Pazuello desonrou a patente e cuspiu em STF, CPI e todas as 27 unidades da Federação. José Nêumanne para o Estadão:
As
14 mentiras contadas pelo relator da Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) da Covid no Senado, Renan Calheiros, não fazem do general de
divisão Eduardo Pazuello um ponto fora da curva entre os seus
companheiros de caserna. Ele violou a Lei n.º 4.346, de 2002, lembrada
no festival de patranhas que assolou o Senado em 19 e 20 de maio, ao
desrespeitar o Estatuto dos Militares, que exige ética (“I - amar a
verdade e a responsabilidade como fundamento de dignidade pessoal”). O
oficial rasgou a lei ao se exibir no comício ilegal do candidato à
reeleição à Presidência da República, mais de um ano antes do início da
campanha, ao arrepio da legislação eleitoral.
O
comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira,
avalizou a desculpa apresentada por Pazuello – de que teria mantido
contato com dois coronéis com “suspeita” de ter contraído o novo
coronavírus – para adiar seu depoimento, marcado para 5 de maio. Se o
avalista não for ingênuo, condição que o tornaria inepto para o
exercício da função, no mínimo empenhou a honra e a força do próprio
cargo para dar desculpa que só caberia ser dada por um médico. O
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski autorizou
o depoente a silenciar sobre quaisquer respostas que pudessem
incriminá-lo, mas lembrou que em relação a terceiros não poderia mentir.
Ao mesmo tempo, assegurou-lhe uma condição, na prática, de intocável
que impediu o presidente da CPI, Omar Aziz, de mandar prendê-lo por
falso juramento.
A
loquacidade, na prática, autorizada, benéfica para o chefão geral,
capitão Jair Bolsonaro, contudo, levou o intendente incompetente, mas
obediente, a mentir por antecipação, feito quiçá inédito em
interrogatório do gênero. Em resposta ao senador Eduardo Braga, disse
que era favorável a restrições sanitárias para impedir ou, no mínimo,
deter a velocidade do agente mortífero, tendo chegado ao Senado sem
máscara. E antes de participar da passeata de motos sem máscara nem
álcool em gel à vista, ao lado do patrão.
Em
entrevista, que reproduzi no Blog do Nêumanne no portal do Estadão, o
relator Renan confessou que os senadores foram surpreendidos pelo
cinismo com que o ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio
Wajngarten e Pazuello mentiram sob juramento. Se a prisão do primeiro
poderia ser considerada atípica, a do general deveria ser definida, no
máximo, como inusitada. Mas não injusta, se se considerar que ele fora
explicitamente proibido de mentir no despacho monocrático de
Lewandowski, sem que este tivesse sequer registrado, se não punição, ao
menos repulsa. Ou seja, a cúpula do Judiciário atuou de molde a
confirmar as críticas pesadas que os bolsonaristas lhe dispensam.
Assim
como antes o fizera Wajngarten, Pazuello cuspiu no rosto das 27
unidades da Federação, representadas no Senado, desprezou a palavra dada
pelo comandante a que se subordina na ativa e carregou o andor de um
capitão considerado incapaz de chegar a major num comício ilegal e
golpista. Do ponto de vista da farda que enverga, nada fez de original. O
Exército Brasileiro derrubou o imperador constitucional em 1889 em
golpe. Dizimou sertanejos num vilarejo miserável do sertão baiano,
atribuindo a um imperador de procissão veleidades de herdeiro do trono
em desafio à República. E matutos do Contestado que ameaçavam a paz em
latifúndios da ervicultura. Celebrou ainda o golpe de 1964 em ordens do
dia fantasiosas nos 33 anos sob a Constituição de 1988.
Somadas,
as mentiras do ex-ministro talvez não produzam estragos institucionais
similares aos elogios públicos ao miliciano Adriano da Nóbrega e ao
torturador Brilhante Ustra, por Bolsonaro. E à sua absolvição a partir
de laudos inconclusivos, tratados como favoráveis ao réu, por 8 a 4, do
capitão irredento, flagrado planejando atentados terroristas a quartéis e
à adutora do Guandu. Punida como deveria a indiferença do terrorista de
antanho, chamado de “mau militar” por Ernesto Geisel, exposta no livro O
Cadete e o Capitão, de Luiz Maklouf de Carvalho, talvez pudesse ter
evitado a mortandade de 450 mil brasileiros indefesos pela covid,
estando ele ainda a tentar, aos 14 meses da pandemia, impor a chacina
chamada de “imunidade de rebanho”.
O
Exército de Bolsonaro e Pazuello escondeu-se sob os véus das beatas da
“Marcha da Família com Deus pela Liberdade” (já então) para derrubar um
governo eleito pelo povo e com mandato a cumprir. Isso em nome da
liberdade, “ameaçada” por golpe comunista, tão improvável em 1964 como o
Apocalipse de São João. Em 1969 decretou a ditadura para reprimir
guerrilha de pretendentes juvenis a derrubá-lo. E agora é beneficiado
pelo teto duplex, beneficiando reservistas privilegiados, entre os quais
o presidente capitão, que ganha R$ 30.934 e passará para R$ 41.544, e o
vice general, que terá o soldo mais que duplicado: de R$ 30.934 para R$
63.311. A punição do Exército ao mendaz general talvez seja lanas
caprinas. Para celebrar as boquinhas dos fardados seria o caso de reger o
Réquiem de Mozart ou solfejar a Aleluia de Haendel?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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