Artistas franceses defendem o fenomenal e encrencado ator, alvo de múltiplas acusações de abuso sexual e baixarias mostradas em documentário. Vilma Gryzinski:
“Não
podemos mais ficar calados diante do linchamento desfechado contra ele,
diante da torrente de ódio despejada contra sua pessoa, sem nuances,
ignorando a presunção de inocência da qual ele se beneficiaria se não
fosse o gigante do cinema que é.”
A
carta aberta assinada por 56 personalidades ligadas ao cinema, na
maioria veteranas como Carla Bruni e Charlotte Rampling, é um daqueles
documentos que só pode existir na França, o país onde há maiores
resistências ao “tribunal mediático” que envolve celebridades
encrencadas em denúncias de abusos sexuais.
Foi
lá, por exemplo, que circulou um documento contra o movimento #MeToo,
surgido nos Estados Unidos. Em Cannes, Woody Allen e Roman Polanski, com
todo seu prontuário, já foram aplaudidos de pé. É como se os franceses
estivessem respondendo aos puritanos americanos ou considerando que a
arte é maior do que os erros individuais. Gérard Depardieu merece ser
perdoado por ser um ator tão magnífico? Picasso, famosamente um canalha
com as mulheres, sobreviveu ao ambiente de hoje?
Gérard
Depardieu voltou à fogueira pública com um documentário apropriadamente
intitulado A Queda do Ogro, no qual são recuperadas cenas em que diz
obscenidades impublicáveis. As mais chocantes envolvem seus comentários
ao ver uma menina pré-adolescente participando de uma prova de equitação
na Coreia do Norte (nem perguntem o que ele estava fazendo lá).
Os
comentários referentes mulheres e cavalgada são repugnantes. Mas seriam
criminosos? Um homem pode ser condenado por piadas abjetas ditas em
particular?
RELAÇÃO DE PODER
O
documentário culminou um ano em que, por causa da expiração de um prazo
fixado nos Estados Unidos para denúncias de abuso sexual procedentes de
mulheres adultas, choveram acusações.
Alguns
dos nomes envolvidos: Sean Combs (antes conhecido como Puffy Daddy),
Axl Rose, Jamie Foxx, Steve Tyler, Russell Brand e uma longa lista de
menos votados. Na política, o ex-governador Andrew Cuomo e o atual
prefeito de Nova York, Eric Adams.
O
caso mais recente envolve Vin Diesel (nome verdadeiro: Mark Sinclair) e
uma denúncia de um ritual que se repete: homem famoso força
subordinadas que trabalham nos bastidores de filmes e shows a aceitar
seus avanços. As acusações só aparecem tempos depois, criando a
impressão de que as vítimas estavam intimidadas demais pela assimetria
na relação de poder – ou, na opinião dos críticos, esperaram até
entender as vantagens financeiras que poderiam tirar.
Obviamente,
não existe alternativa fora da justiça para definir a culpa, mas a fama
dos envolvidos acaba arrastando os casos para o tribunal da opinião
pública, turbinado infinitamente pelas redes sociais.
Gérard
Depardieu está há muito tempo no olho desse furação. Primeiro, por suas
encrencas com o fisco que o levaram a mudar de residência para a
Bélgica e, depois, para a Rússia de Vladimir Putin. Em troca de elogios,
recebeu um passaporte russo e outras honrarias em 2013. Quando a
Ucrânia foi invadida, teve a coragem de dizer que era contra “essa
guerra fratricida” e defender negociações.
O
fenomenal ator já foi investigado por uma denúncia de abuso sexual em
2018 – com o caso arquivado por falta de provas. Mas a acusação abriu
uma porta e surgiram treze mulheres com casos parecidos. A mais recente
foi feita em julho e envolve uma assistente de produção que, depois de
vários episódios de comentários obscenos e “mãos bobas”, diz ter sido
acuada num corredor, onde Depardieu baixou as calças e mostrou o órgão
sexual.
“VIVO ESCONDIDA”
De
maneira altamente subjetiva, é difícil não ver Depardieu, com sua
personalidade excessiva e transgressora, fazendo isso. Mas a atriz
Carole Bouquet, que teve um longo relacionamento com o “ogro”, afirmou
que ele “é capaz de ser grosseiro e ter um humor limítrofe, mas é
incapaz de fazer mal a uma mulher”. Cita como exemplo seus “dez anos de
sexualidade” com ele.
A atriz também declarou que “teme por ele” e que o cancelamento em massa “pode matar um homem”.
O
presidente Emmanuel Macron também fez declarações – muito criticadas –
de que não pediria a devolução da Legião da Honra de Depardieu enquanto a
justiça não se pronunciasse. Também se declarou um admirador do “grande
ator”.
Em
contrapartida, a atriz Charlotte Arnould, a autora da denúncia inicial,
já disse que Depardieu “trabalha enquanto eu vivo escondida e em
silêncio. Passo meu tempo sobrevivendo”.
“Fui violentada por Gérard Depardieu em agosto de 2018”, escreveu.
A
justiça concluiu que não foi possível “caracterizar as infrações
denunciadas em todos seus elementos constitutivos”. Ou seja, o ogro saiu
com a ficha limpa.
Em quem acreditar?
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