BLOG ORLANDO TAMBOSI
Poderíamos ter escapado da polarização política, mas preferimos repetir os velhos problemas. Lygia Maria para a Folha de São Paulo:
Ano
novo, vida nova. Menos para o brasileiro, esse personagem nietzscheano
confinado no conceito de "eterno retorno" —segundo o qual tudo o que já
se viveu será vivido da mesma forma, para sempre. Em matéria de poder,
eis o nosso fardo. Parafraseando o filósofo alemão, "a eterna ampulheta
da política será sempre virada outra vez, e o eleitor com ela, poeirinha
da poeira!".
Jair Bolsonaro,
que se elegeu como epítome de uma tal nova política, repetiu os velhos
conchavos, fisiologismos e maracutaias que viraram tradição nacional. De
novo mesmo, apenas o desvario e a covardia, isso não podemos negar.
Nunca um presidente proferiu tantos impropérios. Nunca um presidente fugiu do país só para não ceder a faixa ao próximo mandatário —como exigem o espírito republicano e a etiqueta dos civilizados.
"Temos
um novo presidente", dirão. Mas o que aparenta ser atual já chega
defasado. Pelo menos a intenção para a política econômica demonstrada
até agora é uma velha conhecida: o surrado aumento populista de gastos
públicos, a estratégia arcaica dos "campeões nacionais", a caduca
oposição a privatizações.
A
mesmice não assola apenas o campo institucional. No debate público
cotidiano, da conversa de botequim às redes sociais, a polarização
seguirá bradando palavras de ordem, atrapalhando a vida do cidadão que
queria apenas tomar uma cerveja ou rir de um meme em paz.
Nas eleições, tivemos oportunidade para, ao menos, mudar de problemas, mas preferimos manter os antigos.
Um
outro filósofo, agora francês, também falou sobre uma vida baseada na
repetição incessante e sem sentido a partir do mito grego de Sísifo, que
foi condenado a rolar uma rocha até o topo da montanha para, no dia
seguinte, refazer seu martírio sem fim. Albert Camus atesta, com a
metáfora, o absurdo da existência. Contudo aponta uma saída menos
trágica: "é preciso imaginar Sísifo feliz".
Sem ilha de novidade à vista, neste mar eternamente navegado, só nos resta imaginar o brasileiro feliz.
Postado há 3 days ago por Orlando Tambosi
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