BLOG ORLANDO TAMBOSI
Apesar da troca de governo, Brasil tenta manter neutralidade histórica do Itamaraty para evitar atritos com Moscou, mas postura será insustentável caso guerra escale. Carolina Marins para o Estadão:
Um ano após o início da guerra na Ucrânia,
o Brasil tenta equilibrar sua posição de neutralidade no conflito e
lançar-se diplomaticamente como intermediador de um plano de paz, o que
desperta descontentamentos entre americanos, europeus e ucranianos.
Embora o Itamaraty de Lula esteja revertendo as políticas do governo de Jair Bolsonaro,
a posição frente à invasão russa se manteve ambígua, uma estratégia que
especialistas e embaixadores questionam se será viável manter caso a guerra escale.
“Aquela
ideia de que o Brasil é sempre distante e quer ficar em cima do muro,
por um lado nos deu uma certa tranquilidade, mas por outro poderá
colocar o Brasil numa situação difícil daqui para frente”, aponta o
professor de Relações Internacionais da FGV, Guilherme Casarões.
“Porque, dependendo do agravamento da guerra, o Brasil vai ser instado a
se posicionar, e a gente não sabe exatamente como que o Brasil vai
conseguir atuar.”
A posição do Ministério das Relações Exteriores frente ao conflito na Europa é
o grande “elefante na sala” da diplomacia brasileira, apontam
analistas, em referência à expressão inglesa para problemas
desconfortáveis que são deixados de lado para evitar conflitos. Assim
como demais nações emergentes, o Brasil, sob o comando do chanceler Mauro Vieira, optou por não isolar a Rússia e adotar uma postura de diálogo com ambas as partes do conflito.
Isso
ocorre porque, ao mesmo tempo, o País possui laços políticos e
comerciais importantes com americanos e a União Europeia e tem, do outro
lado do conflito, um parceiro brasileiro de longa data que sustenta o
consumo de fertilizantes e integra o Brics.
Esta reportagem faz parte da série especial do Estadão sobre o primeiro ano da guerra.
Ao longo dos próximos dias, a cobertura do jornal abordará o papel do
Brasil na guerra, as perspectivas do conflito para o futuro, os arsenais
dos dois países envolvidos nos combates e o drama dos refugiados.
“A diplomacia brasileira até agora, e já no governo Bolsonaro, adotou uma linha ambígua”, aponta o ex-embaixador do Brasil em Washington, Rubens Ricupero. “O Brasil votou para condenar a invasão nas Nações Unidas,
mas nas outras vezes se absteve. Quando condenou fez uma declaração
dizendo que não aprovava o fornecimento de armas à Ucrânia.”
Ainda sob o comando de Bolsonaro, o Brasil votou no Conselho de Segurança da ONU por condenar a invasão russa,
mas se absteve de condenar a anexação ilegal de territórios,
responsabilizar Moscou e até de deixar Volodmir Zelenski discursar na
Assembleia-Geral.
Sob Lula, o País decidiu rejeitar o envio de munições à Ucrânia, apesar dos apelos do chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, em visita a Brasília em janeiro. No início deste mês, no entanto, o presidente aumentou as críticas à Rússia durante a visita a Joe Biden nos EUA.
Na ocasião, o presidente brasileiro lamentou “a violação da integridade
territorial da Ucrânia pela Rússia” e ainda citou “violações flagrantes
do direito internacional” por Moscou.
Neutralidade ou conivência?
A
decisão de Lula de não ajudar os ucranianos, no entanto, pode ser vista
como um apoio tácito à Rússia, na avaliação de diplomatas e
ex-embaixadores. “O Ocidente não fornecer armas à Ucrânia para se
defender seria condená-la à anexação total pela Rússia”, lamenta o
ex-embaixador do Brasil nos EUA e na China, Roberto Abdenur.
Uma
afirmação semelhante foi feita por Rubens Ricupero. “Ser neutro diante
da barbaridade que está acontecendo é ser, na prática, leniente ou quase
conivente com a Rússia”, completa Abdenur.
Declarações
recentes da chancelaria russa corroboram essa visão. Na quinta-feira,
23, o vice-ministro de Relações Exteriores da Rússia, Mikhail Galuzin
elogiou a posição do Brasil na guerra e prometeu analisar uma proposta de paz sugerida por Lula, desde que as condições na linha de frente permitam uma negociação.
Comércio com a Rússia
Outro
importante motivo é não prejudicar as relações comerciais com Moscou,
responsável por grande parte das importações de fertilizantes do Brasil, especialmente em um cenário de rusgas entre o novo governo e o agronegócio.
Apesar
das sanções ocidentais à Rússia, o comércio entre Brasil e Moscou
aumentou em 2022, seguindo uma tendência crescente que se desenha desde
2020, segundo dados do Ministério da Economia. As importações de
produtos russos em 2022 foram 37% maiores que em 2021, enquanto as
exportações cresceram 23%. O país foi o 6º maior vendedor de produtos
para o Brasil, sendo que 71% desse comércio foi de adubos e
fertilizantes químicos.
“A
Rússia acaba sendo uma economia muito central na produção de insumos e
seria difícil substituí-la tão rapidamente”, pontua Christopher
Mendonça, professor de Relações Internacionais do Ibmec-BH. “Mas
evidentemente há alternativas no médio e longo prazo. Inclusive o
próprio Brasil já tem produzido fertilizantes nacionais.”
Ainda
assim, o comércio do Brasil com a Rússia representa menos de 3% de todo
comércio brasileiro, nada em comparação com China e Estados Unidos,
alerta Abdenur. “Mesmo que o Brasil condenasse a Rússia, a Rússia está
precisando de dinheiro e ela não deixaria de vender fertilizante para o
Brasil, porque ela precisa de dinheiro. Tanto que ela está vendendo muito petróleo e gás para China e Índia”, exemplifica o diplomata.
Russos e chineses
Em abril, está programada a visita do chanceler russo Serguei Lavrov
ao Brasil. Abdenur pontua que fechar às portas ao russo não seria uma
opção, mas é preciso tomar cuidado com manifestações calorosas à Rússia
neste momento.
Em
entrevista ao UOL logo após a visita de Lula a Biden, o chanceler
brasileiro afirmou que a mensagem a ser dada a Lavrov na visita será de
condenação à guerra, ao mesmo tempo que abrirá espaço para o diálogo.
Antes, o presidente brasileiro viaja à China, onde pretende levar seu plano de um grupo emergente para negociar a paz na Ucrânia a Xi Jinping.
Nesta
quinta-feira, 23, a Assembleia-Geral da ONU aprovou por 141 votos uma
nova resolução que busca “uma paz abrangente, justa e duradoura na
Ucrânia” e pede a retirada imediata das tropas russas, em que há trechos
com elaboração da diplomacia brasileira. As resoluções da assembleia
não são vinculantes, mas carregam peso simbólico e não podem ser vetadas
pela Rússia como ocorre no Conselho de Segurança.
Em paralelo, a Ucrânia trabalha para quebrar a neutralidade da América Latina como um todo.
Em entrevista coletiva no dia 15 de fevereiro, o ministro das Relações
Exteriores da Ucrânia, Dmitro Kuleba, afirmou que Kiev prepara uma
política externa específica para a região e espera aprofundar relações
com o Brasil.
Postado há Yesterday por Orlando Tambosi
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