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Não por acaso que na tradição monástica cristã –para alguns, podendo ser resumida como "opção beneditina"– o estudo é uma das formas de se viver com Deus. Luiz Felipe Pondé via FSP:
Afinal, quem é Deus?
Moisés, na famosa passagem da sarça ardente no Sinal —livro do
"Êxodo"–, em que Deus o manda libertar os hebreus da escravidão no Egito
e levá-los até o monte Sinai para receberem os mandamentos divinos,
pergunta num dado momento: "E se me perguntarem quem me mandou, o que eu
respondo? Qual o seu nome? Quem é você?". Evidente que faço aqui uma
versão simplificada do texto bíblico.
Essa passagem é conhecida na tradição cristã como teologia
do Êxodo, a teologia em que Deus se dá a conhecer a Moisés, revela "um
pouco" quem Ele é, e se vincula à ideia de libertação da escravidão.
A
versão grega da Bíblia hebraica, conhecida como Septuaginta ("LXX", em
latim), teria sido uma versão grega de livros do Antigo Testamento ou
Bíblia hebraica feita por cerca de setenta —daí LXX, setenta em latim–
judeus gregos, nos três últimos séculos da era antes de Cristo.
Nesta
versão, Deus teria respondido à pergunta de Moisés algo como "Eu sou
quem eu sou". Dessa ideia surgirá a concepção de que Deus seria aquele
que é, ou seja, aquele que carrega seu ser em si mesmo.
À
diferença do restante dos seres existentes, Deus seria o único que é
"causa sui", ou seja, que é causa de si mesmo. Os demais seres são
causados por Ele. Deus seria —conversando um pouco com Aristóteles, que
nada sabia da Bíblia hebraica– o incausado que tudo causa, o
incondicionado que tudo condiciona, o imóvel que tudo move.
O
paralelo entre esse deus do Aristóteles e o Deus israelita é recusado,
por exemplo, pelo filósofo judeu do século 20 A.I. Heschel que, na sua
monumental obra "The Prophets", sem tradução no Brasil, nega que o Deus
de Abraão, dos patriarcas e de Moisés seja considerado imóvel, uma vez
que é puro páthos, ou paixão. Tampouco incondicionado, na medida que
reage apaixonadamente às ações dos homens.
De
qualquer forma, essa diferença ontológica entre Deus e os outros seres
criados por Ele —que, portanto, recebem o ser das mãos Dele, de graça,
pela eternidade— , ideia esta decorrente da resposta de Deus a Moisés
–que Ele é quem é–, fará escola no cristianismo e produzirá das mais
sofisticadas discussões teológicas acerca do ser de Deus e do nosso ser
frágil e dependente Dele.
Já
na versão hebraica, Deus teria dito "Eu serei o que serei", já que a
formulação do presente do verbo ser não existe, propriamente, em
hebraico. Eu diria "Eu brasileiro" e não "Eu sou brasileiro".
Pensando
a partir dai, teríamos a absoluta liberdade de Deus que seria,
portanto, impredicável e ilimitado —Deus multiplica o futuro pelo futuro
nesta formulação, portanto, Ele é absolutamente livre. Deus está fora
da linguagem e da representação.
Esse
caráter de Deus será também discutido no cristianismo naquilo que ficou
conhecido como teologia negativa ou apofática —o que não pode ser
enunciado na linguagem—, na esteira do tratado teológico mais curto do
cristianismo, conhecido como "Teologia Negativa" de Pseudo-Dionísio, o
Aeropagita, que viveu entre os séculos 5 e 6 da era cristã.
Deus
é superior à linguagem porque esta só representa o que é despedaçado
como ela, e, portanto, aquilo que pode ser "alocado" nas palavras, que
são, por sua vez, "pedaços" do todo.
A
teologia é um dos exercícios intelectuais mais sofisticados que existe.
Principalmente quando não está a serviço nem da direita evangélica que
brinca com a supressão do Estado laico no Brasil, nem, tampouco, com as
versões à esquerda, que querem nos fazer crer que o PT seja a
representação pura da santidade política democrática.
Deus
nos deixa mais inteligentes, ao contrário do que pensa o ingênuo
ateísmo militante. No judaísmo, a ideia de que Deus seja inteligente, e
de que buscar sê-lo seja uma espécie de mandamento, é comum. Pensar é
uma forma de se aproximar de Deus.
No
lusco-fusco cansativo do mundo em que vivemos, esse exercício
intelectual pode ser uma forma de repouso. Não por acaso que na tradição
monástica cristã –para alguns, podendo ser resumida como "opção
beneditina"– o estudo é uma das formas de se viver com Deus.
Postado há 6 hours ago por Orlando Tambosi
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