O clima de velório no peronismo é apenas um dos aspectos do que o tsunami Milei criou num quadro eleitoral em que o impossível acontece. Vilma Gryzinski:
O
triunfalismo foi perfeitamente justificado nas declarações de Javier
Milei depois de ser o candidato mais votado nas prévias presidenciais,
com 30% das preferências.
“Tínhamos
como primeiro objetivo ir para o segundo turno, mas face a esse número
imponente, temos mérito para poder ganhar no primeiro turno”.
A
euforia da vitória tem, certamente, muito a contribuir para esse tipo
de declaração. Mas Milei não pode mais ser tratado como um maluco que
capricha nos maiores absurdos imagináveis.
A
vitória no primeiro turno acontece quando o candidato tem o mínimo de
45% dos votos válidos. Milei ganhou as primárias em 16 das 24 províncias
argentinas e foi bem votado em todas as classes sociais, inclusive nas
regiões mais pobres, consideradas voto cativo do peronismo pela chuva de
benefícios que viram ilusão quando a economia se desmancha.
Essa
coisa de voto cativo já era, principalmente se o candidato peronista é o
ministro de uma economia que vai para os 112% de inflação e
estonteantes 685 pesos o dólar — o oficial foi congelado em 365, recurso
dos desesperados.
O
ambiente fúnebre entre os partidários de Sergio Massa retratou à
perfeição a reação na frente agora chamada de União pela Pátria. Massa
teve 21% dos votos e o ultraesquerdista católico Juan Grabois, 6%.
Juntos, ficaram atrás de Milei e também dos dois candidatos da oposição
tradicional, Patricia Bullrich (15%) e míseros 11% para Horacio
Rodríguez Larreta, o sensato administrador que é atualmente prefeito de
Buenos Aires.
Pelo
menos nessa primeira etapa, os argentinos mostraram que não querem
saber de sensatez. E que um defensor de ideias ultraliberais — esqueçam a
bobagem de extrema direita — pode ter pelo menos uma noite com sabor de
vitória num dos países mais estatizantes do planeta.
“Acho
que nós fizemos um diagnóstico e as pessoas entenderam”, comemorou
Milei. “Fizemos o trabalho da melhor maneira que pudemos e com os
recursos que tínhamos. Falamos à sociedade com verdade, com o que
acreditamos, e isso passa para as pessoas. Não somos um focus group,
defendo as ideias da liberdade porque é nisso que acredito”.
“A Argentina se tornou um país miserável, com 45% de pobres”.
“Aqui
não é um problema de cozinheiro, mas de receita. Se não fizermos uma
guinada de 180 graus, a Argentina vai virar o país mais pobre do mundo.
Nós propomos essa guinada. Os únicos que resistem a entender isso são os
políticos. Porque, para eles, nada vai mal. Para quem vai mal é para os
argentinos. A Argentina dos últimos quarenta anos foi um desastre”.
O
discurso de um candidato exótico agora se transformou em palavras que
devem ser levadas em consideração — mesmo que, na hipótese mais extrema,
Milei seja eleito presidente, propostas radicais como dolarização, fim
do Banco Central,
eliminação progressiva dos “ministérios sociais” e vasta abertura
econômica para atrair investimentos que criem uma realidade de
prosperidade quase mágica na Argentina jamais passariam pelo
legislativo.
Obviamente, ele teria uma ampla legitimidade se ganhasse no primeiro turno. Isso é possível? Teoricamente, não é impossível.
Os
cenários de segundo turno agora são de Milei contra Bullrich ou Milei
contra Massa. Não pode ser totalmente eliminada a hipótese de Bullrich
contra Massa caso algum grande escândalo aflore e engula o candidato
alternativo.
Nessa
hipótese, nada garante que Milei aconselhasse seus eleitores a votar em
Patricia Bulllrich, com quem tem um agravo pessoal, considerando que
ela e o marido tramaram revelações constrangedoras contra ele. Apesar do
bom relacionamento com Mauricio Macri, uma aproximação entre os dois
candidatos oposicionistas no momento parece impossível.
Muitos
analistas argentinos disseram, depois da penúltima eleição presidencial
no Brasil, que na Argentina acontecia muita coisa, mas “jamais
aconteceria um Jair Bolsonaro”.
Pois é, agora aconteceu Javier Milei.
“A
sociedade argentina mudou e não é a dos últimos dez anos”, disse ao La
Nación o consultor Alejandro Catterberg. “Não é mais kirchneerismo
contra antikirchnerismo. Isso ficou velho. A onda de desencanto é o que
alimenta Milei. Se essa onda continuar crescendo, pode transformá-lo em
presidente”.
Pode ser exagero, pode ser uma avaliação objetiva.
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
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