ideas, y un recordatorio del inmenso poder que la cultura siempre ha ejercido sobre la política. Pero también un retrato de todos nosotros: ¿quién no ha sido un joven con mala conciencia que quiso hacer la revolución sin entenderla?
 
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Jornalismo x jornalixo: a eterna batalha (4).

 



E como é nelas que se decide o jogo do poder nas democracias, mesmo as melhores redações do planeta, com raríssimas exceções, tornaram-se totalmente imunodeficientes ao assédio do jornalixo. Fernão Lara Mesquita:


Havia menos de 50 jornais nos EUA em 1776 e mais de 250 em 1800. Eram muitos milhares na virada do século 19 para o 20.

Com a decolagem esfuziante dos Estados Unidos nos primeiros ¾ do século passado, depois de derrotado o nacional socialismo, o conceito de democracia foi universalmente adotado, ao menos como sonho. Até as ditaduras do internacional socialismo precisavam vender-se como “democracias excessivas” e incluir no seu figurino institucional elementos que ao menos se parecessem com instituições democráticas.

O jornalismo e sua ”freguesia” resistiram bravamente apesar do persistente mutirão do jornalixo desde Walter Duranty, progressivamente subsidiado pelo trabalho da “intelligentsia orgânica”, que se foi tornando hegemônica nas universidades e nas artes na medida em que ia desaparecendo a memória viva das duas Guerras Mundiais.

Para “justificar” o massacre de cada década – o da China, o de Cuba, os da Europa do Leste, os do Sudeste Asiático, o da Coréia do Norte e da China de Xi Jinping – usou-se primeiro os termos de Gramsci. Mas admitir que onde está bem plantada ela só pode ser destruída por dentro, a partir de uma deliberação da maioria contra si mesmo, e que só uma trapaça pode produzir esse efeito, o resumo da tese do teórico comunista italiano e a definição da essência do jornalixo, homenageia a superioridade moral da democracia que seus inimigos sempre lhe negaram ao longo do século 20.


Depois da internet a luta contra a democracia “burguesa” se foi paulatinamente transformando, de uma disputa entre verdades concorrentes, na destruição do próprio conceito de verdade, o que inclui o reconhecimento da relação indissolúvel entre democracia e verdade.

Mas essa história, como toda a História da Humanidade, pouco tem a ver com racionalidade.

A legislação que restringia o crescimento sem limites das empresas proprietárias de rádios, TVs e jornais nos Estados Unidos foi reforçada em 1975, a data que marca o apogeu da democracia.3, pela Federal Communications Comission, uma agência criada nos anos 1930 não para se preocupar com conteúdos, mas para regular o uso das concessões de frequências de rádio e, mais tarde, também de TV.

Sempre sob ataque e roídas aqui e ali, as regras da FCC de 75 sofrerão o primeiro golpe fatal sob os eflúvios da “bolha” da internet e da ignorância dos legisladores sobre a nova tecnologia e suas implicações, com o Telecomunications Act de Bill Clinton de 1996.


Sob a pressão dos produtos a preço vil do trabalho quase escravo e do roubo de propriedade intelectual dos sobreviventes do socialismo convertidos ao “capitalismo de estado” inundando seus mercados e matando empregos, os legisladores americanos, na mais absoluta dúvida sobre o que fazer, inverteram o ônus da prova contra a acumulação de poder na mídia. O parágrafo 202 determinava que o FCC revisse suas regras a cada dois anos “modificando as que não conseguisse demonstrar serem de interesse público”.

A “razzia” resultante começou pelo setor de rádios. Entre 1996 e 2002 operações de fusão e incorporação envolveram mais de 10 mil emissoras. Ao fim daquele ano, apenas três grandes cadeias já controlavam 80% dos ouvintes e do mercado publicitário.

Sob o silêncio da mídia diretamente interessada no processo, cada nova fusão aprovada na Justiça criava um precedente em favor de regras “mais realistas” para um mundo onde a opção era “crescer ou morrer” para opor monopólios aos monopólios chineses. “A multiplicação dos sites de informação”, diziam, “compensa de longe a quantidade de rádios, jornais e TVs fechados ou fundidos”. Ficava debaixo do tapete o “pormenor” de que esses sites, como até hoje, não produzem nem apuram informação, apenas reproduzem e debatem as que a imprensa profissional levanta ou qualquer aventureiro inventa.


Na “era Bush” o FCC deixa cair a máscara. Cumprindo um prazo legal convoca, em plena mobilização do país para a Guerra no Iraque, uma votação de seus cinco membros em 2 de junho de 2003 e derruba o embargo à propriedade cruzada de jornais e TVs, extende para 45% o limite de audiência das grandes redes, altera as exigências para a propriedade de múltiplos canais e tipos de TV. E tudo se passa sob exemplar “patrulha do silêncio” conforme medido pelo Project for Excelence in Journalism. As três grandes redes de TV mencionam o assunto pela primeira vez apenas na véspera da votação.

Em 1983 quando escreveu um livro sobre o encolhimento da imprensa independente nos EUA, Ben Bagdikian, reitor da Berkley Graduate School of Journalism, mostrou que os americanos se informavam, naquele momento, com base em notícias produzidas por 50 empresas diferentes. Em 2004, na 7a revisão do livro, sobravam só seis conglomerados gigantes, com faturamento de bilhões, que não eram nem empresas de informação nem empresas de entretenimento. Possuiam TVs, jornais, rádios e editoras; produtoras e distribuidoras de filmes; gravadoras e distribuidoras de musica assim como empresas promotoras de shows; times esportivos e estádios onde se dão os campeonatos que só elas transmitem, e assim por diante…


A crise do modelo de negócio das empresas jornalísticas completou a aniquilação da cultura do jornalismo democrático que se vinha apurando no processo orgânico descrito nesta série entre os praticantes dessa arte e seu público não traduzível em manuais de melhores práticas de gestão corporativa. O poder e as prioridades, nessas empresas, passaram das mãos das áreas de jornalismo – de quem se esperava o comportamento de um fiscal do poder público orientado por um sentido fundamentalmente ético – para as áreas administrativas – de quem se exige o comportamento de agentes implacáveis da expansão da riqueza de um grupo de acionistas. E como é impossível, mesmo para jornalistas experimentados, controlar à distância uma redação que lida com uma realidade nova a cada fato e tem de processá-los em questão de horas, para um administrador de empresas, que dessa história toda contada até aqui não sabe nem uma linha e, em geral, tem raiva de quem sabe, isso é absolutamente impossível.

E como é nelas que se decide o jogo do poder nas democracias, mesmo as melhores redações do planeta, com raríssimas exceções, tornaram-se totalmente imunodeficientes ao assédio do jornalixo.
 
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A infância como cobaia da ideologia de gênero

 



As crianças estão a ser cobaias de uma ideologia. São confrontadas com uma multiplicidade de “identidades” sexuais para, de acordo com os ideólogos de género, experimentarem e saberem quem são. Maria Helena Costa para o Observador:


A lei aprovada no dia 25 de Janeiro de 2022, pelo Parlamento francês, visa punir quem praticar aquilo que designa como “terapias de conversão” para mudar a orientação sexual de uma pessoa, mesmo que seja a seu pedido. A Lei francesa introduziu um novo crime no código penal.

Assim, se um menor ou maior de idade quiser receber aconselhamento especializado, para se identificar com o sexo com que nasceu, não tem direito a ser aconselhado e os profissionais de saúde que queiram ajudá-lo correm o risco de serem condenados a três anos de prisão e ao pagamento de uma multa no valor de 45 000 euros.

Entenda-se: se uma criança – influenciada pelo ensino da ideologia de género na Escola e nas redes sociais – se auto-determinar do sexo oposto, os profissionais de saúde são obrigados a concordar com tudo o que ela quiser. Mas se essa mesma criança se sentir confusa quanto à sua sexualidade e quiser identificar-se com o seu sexo biológico não pode ser ajudada. A ideologia passa a prevalecer sobre a biologia e as crianças passam a poder decidir como adultos.

Partindo do princípio de que uma criança não faz sexo, jamais deveria ser confrontada e confundida com questões de sexo. O que está a ser feito na Escola é criminoso. As crianças estão a ser cobaias de uma ideologia que as deixa à procura de uma identidade, uma vez que a identidade de cada uma delas, pessoal e intransmissível, é desconstruída e elas são confrontadas com uma multiplicidade de “identidades” sexuais para, de acordo com os ideólogos de género, experimentarem e saberem quem são. Por favor, ouça o podcast do psicólogo Eduardo Sá “Quando um filho de 10 anos diz que é pansexual?”.

A lei desencadeou uma onda de protestos da comunidade médica e de muitos juristas, pois, como confirma o Le Figaro, a lei «não se limita a proibir médicos e intervenções psicológicas para mudar a orientação dos homossexuais, mas inclui questões relacionadas com a identidade de género». Assim, médicos, psicólogos, psiquiatras e psicanalistas infantis, «não poderão ajudar menores que sofrem de disforia de género». A lei não faz distinção entre adultos e crianças e isso é perigosíssimo perante o fenómeno da “disforia de género de início rápido”, que, no Reino Unido, aumentou mais de 4000 por cento em menos de uma década e levou a ministra Penny Mordaunt a ordenar uma investigação para apurar porque é que tantas meninas procuram tratamentos para “mudar de sexo”.

O mesmo acontece no Brasil, em França, cá em Portugal e em todos os países que já adoptaram a ideologia de género em contexto escolar.

Os pedidos de transição de género entre menores têm-se multiplicado rapidamente e a isso não serão alheios os conteúdos ministrados nas escolas e que exigem uma abordagem “afirmativa” que inicie a transição cada vez mais cedo, recorrendo ao uso de bloqueadores da puberdade, hormonas e operações cirúrgicas, e até há quem afirme que crianças de 9 anos têm conhecimento informado para decidirem qual é a sua identidade de género.

O lei aprovada em França tem vindo a ser discutida cá em Portugal. Em 2017 o Bloco de Esquerda já propunha que os filhos menores pudessem processar os pais que não concordassem com a “mudança de sexo”, em 2021 a deputada Cristina Rodrigues propôs a mesma lei que o Parlamento francês aprovou. E com o socialismo com maioria absoluta não tarda que esta lei seja aprovada cá.

Convém perceber que:

1 Quando se fala em “terapias de reorientação sexual” não se está a falar de choques eléctricos nem de forçar pessoas adultas a nada. Cada um deve ser livre de viver a sua sexualidade como muito bem entender e deve ter liberdade para requerer ajuda caso deseje mudar a sua orientação sexual. E não me venham dizer que “ninguém muda de orientação sexual” porque não faltam notícias em contrário e, entre a multiplicidade de géneros, existe o “género fluído”.

2 A proibição de “terapias de reorientação sexual” deixará os pais completamente desprotegidos, sem poderem recusar a realização de uma transição solicitada pelo filho menor.

3 Os profissionais de saúde ficam impedidos de realizar consultas psicológicas para avaliar se a operação é adequada para o caso específico.

Ora, sabendo que o córtex pré-frontal, uma área do cérebro que é responsável pela tomada de decisões informadas que têm consequências a longo-prazo e que amadurece mais tarde, entre os 25 e os 30 anos, e que mudar de sexo traz consequências a longo-prazo:

* O que acontece quando se incentivam crianças e jovens a tomar decisões com consequências a longo-prazo, irreversíveis, das quais podem vir a arrepender-se, como já acontece um pouco por todo o mundo?

* Alimentar a confusão sexual de crianças e deixá-las acreditar que são de outro sexo, que não daquele com o qual nasceram, não contraria todas as evidências científicas?

* Isto só vale para as características sexuais?

* E se a criança sentir que é mais velha ou mais nova?

* E se houver uma criança cuja orientação sexual é dirigida para crianças muito mais novas? Também devemos reconhecer a sua profundamente sentida experiência interna e individual?

A psicóloga e psicanalista Céline Masson alerta: “a nossa abordagem é neutra e queremos acolher as crianças, permitindo-lhes atingir a maturidade antes de intervir do ponto de vista médico”. Um grupo de profissionais e investigadores da infância (médicos, psiquiatras, psicanalistas, advogados, magistrados, professores, filósofos, sociólogos, etc.) associado ao Observatório dos discursos ideológicos sobre crianças e adolescentes, composto por cerca de cinquenta personalidades, protestam contra o discurso sobre a “autodeterminação” da criança que, segundo eles, legitima um forte aumento dos pedidos de mudança de sexo, principalmente entre os adolescentes. Os autores rebelaram-se contra o “roubo da infância”, a “mercantilização dos corpos das crianças” e a mediação de “discursos ideológicos enganosos” sobre autodeterminação que estão a provocar um aumento drástico de crianças e adolescentes que querem mudar de sexo.
 
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Frustração: Macron descobre que não dá para confiar em Putin.

 



Em busca de uma vitória diplomática que revertesse em ganhos eleitorais, o presidente francês sai de Moscou com sanduíche de vento na mão. Vilma Gryzinski:


“Geopolítica não tem nada a ver com moralidade e tudo a ver com o uso efetivo do poder”. Assim o historiador e colunista Dominic Green definiu a palavra que está sendo ressuscitada diante dos lances dramáticos que tanto a China quanto a Rússia estão fazendo no tabuleiro mundial.

Com um cacife muitas e muitas vezes menor, a Rússia tem o destaque do momento porque parece ter ido além de suas capacidades ao colocar 130 mil soldados cercando a Ucrânia por três lados. Como sair dessa sem passar carão e sem nenhuma vantagem obtida para seu objetivo primordial, redesenhar o status quo vigente desde o fim da União Soviética?

A resposta está em em interlocutores como Emmanuel Macron. Extremamente bem preparado e inteligente, Macron avaliou que se daria bem se aparecesse como o líder político que desativou a bomba armada por Vladimir Putin na Ucrânia.

Já que Putin não quer invadir a Ucrânia, mas garantir que os americanos, via Otan, fiquem longe de suas fronteiras, por que não oferecer uma porta de saída a ele, foi o raciocínio por trás da missão diplomática que levou Macron a uma reunião de emergência no Kremlin, “num salão frio como a Sibéria”, na definição de um político oposicionista, com cada um numa cabeceira de uma mesa que acomodaria metade de uma corte czarista?

Macron saiu da mesa gigantesca achando que tinha conseguido a concordância de Putin para “não empreender novas iniciativas militares” – diplomatês para não desencadear a temida invasão.

“Essencialmente, é falso”, qualificou o gélido porta-voz de Putin, Dmitri Peskov. “Moscou e Paris não puderam selar nenhum pacto. É, simplesmente, impossível”.

A faca foi revirada sem piedade. “A França ocupa a presidência da União Europeia. A França é membro da Otan, onde Paris não tem a liderança. Neste bloco, a liderança é de outro país. Que acordos podemos discutir?”.

Tapinha adicional: mal acabou o encontro do qual Macron saiu dizendo que a Rússia tinha se comprometido a congelar a situação atual e foram anunciadas novas manobras perto da fronteira com a Ucrânia.

Qual a jogada de Putin?

Nas interpretações mais pessimistas, ele está conseguindo tudo o que queria. “Os Estados Unidos foram expostos como um protetor não confiável, incapaz de defender uma posição avançada demais como a na Ucrânia, na porta de entrada da Rússia”, escreveu Dominic Green. “A Otan está dividida e enfraquecida, uma sombra da projeção imperial”.

Pode haver exagero nessa análise, mas é verdade que França e, principalmente, Alemanha fazem uma espécie de reação passiva-agressiva aos Estados Unidos na questão da Ucrânia. O novo primeiro-ministro alemão, Olaf Sholz, foi a Washington para manifestar apoio aos Estados Unidos, mas se recusou a repetir as palavras de Joe Biden. O presidente americano garantiu que o gasoduto Nord Stream 2 entrará nas sanções contra a Rússia se a Ucrânia for invadida.

A dependência alemã do gás russo é o tipo de fragilidade geoestratégica que Putin sabe explorar muito bem.

Como mestres na arte da propaganda, os russos também identificam a tática americana de propalar em tom estridente todos os possíveis – e até as impossíveis – desenvolvimentos que significariam uma intervenção russa.

Um deles: uma operação de “bandeira falsa” que simularia um ataque contra ucranianos de origem russa, justificando a intervenção armada.

A armação é notavelmente parecida com um episódio infame da Alemanha nazista. Para justificar a invasão da Polônia, homens das SS simularam um ataque polonês à rádio da cidade fronteiriça de Gleiwitz. Prisioneiros do campo de trabalhos forçados de Dachau foram vestidos com fardas polonesas, mortos e mutilados (curiosidade histórica: quem forneceu os uniformes foi Oscar Schindler, colaborador da inteligência militar e depois salvador de 1 200 judeus que trabalhavam em sua fábrica). Serviram para “provar” a falsa agressão da Polônia.

A operação Gleiwitz foi no dia 30 de agosto de 1939. Em 1º de setembro, foi desfechada a invasão da Polônia – e começou a II Guerra Mundial.

Os russos emulariam um episódio tão conhecido, com suas tétricas consequências?

Não é provável – mas também não é impossível. Operações assim têm por objetivo convencer a opinião pública interna, que não constitui um problema grave para Putin. A máquina de propaganda já convenceu a maioria dos russos que a Otan é o agente agressor.

Com um Putin irredutível, Macron partiu para o lado mais fraco e foi a Kiev pressionar o mais azarado dirigente mundial, o presidente ucraniano Volodimir Zelenski. As propostas de Macron implicariam, em última instância, em tirar da constituição ucraniana a cláusula que estabelece como objetivo nacional entrar para a Otan e passar a desfrutar da proteção garantida a todos os seus membros.

“Temos uma visão comum com o presidente Macron sobre as ameaças e os desafios à segurança da Ucrânia, a toda a Europa e ao mundo, de forma geral”, esquivou-se diplomaticamente o ex-comediante.

Emmanuel Macron não é bobo e sabe bem com quem está lidando. Sabe também que tem uma eleição a ganhar em abril e qualquer coisa que pareça com uma acomodação na Ucrânia poderá ser usada a seu favor.

Muitas das exigências da Rússia para desarmar a bomba ucraniana são tão absurdas que foram feitas justamente para cair numa eventual mesa de negociação. Se Macron conseguiu nada ou muito pouco com sua arriscada viagem é porque Putin quer, pelo menos por enquanto, manter a pressão.

E ver até onde os aliados europeus dos Estados Unidos não entram em pânico.
 
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Quem manda é o custo de vida

 

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Coluna de Carlos Brickmann, publicada nos jornais desta quarta-feira, dia 9 de fevereiro:


O presidente americano George Bush (o bom, não o filho) tinha obtido uma bela vitória na Guerra do Golfo, libertando o Kuwait, ocupado pelo Iraque. Sentia-se (e parecia) reeleito. Mas não deu atenção aos sinais de crise econômica, com elevação do desemprego. Bill Clinton ganhou as eleições.

Há quem diga que o eleitor vota com o coração. Mas só até certo ponto: em última análise, quem vota mesmo é o bolso. Isso explica a supremacia de Bolsonaro no Centro-Oeste, onde a agropecuária gera empregos e salários. Claro, há quem vote na reeleição por achar que Bolsonaro é um mito. Mas a falta de empregos e a elevação dos preços são os grandes eleitores do país.

Vai um cafezinho? O café subiu 80,8% de janeiro a janeiro. O açúcar está 50,4% mais caro. Pãozinho com manteiga? Pão,12,8%. Manteiga, 7,6%. O levantamento é do ótimo jornal eletrônico Giro News (www.gironews.com), especializado em consumo.

O tomate subiu 62,8%. Cozinhar ficou bem mais caro: óleo de soja (6,1%), farinha de trigo (20,4%). A cesta básica fechou o ano custando 7,5% a mais nos supermercados. Acha pouco?

A menos que o caro leitor pertença a essas profissões onde o penduricalho dá de 7x1 no salário, quem teve aumento de 7% no último ano? Há mais um problema: descer de nível irrita mais do que não conseguir subir. E aqueles que, sem emprego, consomem poucos alimentos, isso quando os conseguem, e se lembram de quando havia mais comida? Em outubro, como irão votar?

Combustíveis para cima

Lembremos: o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, soube pelos jornais que Bolsonaro não o queria mais no cargo. Motivo: a subida do preço dos combustíveis, especialmente do diesel. O substituto, com a missão de botar ordem nos preços, foi um general de exército, antigo ministro da Defesa, Joaquim Silva e Luna.

O problema é que a alta dos combustíveis é provocada, na maior parte, pela alta do petróleo. O petróleo subiu muito e, com a crise Rússia-Ucrânia, deve subir mais ainda. Os russos, que fornecem gás à Europa, fecharam um pouco as torneiras, reduzindo o fluxo em 10%. Os europeus entraram comprando no mercado de petróleo. A OTAN, que une países europeus e Estados Unidos, informa que se a Ucrânia for invadida o gasoduto Nord Stream 2 ficará inativo – o que deixa a Rússia sem dinheiro, mas a Europa com menos gás, comprando o petróleo que houver.

O Governo brasileiro já prometeu duas vezes, sem êxito, segurar o preço do diesel. O general Silva e Luna informou que manter os preços exigirá reduzir muito os impostos. Isso funciona por algum tempo, pouco: mantendo-se a tendência de alta do petróleo, não há o que segure gasolina, diesel e gás engarrafado, a menos que o Governo sugue a Petrobras e a leve ao risco de sofrer processos de investidores na Bolsa de Nova York.

Recordações

Como prometia o candidato Bolsonaro, haveria liberalismo na Economia e conservadorismo nos costumes. O liberalismo na Economia meio que já foi esquecido. Quanto ao conservadorismo nos costumes, a Safernet recebeu, só no ano passado, 101.833 denúncias de pornografia infantil na Internet. Desde 2011 a Safernet não recebia mais de cem mil denúncias de pornografia infantil por ano.

Fora isso, houve no ano passado 5.347 denúncias de páginas de ódio a homossexuais – 1% acima de 2020. O neonazismo floresceu: 60% mais denúncias que em 2020. O site da Safernet para denunciar crimes de Internet é https://new.safernet.org.br/denuncie. As denúncias (anônimas) vão às autoridades para que investiguem e retirem da web o conteúdo ilegal.

O alvo real

Boa parte das legendas que lançaram candidato à Presidência até ficariam felizes se tivessem condições de ganhar o cargo, mas seu objetivo real não é este: é conseguir uma boa bancada parlamentar. O negócio é ótimo: com a grande bancada, o partido passa a ser mais mimado pelo Governo, já que seu apoio pode decidir quem manda no Congresso. Ser mais mimado significa ter bons cargos, daqueles que permitem contratar muita gente, e verbas boas, que decidirão como usar da melhor maneira possível – diga-se a bem da verdade que até abrem mão de decidir sozinhos, entregando a definição do uso do dinheiro a uma comissão bem representativa.

Mas não é só: uma boa bancada parlamentar dá acesso ao caminhão de dinheiro público destinado aos partidos. Vale a pena perder se é para ser confortado por essas verbas.

Velhas lembranças

Da ótima coluna de Lauro Jardim (https://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/), em O Globo, sob o título Lula, Dilma, a missa e o ...Santo:

“Depois de ser cobrado por Dilma Rousseff (‘O Alckmin vale uma missa?’) sobre eventuais riscos de uma aliança com o ex-governador, Lula respondeu com um ‘sim’, segundo o relato da repórter Catia Seabra.

“Poderia ter complementado a resposta lembrando o apelido de Alckmin na lista da Odebrecht. Ali, o político que vale uma missa era o... ‘Santo’”.

A depredação da Igreja: Carta aberta a Polzonoff.

 



A realidade está ao nosso favor; não dos camisas vermelhas que acham que catolicismo é coisa de branco. Bruna Frascolla para a Gazeta do Povo:


Ficar trancado em casa lendo notícia faz mal para a cabeça. Já que eu não posso tirar o Sr. Polzonoff da casa dele e levá-lo para dar um passeio num local agradável, porque ele mora muito longe, talvez eu deva contar dos festejos que vi este domingo, na véspera do ataque de racialistas negros à Igreja de Nossa do Rosário em Curitiba. O texto dele sobre isto foi deprê demais.

Burrice com PhD

Vemos esse tipo de notícia e temos que aprender a ser burros para entendê-la. É preciso esquecer, por exemplo, que a Igreja tem santos negros desde antes da descoberta do Brasil. Que a Santa Ifigênia, princesa da Etiópia, é representada com a Igreja na mão, dada a sua importância nos primórdios do cristianismo. De novo, este país de formação católica está muito acostumado a reverenciar uma mulher negra antes de vir uma mana de cabelo rosa e argola de boi no nariz querendo nos ditar ordens. Se alegarem que Santa Ifigênia não é uma santa das mais populares, digo que este não é o caso de São Benedito, negro nascido na Sicília à época do descobrimento do Brasil. Sua devoção saiu da Europa, atravessou o Atlântico e encontrou aqui os africanos que fizeram a mesma travessia.

Mas os negros católicos nem sempre se organizavam levando em conta a cor do santo. A padroeira preferida foi justo a Nossa Senhora do Rosário. Em Salvador, Cachoeira, Rio de Janeiro e Olinda existem igrejas homônimas chamadas Igreja Nossa do Rosário dos Pretos. Em São Paulo e no Recife, há as homônimas Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos.

Como os bem-nascidos da sociedade colonial não queriam se misturar a descendentes de escravos e a ex-escravos, a cor era uma barreira para o ingresso em ordens terceiras (leigas) e enterros privilegiados. Assim, em vez de chorar e pedir cota, esses negros bem-sucedidos criaram tais igrejas e irmandades. Justamente sob a padroeira Nossa Senhora do Rosário, atacada pelos camisas vermelhas.

É preciso uma burrice deliberada, estudada, falsificadora da realidade, para dizer que catolicismo é coisa de branco. Basta entrar numa igreja e olhar quem está lá dentro. Se a demografia do local não for atípica (como uma área de colonização ucraniana, por exemplo), a igreja estará recheada de pardos. A pessoa precisa dividir o mundo entre coisa de preto e coisa de branco, o que dá um trabalho danado. Curiosamente, porém, nenhum desses racialistas considera que a Universidade veio da Europa, de modo que só poderia ser branca.

E de fato, se você quiser repetir barbaridades racistas, é mais fácil granjear apoio de uma Fundação Ford (a este respeito, leia-se “Uma Gota de Sangue”, de Demétrio Magnoli), que vai bancar seus estudos num desses departamentos gringos de Black Studies, do que da senhorinha parda que está assistindo à missa, ou vendo o povo do terreiro ir entregar oferendas.

No lugar errado, segundo os cálculos

E aqui chegamos à necessidade de dar uma voltinha. Olhando-se de uma perspectiva calculista, eu poderia dizer que estou no pior lugar do mundo. O racismo negro avança, e eu sou uma branquela sozinha num dos lugares mais negros do Brasil. Para piorar, os racialistas botaram uma universidade aqui durante o petismo. A nova universidade atraiu ninguém menos que Kabengele Munanga para morar na cidade (tive a informação, mas nunca o vi pessoalmente). Para piorar mais ainda, vivo num estado governado pelo PT, que reserva uma área da administração para ser parquinho de racialistas. A Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) foi criada por Lula em 2003 e deixou de existir no plano federal. Na Bahia, temos uma Secretaria da Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), uma Seppir estadual (e eu sei que a expressão “igualdade racial” foi usada em oposição ao antirracismo porque um militante histórico assim me contou: ele queria vender ao governo uma campanha contra o racismo e a Seppir estava disposta a tratar consigo, desde que não usasse a palavra “racismo” e trocasse por “igualdade racial”. Como era um homem sério e um legítimo antirracista, recusou-se a abrir mão da palavra racismo).

A minha posição, em tese, deveria ser impossível. Se eu conduzisse a minha vida com base nas informações supracitadas, estaria desesperada, achando que preciso de um local muito bem policiado e de maioria branca para viver. Mas a minha posição serve, antes, para mostrar que essa gente não tem tanto poder quanto acha.

A rua lá fora

Estou na minha casa, lendo sob a janela, quando ouço chamarem o meu nome. É o pintor de paredes, um negro retinto que estava todo vestido com as cores da Etiópia – até a máscara. Avisa que virá fazer o serviço depois de terminar de pintar uma garagem e põe o papo em dia. Pergunto pelo dono do bar, que está meio sumido desde as cirurgias da vista. Ele especula que hoje o velho apareça, por causa da festa de Oxum que haveria entre uma, uma e meia, quando o rio enchesse. Aproveito para saber por que não houve nada no 2 de Fevereiro, contando que achei estranho não ter nada para Iemanjá. Ele responde muito enfático que 2 de Fevereiro é em Salvador, porque é Iemanjá e Iemanjá é água salgada. Como aqui é água doce, é Oxum.

Este é um conhecimento básico que eu já tinha. Por isso mesmo eu achei estranho, já que, desde a construção da barragem, a água do rio nesta altura é salobra. Deixei para averiguar in loco.

Calculei que, se ele dizia que ia ser uma, uma e meia, devia ser de duas em diante. Não foi difícil encontrar o ponto da festa: havia ramos de palmeiras decorando a descida para o ancoradouro e, mais adiante, na praça, uma estrutura coberta protegendo cestões cheios de flores. Eram as oferendas. Pergunto a alguns conhecidos para quem era a festa. A resposta já variou: Oxum e Iemanjá. Vi passando o atarefado ogã e fui perguntar a ele. A resposta foi: Oxum, Iemanjá e Nanã.

Um ogã está encarregado de permanecer sóbrio nos rituais, cuidando da ordem. Este, em particular, prefere se dizer zelador, que, a acreditarmos nele, é a tradução do iorubá. E devo dizer também que este é um funcionário da Sepromi. No entanto, sua conduta não aponta indício nenhum de racismo ou racialismo. Sempre foi gentil e cordial comigo.

Eu não tenho dúvidas de que não faltariam negros ateus e universitários para ocupar o lugar dele no cargo. Mas, como eleição é algo que ainda importa, alguma autoridade deve ter preferido fazer uma média com terreiros em vez de botar um acadêmico chato que deixasse todo mundo com raiva. Eu não tenho dúvidas de que o projeto original da Sepromi era promover separatismo racial. Mas o resultado é um funcionário público religioso que fica cuidando da vida em comunidade e conhece as pessoas todas. Mutatis mutandis, é o Padroado.

A minha primeira saída serviu apenas para coletar informações. Avistei atabaques, que, pelo lugar onde estavam, eu ouviria de casa quando começasse. Os laçarotes amarrados nas árvores eram amarelos, sinal de que a festa deveria ser tradicionalmente para Oxum até a barragem (o pintor de paredes é velho e pegou esse temp). A homenagem a Iemanjá deve ser novidade pós-barragem e Nanã, olhando no Google, dá para descobrir que é dos pântanos. Tem pântano no rio.

Ouvindo os atabaques horas mais tarde, saio outra vez de casa. Vi na praça celebrações de candomblé que eu só tinha visto em aquarelas de Carybé. Creio que em Salvador essas festas não ocorram na rua, mas somente dentro de terreiros. Mulheres de saia rodada e turbante dançavam em círculo com homens de gorro, enquanto uma pequena orquestra de atabaques batucava e um homem cantava músicas religiosas em iorubá. Num dado momento, os dançarinos pegam os cestões e levam a um saveiro – tem que ser saveiro, uma embarcação arcaica, que navega sem motor.

O público era parecido com o de uma igreja católica, até porque é o mesmo. Há uma porção de velhinhas, inclusive a minha vizinha, que demorei a conhecer por causa da máscara com um santinho barroco impresso. A propósito, por aqui há muitas máscaras e camisas com fotos de esculturas de santos barrocos. Suponho que sejam distribuídos pela paróquia, e o público usava.

Num dado momento, a praça deu uma esvaziada por causa de outra procissão (ou cortejo, como chamam) que vinha trazer oferendas. O público ficava comparando os dois festejos e logo escolheu um ponto do qual dava para avistar ambos. Houve quem se preocupasse com a quantidade de cânticos por orixá, que poderia acabar só na vazante e impedir a entrega de oferendas. Ouvi também que os elogiados saveiros vinham de Coqueiros e Nagé. E ouvi até jovens confabulando sobre o ConectSUS, dizendo que a melhor vacina era a coronavac.

Apreciação da realidade

O burburinho e os comentários mostram que na rua há gente normal, até quando praticam uma religião tão diferente da da maioria dos leitores deste jornal. Os cânticos em iorubá mostram a força da espontaneidade cultural: não bonito uma língua ter se preservado em condições tão adversas?

Hoje eu poderia fazer um texto bastante ranzinza usando a cobertura que a Folha deu à invasão da igreja. Mas já sabemos que os jornalistas da Folha vivem numa bolha. A questão é se nós queremos viver. Se a aceitarmos, estamos perdidos. Não teremos sequer forças para cobrar a punição dos marginais que desrespeitaram o culto em Curitiba.

O medo impede a apreciação da realidade. A realidade está ao nosso favor; não dos camisas vermelhas que acham que catolicismo é coisa de branco. Vá dar uma voltinha, sente numa praça, e duvido que não haja algo bonito para ver. Ficar em casa só lendo notícia é que não pode.

PS: Após escrever os primeiros parágrafos, vi o vídeo de ontem de Alexandre Garcia. Nele, descobri que a Igreja invadida é Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Eu poderia ter corrigido, mas Polzonoff gosta de PS.
 
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Revel e o conhecimento inútil: "A primeira força que governa o mundo é a mentira".

 



O livro Conhecimento Inútil, do filósofo francês Jean-François Revel, lançado em 1988 e agora reeditado em espanhol, conserva uma assombrosa vigência em um mundo de fake news e pós-verdade. Ramón González Férris para El Confidencial:

Vivimos en la economía de la información. Estudiamos más años que nunca. Nos regimos políticamente por un sistema, la democracia, cuya promesa implícita es que incluye a todo el mundo. Muchos aspectos de nuestra vida están dirigidos por la tecnología. Detrás de esta, al igual que tras los asombrosos avances médicos y la comprensión de la naturaleza que nos rodea, hay un esfuerzo científico en el que nunca se ha gastado tanto y en el que nunca tantos han creído con la misma intensidad. Sin embargo, a pesar de esto, “la primera de todas las fuerzas que gobiernan el mundo —dice el periodista francés Jean-François Revel en 'El conocimiento inútil' — es la mentira”.

Hoy abundan los libros sobre la posverdad y la manera en que las noticias falsas dominan la vida pública y la política. Pero 'El conocimiento inútil' es un libro de 1988 (reeditado ahora por la editorial Página Indómita) y resulta asombrosa la vigencia de su mensaje acerca de cómo la ideología enturbia la verdad, cómo los intelectuales tergiversan los hechos para adecuarlos a su visión del mundo y cómo los medios y los gobiernos confunden sistemáticamente a la opinión pública. Lo único que podría hacer que el libro hubiera quedado desfasado es el contexto político en el que se escribió: hacia el final de la Guerra Fría, cuando a pesar de los conocidos fracasos del comunismo y su próximo final, una parte relevante de la izquierda seguía cerrando los ojos ante su ineficacia y su crueldad. Y, también, un momento en el que la derecha occidental sentía que la historia le daba la razón y que Reagan y Thatcher demostraban cuál debía ser la política del futuro. Ahora la situación es muy distinta, pero aun así, a pesar de que en ocasiones haga alusiones a polémicas o episodios políticos que hoy nos son ajenos, extrañamente, el libro de Revel sigue siendo un libro de actualidad.

Un tipo singular

Revel fue un tipo singular en la Francia de la segunda mitad del siglo XX. En muchos sentidos, tenía el currículo que se esperaba de un intelectual francés de su época: se unió a la resistencia tras la invasión nazi, se formó en la Escuela Normal Superior, donde estudiaba la élite administrativa y cultural, y tras dar clases se estrenó con un clásico panfleto francés, 'Pourquoi des philosophes?' (1957). Empezó a escribir en la prensa como columnista y a aparecer en la radio como comentarista, y a finales de los años setenta dirigió 'L’Express', un respetado semanario. Revel hablaba más claro que la mayoría de los escritores franceses contemporáneos —siempre vio algo turbio bajo la complejidad retórica de filósofos como Sartre o Lévy-Strauss—, pero como ellos era de izquierdas, ateo, escribió contra el reaccionarismo de la derecha ('Lettre ouverte à la droite') y siempre se sintió cercano a la tradición ilustrada de Voltaire y Diderot, al escepticismo vital de Montaigne y al hedonismo (tiene un magnífico libro de gastronomía publicado en español en la editorial Tusquets: 'Un festín en palabras').


Sin embargo, todo cambió en los años setenta, cuando se sintió traicionado por la fascinación que la izquierda democrática seguía sintiendo por el comunismo y por el hecho de que Mitterrand se dejara “fagocitar” (la expresión es suya) por el Partido Comunista francés. Fue entonces cuando escribió sus libros más memorables: 'La tentación totalitaria' (1976), 'Cómo terminan las democracias' (1983) y, después, este 'El conocimiento inútil'. A Revel se le consideró inmediatamente un conservador, incluso un reaccionario, por sus implacables críticas a la izquierda. Para Vargas Llosa, que le dedicó un perfil larguísimo y muy recomendable en la revista 'Letras Libres', Revel era una figura comparable a Orwell, “un socialdemócrata y un liberal”, que si acaso se acercó “al anarquismo”. Creo que, como tantos anticomunistas de su época, Revel estaba más fascinado por la nueva derecha de lo que trasluce la interpretación de Vargas Llosa, pero aun así es cierto que encarnaba una figura que la izquierda nunca ha acabado de entender: la de quien es, al mismo tiempo, muy anticomunista pero no por ello muy de derechas.

En 'El conocimiento inútil' Revel afirma desde el principio que, si bien en el pasado el gran enemigo del ser humano era la ignorancia, ahora lo es la mentira. Antes, quienes tomaban decisiones y quienes se veían sujetos a ellas con frecuencia lo hacían sin saber: ahora, por lo general, sabemos, pero decidimos engañarnos y engañar. Ya no nos preocupamos por juzgar si un hecho es real o irreal: lo que nos preocupa es si “es deseable o indeseable”. Los intelectuales aprovechan el prestigio obtenido gracias a su dominio de disciplinas como la ciencia dura, las ciencias sociales o la literatura para hablar de cosas de las que no saben nada, como la política, en la que no hacen más que proyectar su ideología. “Tenemos la suerte de disponer de un número de conocimientos y de informaciones incomparablemente mayor que el disponible hace solo tres siglos (…): ¿nos lleva eso a tomar mejores decisiones? De momento, la respuesta es ‘no’”. Ahora bien, “¿llegaremos a dar ese paso de gigante en la historia de la humanidad, a realizar esa nueva revolución neolítica, la armonización de nuestros conocimientos y nuestra conducta?”. Revel, aunque reconocía que eso ya sucedía en algunos ámbitos, era escéptico.

No creo que Revel tuviera siempre razón. La mayoría de sus críticas a la izquierda estaban justificadas —en este libro le reprocha constantemente que siga enfrentándose a un fascismo que entonces ya estaba derrotado, mientras el comunismo seguía en pie—, pero había en él algo de encendido luchador de la Guerra Fría, más motivado por la estupefacción que le producen sus viejos compañeros de viaje que por la búsqueda de la empatía con las ideas ajenas. A fin de cuentas, también Revel tenía una ideología, además de conocimientos. Pero este libro panfletario, iracundo, con cierto humor y una erudición más periodística que académica, es un magnífico recordatorio de que, como dice Revel, “la democracia no puede vivir sin cierta dosis de verdad. No puede sobrevivir si dicha verdad queda por debajo de un nivel mínimo (...) En la democracia, la información es libre (...) Pero ¿qué ocurre si es la propia información la que se las ingenia para oscurecer el juicio de los jueces?”.
 
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Não dá para discutir nazismo, meninada.

 

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O espetáculo de ignorância proporcionado no canal Flow foi deprimente. Monark não é nazista. É mais um jovem brasileiro ignorante que acha que tudo pode virar “debate”. Ao defender a difusão de ideias nazistas, ele dá pretexto a gente autoritária que quer matar a liberdade de expressão. Mario Sabino para O Antagonista:


Em matéria de censura, tenho “lugar de fala”. Tive a Crusoé censurada pelo ministro Alexandre de Moraes, fui parar duas vezes na Polícia Federal como jornalista que publicou reportagens verdadeiras, uma delas como redator-chefe da Veja (não tenho notícia de outro jornalista que tenha passado pela mesma situação) e me posicionei fortemente contra a criação do Conselho Federal de Jornalismo, em 2004, uma invenção do Partido dos Trabalhadores para amordaçar a imprensa. Por causa das minhas posições, tive e a minha reputação enlameada por blogueiros sujos petistas, neolulistas e bolsonaristas (e a lama continua a ser atirada). Sou ardoroso defensor da liberdade de expressão, como já demonstrei inúmeras vezes.

Fiz a introdução apenas para que ninguém interprete mal o que vou dizer sobre o que acabo de assistir: um rapaz chamado Monark (foto), secundado por Kim Kataguiri, discutindo com Tabata Amaral, num canal chamado Flow, sobre liberdade de expressão e nazismo. Como sou ignorante em matéria de redes sociais (atuo apenas no Twitter, afora participações semanais no Papo Antagonista), não conhecia o canal. Fui conhecer o Flow porque o pré-candidato Sergio Moro deu uma entrevista lá. Soube depois que um dos patrocinadores da entrevista foi um site que anuncia os serviços de garotas de programa. Talvez porque tenha quase 60 anos, achei estranho. Não importa: o canal tem milhões de seguidores, parece que faz dinheiro e o fato de achar certas coisas estranhas é apenas uma limitação pessoal minha. Porque o Flow tem um alcance enorme, sinto-me obrigado a falar sobre o que assisti — um espetáculo de ignorância deprimente.

Como publicamos há pouco, Monark afirmou que os nazistas deveriam ter um partido político reconhecido por lei no Brasil.

“Eu acho que a esquerda radical tem muito mais espaço que a direita radical. Eu acho que as duas tinham que ter espaço. Eu acho que o nazista tinha que ter um partido político reconhecido pela lei”, disse ele. Ao ser questionado por Tabata Amaral, que lembrou o Holocausto, Monark perguntou se “as pessoas não têm o direito de ser idiotas” e prosseguiu mo assunto. Afirmou, então, que não era para legalizar o partido nazista, mas que “o nazismo não necessariamente incita à violência, ele incita à supremacia de uma raça, o que eu acho uma merda”. Interrompido por Tabata Amaral, que apontou que a incitação se dava pelo “extermínio de outra raça”, Monark respondeu que isso era “uma extrapolação do nazismo”. A certa altura, ele disse que o nazismo tinha “ideais”.

Kim Kataguiri, por sua vez, afirmou que a Alemanha errou ao criminalizar o nazismo e que as opiniões não devem ser reprimidas. “O que eu defendo é que, por mais absurdo, idiota, antidemocrático, bizarro, tosco que [seja] o [que o] sujeito defenda, isso não deve ser crime. Por quê? Porque a melhor maneira de você reprimir uma ideia antidemocrática, tosca, bizarra, discriminatória é você dando luz àquela ideia, para que aquela ideia seja rechaçada socialmente e, então, [seja] socialmente rejeitada”, disse ele.

Nesta manhã, Kim Kataguiri disse que s sua fala foi distorcida. “O que eu realmente disse sobre o nazismo: muito melhor expor a crueldade dessa ideologia nefasta para que todos vejam o quanto ela é absurda. Sufocar o debate só faz com que grupos extremistas cresçam na escuridão e não sejam devidamente combatidos e rechaçados”, escreveu no Twitter.

Não há “debate” possível sobre nazismo, meninada. O nazismo era — e é — uma aberração que prega ESSENCIALMENTE o extermínio de etnias, de pessoas deficientes e de cidadãos que não sejam heterossexuais. Não apenas prega, como levou a cabo o seu propósito. depois que Adolf Hitler ascendeu ao poder. O alvo principal do ódio nazista foram os judeus, quase dizimados na Europa, a maior parte deles em complexos construídos para massacrar em escala industrial. Mesmo com a guerra já perdida, os nazistas continuaram a matar judeus até o último momento, por ordem de Hitler. Eles foram completamente desumanizados e eram mortos como se fossem praga animal. É escandaloso que alguém possa dizer, portanto, que o nazismo “não incita à violência” e que o antissemitismo é “uma extrapolação do nazismo”.

Alguém poderá indagar: e os assassinatos cometidas pelo comunismo? Duas monstruosidades não fazem um acerto, nem de um lado nem de outro. O ponto que deveria ser pacífico é que as ideias nazistas, ao eleger etnias, problemas físicos e mentais e orientações sexuais como alvos de destruição total, são inaceitáveis de qualquer ponto de vista moral ou político. Encontram-se fora do campo de qualquer debate ideológico e, portanto, da alçada da liberdade de expressão. Usar o livro Minha Luta, de Adolf Hitler, como ilustração histórica, para mostrar a sua perversidade essencial, é uma coisa até necessária. Algo bem diferente é permitir que ele seja utilizado para fazer lavagem cerebral e achar que, com a lavagem feita, será possível reverter o dano por meio de discussões.

As pessoas têm o direito, sim, de ser idiotas. Mas o nazismo não é uma idiotice. É um tumor que a idiotice pode reviver. O espetáculo de ignorância proporcionado no canal Flow foi deprimente. Monark não é nazista. É mais um jovem brasileiro ignorante que acha que tudo pode virar “debate”. Ao defender a difusão de ideias nazistas, ele dá pretexto a gente autoritária que quer matar a liberdade de expressão.