Alexander Lukashenko já disse que “é melhor ser ditador do que ser gay” e agora enfrenta protestos mundiais por causa do oposicionista preso. Vilma Gryzinski:
É possível que ele tenha achado que estava dando um golpe genial.
O
poder, afinal, distorce a noção de realidade dos que o têm e Alexander
Lukashenko é o manda-chuva de Belarus desde 1994, quando o país se
tornou um dos vários satélites a se desprender da dissolvida nave-mãe, a
União Soviética.
O golpe de Lukashenko certamente foi ousado. Mandou o serviço de inteligência preparar uma armadilha
para um garotão que o incomodava, Roman Protasevich, blogueiro de 26
anos que mora na Lituânia, como vários oposicionistas que deixaram o
país com a onda de protestos e repressão brutal no ano passado.
O
truque ganhou infâmia mundial: a torre de controle da Belarus avisou o
avião da Ryanair, que sobrevoava o país vindo de Atenas com destino a
Vilnius, que havia uma bomba a bordo.
Um
MiG-29, caça de fabricação russa, foi visto pelos passageiros
reforçando a mensagem. Quando o piloto avisou que posaria em Minsk,
Protasevich se desesperou: “Eu vou ser executado lá”.
Dois
dias depois, apareceu num vídeo tosco, com marcas no rosto e o nariz
inchado, dizendo que estava sendo muito bem tratado no Centro de
Detenção Número Um.
A
instituição de nome aterrador é uma das muitas que evocam o passado
comunista. A polícia secreta, por exemplo, continua a se chamar KGB – um
dos vários indicadores de que a Belarus saiu da União Soviética, mas a
União Soviética não saiu da Belarus.
O
nome mudou – antes era Bielorrússia, a Rússia branca poupada de invasão
na época da expansão mongol -, mas muitas coisas continuaram as mesmas.
As indústrias estatais evitaram o salto no escuro que aconteceu com o
fim do comunismo, mas também impediram o desenvolvimento dinâmico que se
sucedeu à era do desmanche.
Lukashenko
era diretor de um sovkhoz, uma fazenda coletivizada ao estilo
soviético, e no poder manteve mais ou menos a mesma mentalidade,
inclusive a paixão por tratores.
Quando
a Covid-19 eclodiu, disse que tratores e vodka seriam o melhor remédio.
Em outras versões, a sauna entrou no lugar dos tratores.
Estranhamente,
o vírus foi pouco maléfico na Belarus, com menos de três mil mortes –
dez vezes menos do que num país de população comparável da Europa
Oriental como a República Checa, com os mesmos dez milhões de
habitantes.
Em
compensação, explodiram protestos de dimensão nunca vista antes,
propelidas por mais uma eleição presidencial que consagraria Lukashenko.
Ele iria ganhar, de qualquer maneira, mas, por via das dúvidas, mandou
prender um candidato oposicionista pouco conhecido, Sergei Tikhanovski. A
mulher dele, Sviatlana, assumiu o lugar do marido, a campanha esquentou
e, quando o resultado pré-pago saiu, os protestos se expandiram além
das fronteiras dos jovens antenados do mundo digital.
Quando
trabalhadores das fábricas estatais começaram a sair às ruas,
Lukashenko deve ter sentido o bafo da derrocada bem perto da nuca.
Chegou a aparecer de fuzil na mão.
Repressão
brutal, com espancamentos e tortura disseminados, e o braço forte de
Moscou, que enviou até equipes completas de “jornalistas” para assumir a
televisão estatal, garantiram a sobrevivência de Lukashenko.
A
maior perda para o presidente vitalício: seu filho Nikolai, um
adolescente de belos traços eslavos, teve que ir fazer faculdade em
Moscou, por receio do que enfrentaria em escola local.
Desde
os quatro anos, Kolia, como é conhecido, nascido de um caso de
Lukashenko com sua médica pessoal, acompanhava o pai em compromissos
oficiais, criando a imagem perfeita do ditador e seu “mini me”, o filho
preparado para assumir o lugar do pai, como nas ditaduras mais
rasteiras.
Numa
entrevista ao canal Rossya 1, Kolia disse que não quer seguir essa
carreira. Lukashenko fez o estilo paizinho da pátria, um líder dedicado
que dorme no máximo uma hora por noite e joga hóquei no gelo três vezes
por semana, mas trabalha direto, sem folga, principalmente quando “tem
manifestantes andando nas ruas” – um problema que ele “consertou”
temporariamente.
O
sequestro de Roman Protasevich trouxe de novo à tona o estilo
pré-histórico de Lukashenko. Sanções e outros castigos diplomáticos,
como os decididos pela União Europeia, têm poucos efeitos práticos e
empurraram mais ainda Lukashenko para os braços de Vladimir Putin.
Quase
50% das exportações, e das importações também, da Belarus são para o
grande irmão russo. Moscou também fornece energia subsidiada, um vício
pior do que cocaína.
“Existem
ditadores um pouco piores do que eu, não? Eu já sou o mal menor”,
ironizou o homem fortíssimo da Belarus, que, quando fala sério, se
recusa a adotar o rótulo de ditador, admitindo apenas que “um estilo
autoritário de comando é uma característica minha”.
O
sequestro escandaloso de um oposicionista interceptado em pleno voo vai
ser um teste. Teria tal “característica” passado de todos os limites,
transformando Lukashenko num pária muito maior do que já é?
Num
toque de cinismo que tem todo jeito da mão pesada da Rússia de Putin, o
governo Lukashenko divulgou uma “nota” assinada por “soldados do Hamas”
avisando da fictícia bomba a bordo do avião da Ryanair. Uma palhaçada
que seria ridícula se o assunto não fosse tão sério, principalmente para
Roman Protasevich.
O
blogueiro foi preso com sua namorada, a russa Sofia Sapega, que também
apareceu num vídeo “confessando” suas atividades oposicionistas no
Telegram.
“Por
favor, salvem o meu filho, ele vai ser morto lá”, apelou a mãe de
Roman, Natalia Pratasevich. Ela e o marido, Dimitri, refugiaram-se na
Polônia depois que Lukashenko mandou destituí-lo como tenente-coronel da
reserva. Coisa de ditadorzinho.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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