Em seus dois primeiros mandatos, Lula recorrentemente tomou decisões na política externa que favoreceram esses vizinhos, mesmo em situações que batiam de frente com os interesses brasileiros. Diogo Schelp para a Gazeta do Povo:
A
Venezuela formalizou na semana passada o seu pedido para integrar o
Brics, grupo de países emergentes que, como indica o acrônimo, é
composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (o "s" de
South Africa, em inglês). O país latino-americano junta-se, assim, a uma
extensa lista de nações, perto de 40, que manifestam interesse em
ingressar no grupo, que precisaria até mudar de nome, sob o risco de se
tornar uma sigla impronunciável (Bricsvaibecei?). Chama a atenção, entre
os possíveis candidatos, o grande número de ditaduras, como Arábia
Saudita, Irã, Cuba, Egito, Emirados Árabes Unidos... O Brics vai se
tornar um clube de regimes autoritários?
Não
que a configuração atual do Brics se caracterize pelo apego à
democracia. China e Rússia são ditaduras, enquanto Brasil, Índia e
África do Sul são classificadas como "democracias falhas" pelo Índice de
Democracia da revista britânica The Economist.
É
verdade que o Brics não foi formado em torno de similaridades entre os
sistemas políticos dos países, mas sim de fatores econômicos e
geopolíticos — como as condições materiais para o crescimento, a
grandeza territorial, a disponibilidade de matéria-prima e mão-de-obra e
a vocação natural para serem potências regionais. O Brics serve para
que os integrantes discutam temas de interesse mútuo e cooperem para
alavancar o desenvolvimento de suas economias e para ampliar sua
influência internacional.
Ocorre
que, com o passar do tempo, com o crescimento exponencial da China,
tanto em termos econômicos como geopolíticos, a liderança de Pequim no
grupo tornou-se cada vez mais saliente. Enquanto o grupo for restrito a
cinco membros, no entanto, essa influência ainda pode ser balanceada
pela atuação dos outros. Se o grupo for ampliado, porém, o poder
relativo dos membros mais "fracos", como é o caso do Brasil, vai ser
diluído.
Por
esse motivo, não interessa ao Brasil a ampliação desenfreada do grupo.
Na configuração atual, o Brics é um fórum que dá projeção e prestígio à
diplomacia brasileira. Ampliado, o grupo se tornará com mais clareza um
instrumento de influência global da China, que anseia por instâncias
multilaterais com as quais possa fazer frente aos espaços de discussão
global das potências ocidentais dos quais não faz parte, como o G7
(grupo das economias mais avançadas do mundo), liderado pelos Estados
Unidos, ou a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico).
O
interesse da diplomacia brasileira pelo Brics perpassa governos e
ideologias. Estabelecido em 2009, no governo Lula, o Brics fez parte das
prioridades da política externa na presidência de Michel Temer
(2016-2018), que de resto pouco ou nada aproveitou da diplomacia
lulista, e também não foi ignorado pelos estrategistas externos de Jair
Bolsonaro. No plano de governo de Bolsonaro na campanha para a
reeleição, no ano passado, o Brics era citado, ao lado do G20 (grupo que
reúne as maiores economias do mundo), como exemplo da participação do
Brasil em "agrupamentos de países, voltados ao enfrentamento de desafios
políticos e econômicos globais".
Apesar
de uma possível expansão do Brics não ser do interesse estratégico do
Brasil, Lula tem se manifestado publicamente a favor dessa hipótese —
com ênfase para o ingresso da Argentina e da Venezuela. Em seus dois
primeiros mandatos, Lula recorrentemente tomou decisões na política
externa que favoreceram esses vizinhos, mesmo em situações que batiam de
frente com os interesses brasileiros. Costumava-se dizer, na época, que
isso ocorria "por ideologia", mas descobriu-se depois que a verdadeira
motivação era beneficiar grupos empresariais amigos com interesses
comerciais nesses países, principalmente na Venezuela.
E agora, o que move Lula a apoiar algo que os diplomatas de carreira do Itamaraty, silenciosamente, consideram descabido?
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
Nenhum comentário:
Postar um comentário