Em busca de uma vitória diplomática que revertesse em ganhos eleitorais, o presidente francês sai de Moscou com sanduíche de vento na mão. Vilma Gryzinski:
“Geopolítica
não tem nada a ver com moralidade e tudo a ver com o uso efetivo do
poder”. Assim o historiador e colunista Dominic Green definiu a palavra
que está sendo ressuscitada diante dos lances dramáticos que tanto a
China quanto a Rússia estão fazendo no tabuleiro mundial.
Com
um cacife muitas e muitas vezes menor, a Rússia tem o destaque do
momento porque parece ter ido além de suas capacidades ao colocar 130
mil soldados cercando a Ucrânia por três lados. Como sair dessa sem
passar carão e sem nenhuma vantagem obtida para seu objetivo primordial,
redesenhar o status quo vigente desde o fim da União Soviética?
A
resposta está em em interlocutores como Emmanuel Macron. Extremamente
bem preparado e inteligente, Macron avaliou que se daria bem se
aparecesse como o líder político que desativou a bomba armada por
Vladimir Putin na Ucrânia.
Já
que Putin não quer invadir a Ucrânia, mas garantir que os americanos,
via Otan, fiquem longe de suas fronteiras, por que não oferecer uma
porta de saída a ele, foi o raciocínio por trás da missão diplomática
que levou Macron a uma reunião de emergência no Kremlin, “num salão frio
como a Sibéria”, na definição de um político oposicionista, com cada um
numa cabeceira de uma mesa que acomodaria metade de uma corte czarista?
Macron
saiu da mesa gigantesca achando que tinha conseguido a concordância de
Putin para “não empreender novas iniciativas militares” – diplomatês
para não desencadear a temida invasão.
“Essencialmente,
é falso”, qualificou o gélido porta-voz de Putin, Dmitri Peskov.
“Moscou e Paris não puderam selar nenhum pacto. É, simplesmente,
impossível”.
A
faca foi revirada sem piedade. “A França ocupa a presidência da União
Europeia. A França é membro da Otan, onde Paris não tem a liderança.
Neste bloco, a liderança é de outro país. Que acordos podemos
discutir?”.
Tapinha
adicional: mal acabou o encontro do qual Macron saiu dizendo que a
Rússia tinha se comprometido a congelar a situação atual e foram
anunciadas novas manobras perto da fronteira com a Ucrânia.
Qual a jogada de Putin?
Nas
interpretações mais pessimistas, ele está conseguindo tudo o que
queria. “Os Estados Unidos foram expostos como um protetor não
confiável, incapaz de defender uma posição avançada demais como a na
Ucrânia, na porta de entrada da Rússia”, escreveu Dominic Green. “A Otan
está dividida e enfraquecida, uma sombra da projeção imperial”.
Pode
haver exagero nessa análise, mas é verdade que França e,
principalmente, Alemanha fazem uma espécie de reação passiva-agressiva
aos Estados Unidos na questão da Ucrânia. O novo primeiro-ministro
alemão, Olaf Sholz, foi a Washington para manifestar apoio aos Estados
Unidos, mas se recusou a repetir as palavras de Joe Biden. O presidente
americano garantiu que o gasoduto Nord Stream 2 entrará nas sanções
contra a Rússia se a Ucrânia for invadida.
A dependência alemã do gás russo é o tipo de fragilidade geoestratégica que Putin sabe explorar muito bem.
Como
mestres na arte da propaganda, os russos também identificam a tática
americana de propalar em tom estridente todos os possíveis – e até as
impossíveis – desenvolvimentos que significariam uma intervenção russa.
Um
deles: uma operação de “bandeira falsa” que simularia um ataque contra
ucranianos de origem russa, justificando a intervenção armada.
A
armação é notavelmente parecida com um episódio infame da Alemanha
nazista. Para justificar a invasão da Polônia, homens das SS simularam
um ataque polonês à rádio da cidade fronteiriça de Gleiwitz.
Prisioneiros do campo de trabalhos forçados de Dachau foram vestidos com
fardas polonesas, mortos e mutilados (curiosidade histórica: quem
forneceu os uniformes foi Oscar Schindler, colaborador da inteligência
militar e depois salvador de 1 200 judeus que trabalhavam em sua
fábrica). Serviram para “provar” a falsa agressão da Polônia.
A
operação Gleiwitz foi no dia 30 de agosto de 1939. Em 1º de setembro,
foi desfechada a invasão da Polônia – e começou a II Guerra Mundial.
Os russos emulariam um episódio tão conhecido, com suas tétricas consequências?
Não
é provável – mas também não é impossível. Operações assim têm por
objetivo convencer a opinião pública interna, que não constitui um
problema grave para Putin. A máquina de propaganda já convenceu a
maioria dos russos que a Otan é o agente agressor.
Com
um Putin irredutível, Macron partiu para o lado mais fraco e foi a Kiev
pressionar o mais azarado dirigente mundial, o presidente ucraniano
Volodimir Zelenski. As propostas de Macron implicariam, em última
instância, em tirar da constituição ucraniana a cláusula que estabelece
como objetivo nacional entrar para a Otan e passar a desfrutar da
proteção garantida a todos os seus membros.
“Temos
uma visão comum com o presidente Macron sobre as ameaças e os desafios à
segurança da Ucrânia, a toda a Europa e ao mundo, de forma geral”,
esquivou-se diplomaticamente o ex-comediante.
Emmanuel
Macron não é bobo e sabe bem com quem está lidando. Sabe também que tem
uma eleição a ganhar em abril e qualquer coisa que pareça com uma
acomodação na Ucrânia poderá ser usada a seu favor.
Muitas
das exigências da Rússia para desarmar a bomba ucraniana são tão
absurdas que foram feitas justamente para cair numa eventual mesa de
negociação. Se Macron conseguiu nada ou muito pouco com sua arriscada
viagem é porque Putin quer, pelo menos por enquanto, manter a pressão.
E ver até onde os aliados europeus dos Estados Unidos não entram em pânico.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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