O noticiário foi marcado pelo pronunciamento do presidente russo e pela repercussão do filme de Andrew Dominik. João Pereira Coutinho para a FSP:
1. Missão cumprida, pensa Vladimir Putin: sete meses depois do início da invasão da Ucrânia,
o Kremlin formalizou a anexação de quatro regiões do país vizinho. "São
agora parte da Rússia para sempre", afirmou Putin, e a Constituição
russa assim o determina: territórios adquiridos não podem ser alienados.
Apenas defendidos por todos os meios disponíveis, inclusive por armas
nucleares.
Eis
o problema que o Ocidente democrático enfrenta: chegar a um cessar-fogo
é garantir meia vitória para Putin (vitória inteira seria uma mudança
de regime em Kiev).
Continuar a luta é obrigar Putin a mostrar o seu jogo –e, como afirmam
os melhores analistas, a romper definitivamente o acordo informal que
celebrou com os russos: esqueçam a política, a democracia e outras
fantasias "liberais" e o Kremlin esquece a forma como vocês vivem as
vossas vidas, garantindo um mínimo de conforto para todos.
Não
mais. A mobilização "parcial" já começou a reverter esse pacto. E,
quanto mais a guerra durar, mais a população optará por fugir (ou,
melhor ainda, resistir).
Só
os ucranianos saberão o que fazer. Pessoalmente, sempre acreditei que
deixar Putin à solta não compra paz nem segurança a médio prazo: o que
ele fez na Ucrânia será replicado em outras ex-repúblicas soviéticas.
Apesar
disso, não é de excluir que se chegue a um ponto em que a Ucrânia
considere vantajoso um cessar-fogo com condições. Primeira condição: a
entrada do país na Otan. Segunda condição: a entrada do país na União
Europeia.
Horas depois do discurso triunfalista de Putin, parece que o presidente Zelenski submeteu a candidatura da Ucrânia à Otan. É um gesto simbólico, eu sei.
Mas o que aconteceria se Kiev estivesse disposta a trocar 20% do território por garantias efetivas de defesa e acesso ao grande mercado europeu?
Talvez esse fosse o maior dos pesadelos (e das derrotas) para Putin.
2. Julgava eu que o momento mais repugnante do cinema americano moderno acontecia no filme "The Doors", do insuportável Oliver Stone. Falo da sequência em que Jim Morrison tem um encontro sexual com a cantora Nico no elevador.
Maus
momentos, todos temos. Mas é preciso ser Oliver Stone para filmar Nico,
de joelhos, a reconfortar o famoso "poeta" (manter as aspas, por
favor).
Há um novo registro na Netflix: o filme "Blonde", de Andrew Dominik, o
neozelandês que tinha deixado uma boa impressão com "O Assassinato de
Jesse James pelo Covarde Robert Ford" e, sobretudo, com o documentário
sobre Nick Cave, "This Much I Know to Be True".
O filme, vagamente baseado no livro homônimo de Joyce Carol Oates,
pretende contar a vida de Norma Jeane, conhecida por Marilyn Monroe,
embora o exercício seja outro: arrastar o corpo (e a memória) de Marilyn
pela sarjeta e entregá-lo na cama de John F. Kennedy, onde o presidente exige a Marilyn o mesmo tipo de serviço que Jim Morrison nem precisava pedir a Nico. Repugnante?
Não na cabeça de Dominik, que se imagina a denunciar o sistema machista que levou Marilyn Monroe à loucura e ao suicídio.
Marilyn
foi "um pedaço de carne" para os homens, parece gritar Andrew Dominik,
sem perceber a ironia da coisa: é ele quem reduz Marilyn a um "pedaço de
carne" batido e sofrido, sem jamais respeitar a dimensão gloriosa de
Marilyn como atriz. Mais ainda: como atriz que soube sublimar a matéria
frágil e traumatizada de que era feita em papéis memoráveis de humor,
malícia e falsa ingenuidade.
Pobre
Marilyn. Eu já sabia que ela não teve sorte com os homens durante a
vida. Mas lamento que o mesmo destino a acompanhe depois da morte.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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