BLOG ORLANDO TAMBOSI
Único preso da Lava Jato ainda na cadeia, Sérgio Cabral bateu o recorde de Marcola. Augusto Nunes para a revista Oeste:
A
façanha que tornou Sérgio Cabral merecedor de uma sala exclusiva na ala
principal de um futuro (e obrigatório) Museu da Bandalheira no Brasil
foi ignorada pelas primeiras páginas dos jornais, não viralizou na
internet nem foi aplaudida de pé por toda a população carcerária. Em
julho passado, o ex-governador do Rio de Janeiro desbancou Marcos
Camacho, o Marcola, da liderança do ranking dos bandidos condenados a
mais tempo de cadeia. A marca estabelecida pelo chefão do PCC — 330 anos
de gaiola — parecia insuperável até a entrada em cena desse Usain Bolt
da ladroagem. Com inverossímeis 390 anos — 60 de vantagem sobre o rival
—, Cabral tem tudo para ampliar a distância. Há quatro anos numa cela do
presídio de Bangu 8, ainda não se sabe tudo o que fez. Qualquer que
seja o recorde mais espantoso estabelecido pelo gatuno de altíssimo
rendimento, é difícil entender por que só ele, entre os mais de 550 fora
da lei pilhados pela Operação Lava Jato, permanece preso em regime
fechado? Por que só a Cabral o Supremo Tribunal Federal tem negado
sistematicamente a liberdade concedida a tantos patifes juramentados?
É
verdade que uma soma de penas equivalente a três séculos e meio não é
para um salafrário qualquer. Mas ninguém vive tanto tempo, e no Brasil
nem Jack, o Estripador poderia ultrapassar o limite dos 30 anos de
cadeia. Também é certo que a rede criminosa tecida por Cabral envolveu
todo o secretariado, a Assembleia Legislativa, a magistratura, o
Ministério Público, o Tribunal de Justiça, o Tribunal de Contas, grandes
empresários, entidades de classe e agregados em geral, além de 50
vizinhos pra cá e 50 pra lá. Nenhum cofre público livrou-se do saque.
Ainda assim, a taça reservada ao maior esquema corrupto do mundo está na
sala de troféus de Lula, capitão da seleção de larápios que planejou o
Petrolão. É possível que o pecado capital do ex-governador tenha sido a
inclusão do ministro Dias Toffoli no elenco que apimentaria sua delação
premiada. “Quem acusa um juiz do Supremo está ofendendo a instituição”,
avisou o presidente da Corte, Luiz Fux, ao apoiar a prisão do deputado
Daniel Silveira e do presidente do PTB, Roberto Jefferson. Quando Cabral
se dispôs a contar tudo o que sabe, não estava tão claro que, aos olhos
dos integrantes do Pretório Excelso, mexer com um é mexer com todos. O
próprio Timão da Toga tratou de sepultar o acordo.
Grogue
com a sucessão de contragolpes, Cabral vai-se rendendo às evidências de
que, mesmo com a Lava Jato algemada pela aliança entre réus,
parlamentares com culpa no cartório e juízes cúmplices, o Brasil não
voltou a lembrar o imenso viveiro de condenados à perpétua impunidade.
Naquele país obsceno, o vigarista que se elegeu governador em 2006 e
renovou o mandato em 2010 viveu seus anos dourados, eternizados em
vídeos que mostram em ação um astro do bloco Sabe Com Quem Está Falando?
Em outubro de 2012, por exemplo, um repórter da TV Globo perguntou-lhe
se temia a surpreendente quebra do sigilo bancário da Construtora Delta,
pertencente ao amigo e patrocinador Fernando Cavendish. “Imagina! Por
que que eu temeria?”, irrita-se o reizinho do Rio. “Por que que eu
temeria?”, repete a voz de soprano. “Acho até um desrespeito da sua
parte me perguntar isso. Uma coisa é a relação pessoal que eu tenho com
empresários ou não empresários, outra coisa é a impessoalidade da
decisão administrativa”.
Em
outras cenas deprimentes, Cabral debocha do menino negro que se negara a
enxergar o Rio Maravilha que o governador exibia ao amigo Lula,
assassina o idioma inglês na Sapucaí para apresentar Dilma Rousseff a
uma Madonna perplexa, louva num palanque casos de polícia em campanha
eleitoral, diverte-se num restaurante em Paris no meio de um bando que
celebra a pandemia de propinas com o rosto coberto por guardanapos,
capricha no sorriso abobalhado ao ouvir Lula comunicando aos ouvintes
que o eleitorado do Rio tinha o dever moral de votar no vigarista a seu
lado. A vida em companhia de Adriana Ancelmo, a quem chamava de Riqueza,
que chamava o maridão de Meu Anjo, era uma festa permanente. A direção
dos ventos mudou com as grandes manifestações de protesto de 2013, o
olho do furacão chegou junto com a polícia às 6 da manhã, mas mesmo
depois de instalado em Bangu 8 Cabral não enxergou as dimensões do
desastre.
Poucas semanas depois do confisco do direito de ir e vir, o Ministério Público fluminense constatou que o prisioneiro Sérgio Cabral transformara a galeria C do Presídio de Benfica num hotel com grades. Os colchões esbanjavam conforto, os lençóis eram muito mais brancos. Sobrava em todos os aposentos a água que faltava nas celas comuns. As dependências do chefe dispunham de halteres, chaleira, sanduicheira, aquecedores, corda para crossfit e comida de restaurante cinco estrelas. O cardápio selecionado por Cabral oferecia três tipos de queijo francês: Babybel, Saint Paulin (embalado em bolinhas e vendido a R$ 279 o quilo) e Chavroux (feito à base de leite de cabra e orçado em R$ 230 a R$ 300 o quilo). O presunto fabricado na região do Porto exibia a grife portuguesa Primor e podia ser encontrado nas melhores lojas do ramo por R$ 225 o quilo. Os potes de castanhas especiais do Pará custavam R$ 120 o quilo. O serviço se estendia à cela da ex-primeira-dama Adriana Ancelmo, presa um andar acima do marido. Agora casada outra vez, Riqueza reivindica na Justiça a posse da casa que dividia com Cabral para ali morar com o novo marido.
A
capitulação ocorreu dois anos mais tarde. Em mais uma audiência com o
juiz Marcelo Bretas, que tratara com rispidez nos primeiros encontros, o
ex-governador muitos quilos mais magro demitiu a arrogância e
declarou-se culpado. Com uma atenuante não prevista nos códigos legais:
roubara uma imensidão de reais por ser “viciado em poder e dinheiro”. O
tiro parece ter saído pela culatra por uma ela boa e simples razão: se
existe mesmo essa espécie de vício, a cura está em longas temporadas na
gaiola. Dependente ou não, poucas vezes se viu alguém juntando tantas
propinas para enfrentar possíveis crises de abstinência.
Em
2011, quando histórias sobre a vida principesca do casal já iluminavam a
face escura do filho do jornalista Sérgio Cabral, seu pai foi
entrevistado no programa Roda Viva, então comandado por Marília
Gabriela. Participei da conversa. A certa altura, o entrevistado
queixou-se de notícias que não melhoravam a imagem de Serginho, contou
que frequentemente escondia da mãe os jornais, reiterou a confiança na
honradez do herdeiro e afirmou que o considerava o melhor governador que
o Rio já tivera. Hoje com 84 anos, o jornalista está perdendo a guerra
contra o mal de Alzheimer. Quando alguém se refere a Serginho, diz que
morreu.
Alberto Youssef
Classificado
pelo juiz Sergio Moro como um “criminoso profissional”, Alberto Youssef
foi condenado a mais de 120 anos de prisão em nove sentenças. Em 2017,
trocou a cela por um apartamento com vista para o Parque Ibirapuera, na
Vila Nova Conceição, um dos espaços mais caros de São Paulo. Em 2019, O
Globo noticiou que Youssef havia voltado a trabalhar com compra e venda
de dólares. Desta vez, ressalvou o jornal, operando no mercado formal de
câmbio.
André Vargas
Primeiro
político a entrar na mira da Lava Jato, o ex-deputado federal do PT
paranaense foi condenado pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção
passiva. Colocado em liberdade condicional em outubro de 2018, o
ex-vice-presidente da Câmara dos Deputados teve o mandato cassado em
dezembro de 2014 — meses depois de desligar-se do PT. Em março de 2021, o
Tribunal Regional Federal da 4ª Região revogou a prisão preventiva
decretada em 2015. Antes de libertado, Vargas afirmou que fora convidado
para trabalhar como vendedor de móveis, em horário comercial e segundo
as normas da CLT. Vive em Londrina.
Anthony Garotinho
Desde
2016, o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho contabilizou
cinco passagens pela prisão. Sua mulher, a também ex-governadora Rosinha
Garotinho, ficou em três passagens pela gaiola. Em setembro de 2019, o
casal foi preso durante a investigação de irregularidades em contratos
firmados por Rosinha quando foi prefeita de Campos dos Goytacazes (RJ).
Depois de 24 horas na prisão, foram soltos por decisão do STF. Rosinha
Garotinho diz que “está em outra vibe”: criou a loja de bolos Sabor e
Arte da Rosinha, localizada em Campos dos Goytacazes. “As pessoas mesmo
estão divulgando, vai no boca a boca”, disse a ex-governadora à Folha de
S. Paulo. No fim do ano passado, o casal publicou um vídeo nas redes
sociais para divulgar a venda de panetones: “De fato, o chocotone da
Rosinha é uma delícia”, garante o marido locutor. É difícil acreditar.
Antônio Palocci
A
empresa de consultoria de Antônio Palocci, aberta em 2006, continua
ativa na Receita Federal. Depois de cumprir dois dos 12 anos a que foi
condenado pela Lava Jato, Palocci foi beneficiado pela prisão
domiciliar, com o uso de tornozeleira eletrônica. Desde então, cumpre a
pena em um apartamento de 500 metros quadrados no bairro dos Jardins, em
São Paulo, estimado em R$ 18 milhões.
Delúbio Soares
Delúbio
Soares está sem tornozeleira desde 2019 em decorrência da mudança do
entendimento do STF sobre o começo do cumprimento da pena. Segundo a
Receita Federal, o ex-tesoureiro do PT é dono de uma empresa com sede em
Goiânia, aberta em 2007 com o nome de “Geral.Com-Serviços de
Divulgação”. A irmã de Soares consta como sócia da firma. Ninguém atende
a chamadas telefônicas. Em julho de 2021, foi declarada prescrita uma
das ações que o acusavam de crimes eleitorais e lavagem de dinheiro
prescreveu. Com isso, o ex-tesoureiro livrou-se de ser punido pela
participação num esquema corrupto que envolvia o PT e o pecuarista José
Carlos Bumlai.
José Dirceu
O
ex-chefe da Casa Civil do governo Lula, condenado em dois processos a
30 anos de prisão, recuperou o direito de ir e vir no fim de 2019,
premiado com um habeas corpus do STF. Atualmente, Dirceu escreve para o
portal de notícias Poder360. Segundo a revista IstoÉ, sua única fonte de
renda é uma aposentadoria de R$ 9,6 mil que recebe da Câmara por ter
sido deputado federal por três mandatos.
Léo Pinheiro
Ex-presidente
da empreiteira OAS, foi preso em setembro de 2016. Fez revelações que
pioraram bastante a situação de Lula nos casos do triplex no Guarujá e
do sítio em Atibaia. Um acordo de delação premiada garantiu a Leo
Pinheiro a transferência para o regime de prisão domiciliar em setembro
de 2019, com o uso de tornozeleira eletrônica. O acordo incluiu
pagamento de multa no valor de R$ 45 milhões. A assessoria da
empreiteira informa que “Léo Pinheiro não figura mais entre os
acionistas da companhia”.
Luiz Inácio Lula da Silva
O
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua morando em seu
apartamento em São Bernardo do Campo (SP). A empresa Lils, aberta em
2011 e usada pelo petista para receber pagamentos por palestras e
eventos, continua ativa. Dono do negócio, Lula detém 98% das cotas — o
restante (2%) aparece em nome de Paulo Tarciso Okamotto,
sócio-administrador e presidente do Instituto Lula. O ex-presidente está
noivo da socióloga Rosângela da Silva, a Janja. Lula saiu da cadeia em 8
de novembro de 2019 graças a uma decisão do STF. No dia anterior à
soltura, o Supremo mudou o entendimento adotado desde 2016 e impediu a
prisão depois da condenação em segunda instância. Em abril de 2021, o
STF anulou as ações penais contra Lula na Vara Federal de Curitiba e os
processos foram remetidos à Justiça Federal em Brasília. No último dia
21, a juíza Pollyanna Kelly Alves, da 12ª Vara da Justiça Federal em
Brasília, rejeitou a denúncia contra o ex-presidente no processo
referente ao sítio de Atibaia.
Marcelo Odebrecht
Um
dos donos da empreiteira Odebrecht, Marcelo cuidava das propinas que
asseguravam contratos bilionários em altas esferas do governo federal. O
empresário deixou a cadeia em dezembro de 2017, progredindo para o
regime domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica. Além de demitido
da empresa familiar pelo pai, teve os bens congelados e responde a uma
série de ações na Justiça. Atualmente, cumpre pena em regime semiaberto:
sai para trabalhar durante o dia e tem de voltar para casa à noite. Sua
fortuna é estimada em R$ 140 milhões. Cortou relações com o pai,
Emílio, com quem trava uma disputa judicial. Em 2020, em entrevista à
Veja, Marcelo Odebrecht afirmou que estava “vivendo um inferno”.
Raramente é visto fora de casa.
Nestor Cerveró
Figura
como sócio-administrador da Jolmey do Brasil Administração de Bens
Ltda, vinculada à uruguaia Jolmey S/A. A empresa brasileira foi usada
para ocultar o patrimônio adquirido com recursos ilícitos. Uma
reportagem de O Globo informou que Cerveró cumpre prisão domiciliar. Um
documento da Câmara dos Deputados, de 2017, indicava como endereço do
executivo uma casa na cidade fluminense de Petrópolis. Uma imagem de
satélite do Google mostra um sítio aparentemente localizado num
condomínio de luxo. Moradores do lugar negam que têm Cerveró como
vizinho.
Pedro Barusco
Integrante
do segundo escalão de funcionários da Petrobras, o então gerente Pedro
Barusco confessou ter participado de um esquema de desvio de recursos da
estatal. Preso pela Lava Jato, devolveu mais de R$ 180 milhões aos
cofres públicos para compensar parte do dinheiro que tungou. Em 2015,
foi condenado a 18 anos e quatro meses de prisão por corrupção passiva,
lavagem de dinheiro e associação criminosa, mas não chegou a ser preso,
graças a um acordo de delação premiada. A pena foi diminuída para 15
anos em regime aberto. Depois de cumprir dois anos, retirou a
tornozeleira. Até 2031, terá de apresentar relatórios semestrais sobre
suas atividades e informar às autoridades eventuais mudanças de
endereço. Em julho de 2020, foi flagrado bronzeando-se numa praia
ensolarada de Angra dos Reis (RJ), onde tem uma casa.
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