sábado, 29 de abril de 2023

O Brasil voltou: cuidado com bolsas e carteiras.

 

BLOG  ORLANDO  TAMBOSI
 

O Brasil voltou de onde? Seria ótimo se o Brasil viajasse para bem longe e deixasse um pouco os brasileiros em paz. Via Crusoé, a crônica de Ruy Goiaba:


Acho difícil imaginar um slogan mais irritante para o governo Lula do que esse “O Brasil voltou!”, escrito com exclamação no site da Secretaria de Comunicação da Presidência. Os gênios da publicidade governamental não conseguiram nada melhor do que requentar o lema do “golpista” Michel Temer? Além disso, voltou de onde? Seria ótimo se o Brasil viajasse para bem longe e deixasse um pouco os brasileiros em paz. Em vez disso, nas últimas cinco décadas, todo santo dia eu acordo, lavo o rosto, escovo os dentes, tomo café (não interajo com nenhum ser vivo antes de estar devidamente cafeinado) e tristemente constato que continuo cercado de Bananão por todos os lados.

A intenção do slogan é óbvia, e aliás está claríssima no site da Secom: o que voltou foi o Brasil “do cuidado”, “do desenvolvimento”, “do respeito”, “do diálogo” etc. São os petistas se apresentando como ursinhos carinhosos, coisa que o modus operandi do partido desmente há mais de 40 anos: fica fácil quando o sarrafo é tão baixo quanto os quatro anos da suposta gestão de Jair Bolsonaro. Assim: não deveria ser necessário dizer que é de bom-tom não matar índio, não tocar fogo na floresta, não socar cloroquina em gente com Covid, essas coisas. É o básico do básico, e eu fico curioso para saber até quando o governo Lula apresentará como grande qualidade “pelo menos a gente não é o Bolsonaro” — e olhem que nem o Jair conseguiu produzir uma idiotice no nível de dizer que a Ucrânia, o país invadido, é tão culpada pela guerra quanto os invasores russos.

O fato é que Bolsonaro é brasileiríssimo — e não só porque, mesmo perdendo a eleição, recebeu 58 milhões de votos. Não é um desvio de rota: o governo dele foi consequência, não causa, e toda a barbárie que lhe é associada tem raízes antigas na sociedade brasileira. Lula, evidentemente, também é brasileiro até dizer chega, e essas duas coisas juntas são um bom retrato da nossa tragédia. Não tenho mais paciência para gente dizendo a sério que “o verdadeiro Brasil” está, sei lá, na prosa de Machado de Assis ou na poesia de João Cabral de Melo Neto. O verdadeiro Brasil é uma pocilga, dentro da qual esses dois (e outros) são exceções luminosas. Claro, é a nossa pocilga, e milhões de brasileiros trabalham o dia inteiro para ter ao menos um chiqueiro ajeitadinho. Raramente conseguem.

Enquanto a gente não pode mandar o Brasil comprar cigarros e não voltar nunca mais, vamos todos matar a saudade do que sempre foi: presidente da Petrobras reclamando de sua “máquina de proibir coisas” — que só existe porque o PT e seus aliados fizeram uma farra na estatal —, sindicalistas ligados ao partido assumindo os fundos de pensão dos Correios e do BB e Jorge Viana mudando o estatuto da Apex para poder assumir o cargo sem falar inglês, além de empregar na agência promotora de exportações amigos como um cantor e um mochileiro: the cabide de emprego is on the table. Tá bom, o eleitor brasileiro escolheu isso aí mesmo, vamos nessa. Só sugiro incluir no slogan algo que já deveria ter substituído o “ordem e progresso” faz tempo: o Brasil voltou, cuidado com bolsas e carteiras. Ou “crime ocorre, nada acontece, feijoada”. Ou “7 a 1 foi pouco”.

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A GOIABICE DA SEMANA

O melhor do Brasil talvez seja a criatividade onomástica do brasileiro: gosto de gente ousada que, em vez de simplesmente batizar o filho como Enzo Gabriel ou Kauã Felipe, dá asas à sua imaginação sem medo de ser vítima de parricídio ou matricídio (o que talvez seja justificado em alguns casos). Imaginem minha alegria quando, alertado por um amigo, soube que o superintendente do Incra em Minas Gerais se chama Batmaisterson Schmidt, certamente por culpa da série americana Bat Masterson, popularíssima no Brasil dos anos 60. O que dá aquele toque de brasilidade é justamente o erro na grafia do nome, como no caso do falecido delegado Hitler Mussoline ou da legião de jogadores chamados Maicon. Aliás, prevejo para breve um surto de Riquelmes (Ryquelmes, Rikelmys) no futebol do Bananão — nenhum deles jogando a bola que Juan Román jogava.

O ex-jogador argentino Juan Román Riquelme, que inspira nomes errados no Brasil
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