Produtos com design amazônico são exportados para Europa e EUA.
'É como se fosse uma cirurgia na madeira', descreve marceneiro.
Móveis e artigos de decoração são feitos com resíduos da floresta (Foto: Jamile Alves/G1 AM)
O desenvolvimento sustentável já deixou de ser apenas teoria para alguns marceneiros e designers de joias no Amazonas.
A partir de resíduos florestais, profissionais estão produzindo
biojoias e móveis com características genuinamente amazônicas. As peças
feitas com madeiras, sementes e fibras, conquistaram espaço no mercado
internacional, com exportações para países europeus e da América do
Norte. Em 2013, numa instituição que fabrica móveis e peças de
decoração, o lucro girou em torno de R$ 1,8 milhão.
'Fruteira girassol' marchetada foi destaque no Prêmio Idea Brasil (Foto: Jamile Aves/G1 AM)
"Nós trabalhamos com uma estratégia de inovação dos nossos produtos.
Pensando nisso, nós promovemos em cada peça o resgate das habilidades
artesanais e dos traços de culturas tradicionais da nossa região. Para
isso, o uso sustentável dos insumos da floresta é indispensável",
explicou.O processo de construção das peças envolve técnicos e artesãos de Manaus, mas também de comunidades ribeirinhas de outros municípios do Amazonas. Cerca de 700 trabalhadores do interior, dentre eles indígenas, participam da confecção das peças em diversos municípios do estado, como Itacoatiara, Maués, Novo Airão e Barcelos. O projeto promove ainda programas de qualificação para melhor utilização dos recursos naturais no interior do estado.
Gonçalves informou que o projeto já teve itens premiados em feiras nacionais e internacionais, como a Bienal de Designer e o Prêmio Idea Brasil. Além disso, uma linha de móveis do projeto deverá compor a decoração dos principais salões da Arena da Amazônia durante o período da Copa do Mundo, que tem Manaus como uma das sedes.
Sete espécies diferentes de madeira foram usadas para produzir os efeitos do quadro (Foto: Jamile Aves/G1 AM)
Para ele, apenas no ano passado, a comercialização desses produtos
superou a meta de R$ 1,8 milhão e o objetivo, segundo Gonçalves, é
faturar R$ 2 milhões ao ano. "Uma loja na Califórnia, inclusive, abriu
com peças que foram produzidas por nós. No ano passado, exportamos um
contêiner com peças de médio e grande porte", disse. Atualmente,
Portugal, França e Espanha também já receberam peças para exposições. O
trabalho ganhou destaque na Europa, em virtude da raridade para
encontrar madeiras com tonalidades diferentes do branco.Há 40 anos, o marceneiro Rosalvo Mendes, de 58 anos, por meio do projeto, transforma madeira em arte. "Acompanhei todo o crescimento da marcenaria no Amazonas. Vi coisas horríveis acontecerem com nossas riquezas. Tudo o que eu pensava era que eu queria perpetuar as árvores, usando elas sem desperdício ou agressão", relatou.
"É como uma cirurgia na madeira", diz marceneiro
sobre fabricação dos móveis
(Foto: Jamile Aves/G1 AM)
Rosalvo Mendes disse que o processo de fabricação das peças aproveita
desde a casca da árvore até as raízes. Segundo ele, são resíduos que não
possuem valor comercial para a indústria. "Eu sempre tive um carinho
especial pelas árvores. Elas também são seres vivos, assim como nós.
Esse sentimento cresceu ainda mais depois que comecei a trabalhar aqui.
As árvores eram tiradas de qualquer jeito e grande parte não era
aproveitada", disse.sobre fabricação dos móveis
(Foto: Jamile Aves/G1 AM)
Fabricação
O projeto desenvolve peças de movelaria e artigos de decoração que utilizam como matéria-prima resíduos de madeiras certificadas ou de áreas de manejo, além de sementes e fibras florestais. Atualmente, cerca de 30 espécies diferentes de madeira são utilizadas na confecção das peças. Até folhas de árvores já passaram por tratamento para integrar os detalhes dos móveis.
"Sempre tive um carinho especial pelas árvores. Elas também são seres vivos, assim como nós."
Rosaldo Mendes
De acordo com a designer Luçana Mouco, as peças não passam por processo de pintura, já que a diversidade amazônica possibilita a mistura de cores. A técnica resulta em produtos exclusivos. "A inspiração vem a partir de muita pesquisa, viagens e leitura. Os tipos variados de madeira, a coloração diferenciada e o modo de produção levam ao surgimento de peças únicas".
Além de decorar casas e escritórios, insumos da floresta amazônica também servem de matéria-prima para a confecção de biojoias, que levam em colares, brincos e anéis, um traço diferente da cultura tradicional da região. A designer de joias, Rita Prossi, incorpora a cada peça a sustentabilidade, a história e a beleza indígena e cabocla.
Rita Prossi confecciona joias com produtos
florestais (Foto: Jamile Alves/G1 AM)
Segundo a designer, a iniciativa de integrar a floresta aos seus
trabalhos surgiu em 1995, a partir do interesse de americanos em peças
indígenas. "Sempre trabalhei com joias feitas com ouro. Um dia uma
cliente disse que precisava levar algo para a filha, que morava nos
Estados Unidos, para que ela lembrasse do nosso Amazonas. Fiz vários
pingentes com artefatos como flechas, muiraquitã, tipiti, e usei palha
de arumã e sementes de açaí. Quando a menina foi para a faculdade com o
colar as amigas adoraram e eu não parei mais desde então", contou ao G1.florestais (Foto: Jamile Alves/G1 AM)
A oportunidade, surgida por acaso, abriu portas primeiramente para o mercado externo. Mais tarde, a cliente se tornou a primeira revendedoras de produtos de Rita. Segundo ela, os processos de aquisição dos materiais incluem tribos indígenas como os Waimiri Atroari e Apurinãs, que dispõem de fibras de arumã e tucumã para a confecção das joias.
Alianças são confeccionadas com tucumã. Traços indígenas fazem alusão a dois filhos do casal. (Foto: Jamile Alves/G1 AM)
"Existem trançados exclusivos dos indígenas, que dão identidade
regional às peças. Além desses insumos, fios de tucum, palhas e couro de
peixe também são aproveitados. Tudo sem agredir ou prejudicar o meio
ambiente", disse Prossi. De acordo com ela, resíduos de madeira de
movelarias também são utilizados. "Os restos de madeira que não servem
para móveis, viram joias nas minhas mãos", afirmou Rita.A mesclagem de joias com produtos ecológicos leva tempo relativo, segundo a designer. A inspiração para idealizar as peças, por outro lado, chega rápido quando a artista "sente o ambiente". "É só observar. Em uma viagem de barco que eu fiz a Manacapuru, cidade do interior do Amazonas, passamos perto de igapós. Eu vi plantas aquáticas lindas e fiquei encantada. No outro dia estava pensando em uma nova coleção para executar", relatou.
Fibras e fios de árvores são trançados também por indígenas (Foto: Jamile Alves/G1 AM)
A biojoalheria já teve produtos exportados para países da Europa e
Estados Unidos, além da participação em feiras de joias no estado de São
Paulo. Para Rita, os produtos sustentáveis ainda precisam ser melhor
valorizados pelos amazonenses. "Essa aceitação de produtos feitos com
materiais florestais ainda é um processo lento no estado. Agora sim, 19
anos depois da fundação, que as biojoias chamam atenção das pessoas da
nossa região. Esperamos que estas sejam tão valiosas quanto as joias de
ouro", enfatizou Prossi.
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