(Da
esq. à dir., de cima para baixo) Osvaldo do Caqui e a esposa, Cida; Zé
da Floresta; Ana do Mel; Zundi da Banana; Tomi e Mauri e Zé da Cana
(Foto: Arpad Spalding/Instituto Kairós/Divulgação e Gabriela
Gasparin/G1)
Há cerca de um ano, oito agricultores familiares da capital paulista
foram certificados como produtores orgânicos pelo Ministério da
Agricultura. São os primeiros entre os cerca de 400 trabalhadores
agrícolas cadastrados na prefeitura do município de São Paulo. O grupo
planta no extremo sul da maior cidade brasileira, região com reserva de
Mata Atlântica, cercada pelas represas Billings e Guarapiranga e que
concentra áreas de proteção ambiental.
Desde que receberam o “selo”, os pequenos produtores rurais lutam para
atrair o consumidor paulistano aos benefícios proporcionados por um
alimento cultivado sem o uso de venenos – processo que dá mais trabalho,
leva mais tempo e resulta em um produto, no mínimo, 30% mais caro e nem
sempre tão “bonito” quanto um cultivado com agrotóxicos ou adubos
químicos.
“No município de São Paulo, nós somos os primeiros e únicos produtores
orgânicos certificados. Se vieram outros depois de nós, nunca ouvimos
falar (...). Imagina que existe uma mata fechada, que a gente tem que
atravessar. O nosso grupo está com um facão abrindo as picadas", afirma
Maria José Kunikawa, a Tomi, de 57 anos.
O Ministério da Agricultura confirmou ao
G1 que o
grupo é o primeiro certificado na cidade. A certificação saiu em
novembro de 2011. Dos oito produtores, um desistiu do cultivo, restando
apenas sete.
Para escoar a produção, a forma encontrada pelos agricultores é a venda
direta em feiras de alimentos orgânicos e agricultura limpa espalhadas
pela capital – a última delas foi inaugurada em novembro, próximo ao
Parque do Ibirapuera, em parceria com associações e a Prefeitura. O
grupo afirma, contudo, que o comércio precisa aumentar para garantir
significativa melhora na renda.
Os agricultores
Tomi cultiva feijão, milho, mandioca, batata doce e ervilha, entre
outros, em uma área pequena, de 4 mil metros quadrados, na Ilha do
Bororé, às margens da represa Billings, na divisa com São Bernardo do
Campo. No ano passado, começou a plantar cambuci, fruta típica da
região, visando turistas que, em trilhas e passeios, conhecem as belezas
naturais da ilha.
Ela é exceção entre os sete certificados, pois não tem a agricultura
como única fonte de renda – cerca de 70% do ganho de sua família vem do
aluguel do sítio para festas e eventos. Os demais, contudo, dependem da
produção para sobreviver.
O mais experiente deles é Zundi Murakami, de 72 anos, o Zundi da
banana, que planta a fruta tropical em cinco hectares em Parelheiros. Há
também Osvaldo Ochi, o seu Osvaldo do caqui, de 66 anos, que herdou os
conhecimentos agrícolas do pai e sempre viveu da agricultura. Ele tem 4
mil pés de caqui (tem tratado só 1,5 mil) em uma propriedade próxima ao
Parque Estadual da Serra do Mar, na divisa com o município de Itanhaém.
Somam-se ao grupo Ana Zilda Coutinho, a Ana do Mel, de 50 anos, que
planta frutas, ervas e hortaliças – Especialista em abelhas, ela produz
ainda mel por tradição familiar, para consumo interno; José Luis da
Silva, o Zé da Floresta, de 68 anos, que planta frutas, café e palmito;
além de Mauri da Silva, de 38, que cultiva principalmente hortaliças; e o
mineiro José Geraldo Santiago, o Zé da Cana, que planta frutas,
hortaliças e a cana, com o sonho de um dia montar seu próprio alambique.
A
agricultora Ana do Mel leva os produtos orgânicos colhidos pelo grupo
para serem vendidos nas feiras (Foto: Gabriela Gasparin/G1)
Todos afirmam que buscaram a agricultura orgânica com um desejo comum:
eliminar o uso de venenos, agrotóxicos e adubo químico para o bem de
todos, preservando a natureza e a saúde tanto de quem planta como dos
consumidores.
“Eu acho que deve visar o dinheiro, mas em primeiro lugar, vem a saúde.
A gente está em paz com a nossa consciência, de que está produzindo um
alimento saudável. O resto é consequência. Você começa a fazer uma coisa
boa, as pessoas comem, percebem que faz bem. Ela vai voltar para vir
buscar. Então, vai vir dinheiro, né?”, diz Tomi.
Agricultura orgânica X convencional
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Processo
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Orgânico
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Convencional
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Papel do solo
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Organismo vivo do qual a saúde vegetal depende
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Funciona como suporte para adubos, plantas e irrigação
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Para manter a saúde vegetal
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Solo é adubado e plantas são nutridas com produtos naturais
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São usados defensivos tóxicos e plantas são adubadas com adubos químicos
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Plantas invasoras
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Indicam as condições da terra
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São consideradas maléficas
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Pragas e doenças
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Parasitas indicam que algo está errado e controle é com ação preventiva
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Insetos, pragas e fungos são considerados parasitas e controle é com ação corretiva
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Cultivo
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Há diversidade, com culturas intercaladas e arborização
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Há grandes áreas de monocultura
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Fonte: Associação Biodinâmica |
Mauri e o mineiro Zé da Cana, que trabalham na roça desde os 7 anos,
garantem que já sofreram muito com o uso de agrotóxicos. “Entrei na
agricultura com 7, 8 anos, ajudando meu avô. Ele mexia com mandioquinha,
abóbora. Com 12 para 13 anos fui trabalhar com um [agricultor]
convencional, trabalhava com pimentão (...). Ele [ia na frente] todo
equipado e eu lá, tomando aquele banho de veneno na cara”, revela Mauri.
“A convencional era agrotóxico, adubo químico, era o maior problema
(...). Aí eu pensei, vou fazer uma coisa para o meu próprio bem, que é
minha saúde, e para o bem do consumidor”, salienta Zé.
Certificação
Para conseguir a certificação, os sete receberam orientação da
Associação Biodinâmica, que é cadastrada no Ministério da Agricultura. A
forma de produção biodinâmica, além de não utilizar adubos químicos,
venenos, herbicidas, sementes transgênicas, antibióticos ou hormônios,
procura a “harmonia” do cultivo. Trabalha também com o ciclo cósmico e
usa preparados homeopáticos feitos de minerais, esterco bovino e plantas
medicinais. Para o selo, os agricultores pagam uma taxa que, no caso
desse grupo, gira em torno de R$ 250 a R$ 350 anuais, de acordo com o
tamanho e tipo de produção.
“O projeto de Parelheiros se iniciou há cerca de 3 anos e a
certificação só chegou há um ano. As mudanças são muitas, com várias
quebras de paradigmas. É necessário ter uma visão do todo, para entender
as partes. Só compreendendo e respeitando os ciclos da natureza é que
se consegue fazer agricultura biodinâmica. Eles passam trabalhar as
propriedades como se elas fossem organismos vivos agrícolas”, explica
Rachel Vaz Soraggi, presidente da associação.
Agricultor Mauri mostra plantação de alface com o
solo coberto, técnica para manter terra úmida
(Foto: Gabriela Gasparin/G1)
“A gente é orgânico, mas é diferente. A gente não visa só o lucro, visa
o próximo, quem vai comer o produto, tem a visão social por traz”,
comenta a produtora Ana.
Os produtores explicam, contudo, que a agricultura orgânica é mais
trabalhosa, por isso os produtos são mais caros. Sem venenos, nasce mais
mato para ser retirado da terra. Além disso, é preciso plantar em
consórcio (com um cultivo diferente do lado do outro), para os
nutrientes de uma planta ajudarem a outra. O ciclo de crescimento também
é cerca de 15 dias mais demorado.
Renda
O aumento da renda, contudo, o grupo ainda não viu chegar da forma
pretendida. Isso porque há poucos meios de escoar a produção – a
concorrência com a agricultura convencional torna inviável levar os
produtos a locais tradicionais, como a Companhia de Entrepostos e
Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp).
A melhor forma encontrada é a venda nas feiras orgânicas nas áreas
urbanas. Por conta da distância (cerca de 50 km do centro), parte do
grupo produz e outra parte, além do cultivo, leva os alimentos para
serem comercializados.
Como os consumidores, a maioria deles, não podem vir ver a plantação, o
selo é uma garantia, quer dizer que o nosso produto é orgânico e não
tem veneno nenhum"
Maria José Kunikawa, agricultora
Ana do Mel e Zundi, por exemplo, são os que mais frequentam as feiras.
“Na minha barraca não tem só o que eu planto, mesmo porque o que eu
produzo é pouco. Levo produtos da Tomi, do Zé da Cana”, explica Ana.
A agricultora tem, inclusive, uma máquina para fazer caldo de cana e
vender a bebida orgânica na feira. Um copo de 200 ml sai por R$ 3. O
maço de alface, a R$ 2. A banana prata, a R$ 4 o quilo. A nanica, a R$
3. A bandeja de tomate orgânico custa R$ 5 e os quilos da batata e da
mandioca custam R$ 5 e R$ 4, respectivamente.
E é justamente na hora de comercializar que o grupo enxerga a
importância do certificado. “Como os consumidores, a maioria deles, não
podem vir ver a plantação, o selo é uma garantia, que dizer que o nosso
produto é orgânico e não tem veneno nenhum (...). Nós certificamos
porque quem quer o selo é o consumidor. O governo exige que a gente
mostre o selo para o consumidor”, diz Tomi.
Grupo
mostra preparados considerados como remédios homeopáticos para as
plantas na agricultura orgânica biodinâmica (Foto: Gabriela Gasparin/G1)
Incentivo
Em parte, a certificação do grupo é resultado de um trabalho realizado na região pelos governos municipal e estadual.
Em 2010, a prefeitura de São Paulo lançou o programa Agricultura Limpa,
que visa preservar a mata nativa e apoiar os agricultores no cultivo
mais limpo. Como não tem poder para dar a certificação orgânica (o que é
feito pelo Ministério da Agricultura), o município criou um protocolo
de boas práticas agrícolas. O documento, construído em parceria com o
governo estadual, dita regras para produção sem geração de danos ao meio
ambiente.
Esse tipo de agricultura é a melhor que se pode ter na zona sul. Os
venenos infiltram na terra e vão para a água. Dessa forma, gasta-se mais
para purificar a água para as pessoas beberem"
Arpad Spalding, coordenador de projetos do Instituto Kairós
Os produtores que aderem recebem o selo "Garça Vermelha", que indica
que seguem as boas práticas agroambientais. Não é a certificação, mas é o
caminho para uma agricultura mais sustentável na região. Na zona sul,
37 propriedades agrícolas já aderiram ao protocolo, diz a prefeitura.
Associações ambientais também trabalham na zona rural em parceria com a
prefeitura para dar apoio aos agricultores. Um deles é o Instituto
Kairós que, em um dos projetos, ajudou a pensar formas de comercializar
os produtos.
Diante do trabalho,
nasceu a feira perto do Parque do Ibirapuera, inaugurada em novembro do ano passado
e uma das fontes de renda dos sete agricultores certificados. “Foi
criada, no começo do ano passado, a feira no Parque Burle Marx. A partir
da criação dessa feira (...), surgiu a possibilidade de levar a feira
ao parque do Ibirapuera”, explica Arpad Spalding, coordenador de
projetos do Kairós.
A feira conta com 33 barracas que representam cerca de 300 agricultores
(entre eles os 7 certificados da capital), diz Spalding. Há
agricultores orgânicos de outros municípios e estados, além daqueles que
não são certificados, mas possuem o selo de boas práticas da
prefeitura.
“Ainda não contabilizamos quanto a feira movimenta. Tem agricultor que
vende R$ 600, tem alguns que vendem R$ 2 mil. Cada barraca tem sua
organização”, explica Spalding.
Além dessas feiras realizadas em parceria com a prefeitura, os sete
agricultores também comercializam em outras duas feiras de produtos
orgânicos na cidade, uma promovida pela Associação Biodinâmica, no Alto
da Boa Vista, e uma da Associação de Agricultura Orgânica (AAO), no
Parque da Água Branca, na Barra Funda.
Feira no Modelódromo do Ibirapuera é vista por agricultores como importante fonte de vendas (Foto: Gabriela Gasparin/G1)
Abrindo caminhos
Apesar das dificuldades, os primeiros produtores orgânicos da capital
acreditam que enfrentam uma fase inicial, mas estão abrindo caminho para
uma nova tendência de mercado em São Paulo. Entre as formas de aumentar
as vendas previstas está fornecer para supermercados e escolas.
“Antes, não havia as exigências em cima das leis, agora que veio a
preocupação com as águas, outros começaram a ficar mais atentos. Dizem
que, no futuro, não vai ser permitido agricultura em São Paulo que não
seja a orgânica”, prevê Mauri.
Zé da Cana planta várias culturas, de batata doce,
mandioca e banana à hortaliças e cana-de-açúcar
(Foto: Gabriela Gasparin/G1)
Spalding, do Kairós, diz que a preservação da região é importante para a
sustabilidade local. “Esse tipo de agricultura é a melhor que se pode
ter na zona sul. Os venenos infiltram na terra e vão para a água. Dessa
forma, gasta-se mais para purificar a água para as pessoas beberem”,
explica.
“A gente está mostrando que se pode conservar, preservar, cuidar e
viver bem. A gente vive melhor, a gente é mais feliz hoje”, afirma. “É
difícil, né, mas eu acho que é apenas o primeiro ano. A gente tem que
visar pensando em três ou quatro anos”, avalia Tomi.
Na feira, consumidores mostram que há mercado para o produto. "Antes,
eu comprava [produtos orgânicos] no supermercado, mas é caríssimo.
Agora, todo sábado eu venho aqui na feira [do Ibirapuera]", diz a
empresária Helena Tinoco, de 44 anos. A cozinheira Bia Goll, de 37 anos,
também aprova. "Eu sempre uso produtos orgânicos. É bom poque a gente
come um produto que não está degradrando o meio ambiente (...). Agora é
bom que está com um preço mais legal."
Cooperativa
De forma a melhorar a comercialização, o grupo faz parte da Cooperativa
Agroecológica dos Produtores Rurais e de Água Limpa de São Paulo
(Cooperapas), com outros agricultores da região. Eles enxergam a união
como uma forma de agregar esforços.
Mauri explica que já há outros agricultores interessados na
certificação. “O grupo está para aumentar, tem um curso que está
acontecendo (...) Vamos selecionar alguns que querem se juntar com a
gente e trazer para o nosso meio”, explica. “A gente aposta muito na
cooperativa. Há um projeto de a cooperativa ajudar a gente com
transporte, com motorista na feira, estamos colocando toda a nossa ficha
na feira”, complementa.
Para o produtor, a luta está apenas no começo, mas deve gerar
resultados no futuro. “Somos sete agricultores em uma luta grande,
valente. A gente correu muito para inaugurar a feira, largar aqui [a
produção convencional] para aprender a fazer orgânicos. Dedicar tempo,
gasolina, esforço, para isso estar acontecendo hoje (...). Eu não dou
mais um ou dois anos para esses convencionais se converterem a
orgânicos. Uma que o consumidor não quer mais [ingerir agrotóxicos]
(...). A agricultura tem que ser revista hoje, é muito sério”, opina
Mauri.
A
cozinheira Bia Goll (esq.) e a empresária Helena Tinoco com a mãe, Lin
Ming, aprovam os produtos orgânicos (Foto: Gabriela Gasparin/G1)
Feiras orgânicas e de agricultura limpa na capital paulista:Ibirapuera
Sábado, das 7h às 13h
Modelódromo do Ibirapuera, na Rua Curitiba, 292, Vila Mariana
Parque Burle Marx
Sábados, das 7h às 13h
Acesso do estacionamento pela Marginal Pinheiros (sentido Interlagos)
com a Avenida Dona Helena Pereira de Morais, Panamby, Morumbi
Parque do Carmo
Sábados, das 7h às 13h.
Av. Afonso de Sampaio e Souza, 951, Itaquera
Feira da Associação Biodinâmica
Quintas-feiras, das 7h às 13h
Alto da Boa Vista, na Rua São Benedito, entre Rua Américo Brasiliense e a Rua Alexandre Dumas
Feira da Associação de Agricultura Orgânica (AAO)
Toda terça-feira, sábado e domingo, das 7h às 12h
Parque da Água Branca, na Avenida Francisco Matarazzo, 455, Barra Funda