No distrito de Macacos, em Nova Lima, a queda no movimento de turistas prejudicou comércio e serviços
O
que todo mundo já “sabia” foi especificado, pela primeira vez, numa
estatística assustadora: 80,6% do comércio de cidades que tiveram as
economias afetadas pelo estouro de barragens de rejeitos de minério –
como Brumadinho (janeiro de 2019) e Mariana (novembro de 2015) – ou pelo
risco do rompimento de estruturas – casos de Congonhas e Nova Lima –
registrou queda no fluxo de consumidores.
A
pesquisa “Impactos da Mineração”, obtida com exclusividade pelo Hoje em
Dia, foi realizada pela Fecomércio-MG e mostra não só como
historicamente a mineração injetou uma importante cifra na economia
destes municípios, mas como as próprias cidades ficaram inertes ao longo
dos anos e não se preocuparam em procurar outras atividades que
pudessem suprir, em caso de necessidade, o declínio da extração de
minério.
O
levantamento ouviu 480 comerciantes (58% com mais de uma década de
atividade) de sete cidades dependentes da mineração na região Central do
Estado: Brumadinho, onde houve o estouro de barragem de uma mina da
Vale; Mariana, prejudicada pelo rompimento de uma estrutura da Samarco;
Nova Lima, onde parte do distrito de Macacos precisou ser evacuado neste
ano; Congonhas, que abriga a maior represa de rejeitos do mundo em área
urbana; Itabirito, Sarzedo e Ouro Preto. Cerca de 405 mil pessoas
residem nestes municípios, mas o recuo da economia nelas interfere
também em localidades vizinhas.
A
redução no fluxo de clientes em 80,6% dos estabelecimentos foi sentida
em maior ou menor intensidades. Quem explica melhor este percentual é
Guilherme Almeida, economista-chefe da Fecomércio: “O movimento de
consumidores diminuiu muito para 42,1% dos entrevistados, enquanto 38,5%
perceberam o recuo de forma menos acentuada”.
Turismo
Turismo
Os
varejistas não sentem falta apenas da entrada dos moradores nas lojas. O
rompimento de uma barragem ou o risco de ela ser derrubada pela pressão
da lama de rejeitos afastam também os turistas e, consequentemente,
suspendem investimentos.
“Para
68,7% dos varejistas locais, o fluxo de turistas também recuou. A queda
no número de visitantes freia investimentos. No caso de pousadas, por
exemplo, eventuais projetos de ampliação são suspensos”, analisa
Almeida.
Menor
investimento representa menos emprego. “Algumas lojas fecharam as
portas em Brumadinho logo após o que ocorreu no distrito de Córrego do
Feijão”, lamentou Aldnei Pereira, presidente da Câmara de Dirigentes
Lojistas (CDL) do município, que conhecia aproximadamente 150 das mais
de 250 pessoas que perderam a vida ou estão desaparecidas por causa da
tragédia. De acordo com a Fecomércio, o intervalo de confiança do estudo
é de 95%.
Indenizações
O
desespero econômico em Brumadinho, onde o estouro da mina de Fundão
deixou mais de 250 mortos, pode estar com os dias contados. A cidade
poderá viver um boom econômico, embora consequência de uma tragédia que
não sairá da memória dos quase 40 mil moradores.
É
que a Vale começou a pagar indenizações mais gordas aos parentes das
vítimas. A empresa se comprometeu a desembolsar R$ 700 mil a cada um dos
pais, filhos e companheiros dos mortos, sendo R$ 500 mil por dano moral
e R$ 200 mil referente ao acidente de trabalho.
Desta forma, se o trabalhador soterrado pela lama de rejeitos deixou viúva e um filho, o lar receberá R$ 1,4 milhão. Os pais, se vivos, receberão R$ 700 mil cada. Já os irmãos das vítimas, R$ 150 mil.
"O
comércio começou a se recuperar”, disse Aldinei Pereira, presidente da
CDL local. Além destes valores, a Vale se comprometeu a quitar ainda um
auxílio-creche (R$ 920 mensais) para filhos de trabalhadores falecidos
(crianças de até 3 anos de idade) e o auxílio-educação (R$ 998 mensais
para filhos de 3 a 25 anos).
Em
outro acordo, a empresa pagará um salário mínimo mensal para cada
adulto, além de o correspondente a meio piso para cada adolescente e 25%
do mínimo a cada criança pelo prazo de um ano.
Mas o que acontece em Brumadinho mostra o outro lado da pesquisa da Fecomércio: a economia destas cidades ficou dependente da mineração, e elas não diversificaram outras fontes de receita com peso parecido ao do setor.
Mas o que acontece em Brumadinho mostra o outro lado da pesquisa da Fecomércio: a economia destas cidades ficou dependente da mineração, e elas não diversificaram outras fontes de receita com peso parecido ao do setor.
“Os
municípios não diversificaram a matriz econômica e, hoje, parte deles
enfrenta problemas com a queda na arrecadação da Compensação Financeira
pela Exploração de Recursos Minerais (a Cfem, que é repassada pelas
empresas aos municípios, Estados e União) por causa da paralisação dessa
atividade”, observou o economista-chefe da entidade, Guilherme Almeida.
Do total da Cfem repassado pelas empresas ao poder público, as
prefeituras ficam com 65%.
Segundo
o economista da Fecomércio, “Minas Gerais não aproveitou o boom das
commodities minerais, ocorrido no fim da década passada e início da
atual”. O levantamento apontou que 92,3% dos entrevistados disseram que o
desempenho do comércio local depende das atividades relacionadas à
mineração, sendo 40,79% totalmente reféns dos ganhos proporcionados pelo
setor.
Alternativas
Lideranças
do comércio recomendam ao poder público estímulo a outras atividades,
além da mineração. A presidente interina da Fecomércio-MG, Maria Luiza
Maia Oliveira, avalia que a mineração cumpriu – e cumpre – um papel
essencial ao crescimento das cidades e do Estado, mas faz ressalvas: “Os
municípios onde há extração de minério não podem ficar dependentes
desse setor. É preciso investir mais em outros potenciais econômicos
nessas regiões, como o turismo”, diz.
No
estudo da Fecomércio, 41% dos entrevistados disseram que essas cidades
têm outras vocações para geração de emprego e renda, também com destaque
para o turismo.
Mesmo
assim, os comerciantes torcem pelo retorno da mineração, mas com
estratégias que visam a segurança. Tanto que 73,5% deles acreditam que a
continuidade da atividade mineradora poderá contribuir para a melhora
da economia. Essa possibilidade moveu um percentual similar (75,2%) a se
posicionar contra a paralisação da mineração.
“Por
mais que essas cidades possuam outras matrizes econômicas, a renda
proveniente delas é, muitas vezes, volátil. É preciso encontrar novas
alternativas para que a população não seja penalizada duas vezes:
primeiro com a ruptura das barragens, depois com as consequências, que
vão da paralisação de serviços mineradores ao esvaziamento do turismo e
comércio locais”, finaliza o economista da Fecomércio, Guilherme
Almeida.
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