Na história da República, os presidentes eleitos costumavam ser patrocinados ou pela elite política de São Paulo, ou pela de Minas Gerais. Bruna Frascolla para a Gazeta do Povo:
Voltemos
aos governadores de São Paulo, e desta vez partamos logo para a Nova
República, que há de interessar mais aos leitores de colunas. A
cronologia completa sairá num ebook neste jornal após ser revisada e
rearranjada.
O
que motivou esta série é a excepcionalidade de Tarcísio de Freitas.
Pela primeira vez na História, São Paulo está para eleger um indicado de
Brasília. Outros estados já elegeram indicados de Brasília antes. A
Bahia, por exemplo, elegeu no primeiro turno um petista inexpressivo na
política local após Lula se consolidar no poder. A Bahia, bem como
outros estados do Nordeste, é governista. Aonde o Brasil vai, os estados
governistas vão atrás – com maior ou menor atraso. Já a tradição de São
Paulo é diferente. O estado não só não se submete ao governo federal,
como seus governadores se enxergam como postulantes à presidência da
República, seja como oposição ou situação. Non ducor, duco, é o lema da
sua capital.
No
entanto, nesta eleição São Paulo repetiu um padrão: a capital votou
contra o estado. O estado de São Paulo quer Bolsonaro e Tarcísio; a
cidade de São Paulo quer Lula e Haddad – mesmo tendo dado uma votação
irrisória a Haddad em sua tentativa de reeleição à prefeitura. Esse
padrão não lhe é peculiar. Quando a Bahia era carlista (i. e.,
partidária de ACM), Salvador era oposição. Quando a Bahia virou petista,
Salvador virou carlista. No entanto, as semelhanças não podem ser
levadas muito longe nesse quesito. Afinal, o atual embate entre o
interior e a capital baianos expressa uma briga entre as forças baianas
autônomas e as que se põem a serviço de uma cúpula nacional. Acima de
ACM não há ninguém; acima dos petistas baianos está Lula. E mais: essas
forças externas nunca conseguiram fazer um prefeito na capital; Salvador
nunca teve prefeito petista, sempre mandaram lá as elites locais.
Em
São Paulo, dá-se o oposto. As forças em oposição, PT e PSDB, são ambas
gestadas em São Paulo -- mais precisamente, na Universidade de São
Paulo. Ambas as forças se provaram capazes de chegar à presidência da
República. Mas, ainda assim, o estado se manteve uma fortaleza
inexpugnável do antipetismo. Temos o caso curioso em que um partido da
capital conseguiu ascender à presidência, e, ainda assim, não conseguiu o
governo do estado.
A república do café sem leite
Em
2018, o Brasil elege para a presidência uma figura periférica, um
parlamentar do baixo clero eleito sucessivas vezes pelo Rio de Janeiro.
Na história da República, os presidentes eleitos costumavam ser
patrocinados ou pela elite política de São Paulo, ou pela de Minas
Gerais. As exceções foram Vargas (ex-ditador), Dutra (indicado por
Vargas) e Fernando Collor (alagoano). Na Nova República, Minas Gerais só
elegeu um presidente: Tancredo Neves, que morreu antes de assumir. O
ineditismo de Tarcísio veio logo após essa ruptura no âmbito federal. O
Rio de Janeiro nunca elegeu presidente na história da República. (Até
bateu na trave, com Nilo Peçanha.)
É
notório que a República Velha costumava revezar entre São Paulo e
Minas. Isso era visível a olho nu porque as elites políticas eram todas
rurais, bem localizadas em seus devidos estados e bem francas quanto aos
interesses no governo. Com a urbanização, a ideologia começa a entrar
em cena para persuadir o cidadão comum. No entanto, isso não faz
desaparecerem elites regionais – ao contrário, multiplica-as, na medida
em que faz surgir novos poderes econômicos. Assim, a análise política no
Brasil urbano vem atentando demais à ideologia e esquecendo a dimensão
regional da política. Tanto é que as demais fases da República que
tiveram eleições diretas para presidente mantiveram o esquema café com
leite até ficar só no café, e ainda assim tudo se passa, na análise
política, como se se tratasse somente, ou sobretudo, de disputa
ideológica.
Os governadores da Nova República
Durante
a Nova República, São Paulo elegeu seis governadores: Quércia (86),
Fleury (90), Covas (94 e 98, primeiro tucano eleito), Alckmin (2002,
2010 e 2014), Serra (2006) e Doria (2018). Curiosamente, aí não está
nenhum nome de presidente. Ainda assim, quase todas as eleições da Nova
República tiveram algum desses nomes entre os candidatos presidenciais:
89, Covas pelo PSDB; 94, Quércia pelo PMDB; 2002, Serra pelo PSDB; 2006,
Alckmin; 2010, Serra; 2018, Alckmin. Da lista de governadores, vale
mencionar que Doria chegou a largar o cargo de governador para concorrer
à presidência. E quanto aos anos faltantes, são só 98 e 2014. Em 2014, o
PSDB pela primeira vez deixou um candidato mineiro concorrer (Aécio
Neves, neto de Tancredo Neves). Já 98 foi um ano bastante atípico, pois
foi o primeiro em que valia a emenda de reeleição proposta por FHC.
O
próprio FHC tem um perfil atípico entre os presidentes paulistas. Ele é
o primeiro presidente de São Paulo da História a se eleger presidente
do Brasil sem ter sido governador de São Paulo antes. Era um professor
universitário sem qualquer experiência eleitoral que ocupara, meio no
improviso, o Ministério da Economia no governo Itamar (mineiro vice de
Collor). O estabelecimento de FHC na presidência coincidiu com a eleição
de Covas por dois mandatos no estado.
Depois
de FHC veio o PT, mas o estado permaneceu tucano e tentou, sem sucesso,
levar seus governadores à presidência. Por outro lado, a capital de São
Paulo se mostrava seletiva perante o PSDB: desde a redemocratização,
ela só aceitou os tucanos Serra (2004), Dória (2006) e Bruno Covas
(2020). Por outro lado, o candidato Geraldo Alckmin foi rejeitado pela
capital duas vezes (2000 e 2008), já depois de ter sido governador.
Talvez tenhamos um padrão aqui: Alckmin fez carreira política em
Pindamonhangaba, ao passo que todos os demais tinham sua vida na
capital. Se a capital rejeita os interioranos, o estado, por outro lado,
rejeita os políticos sem lastro no interior – que é o caso do PT.
Interior versus capital – precedentes
Olhando
para a República Velha, vemos que, para ter peso na democracia, um
estado precisa ter uma quantidade de eleitores grande e ser
politicamente coeso. O Rio Grande do Sul passou a ser importante quando
Getúlio Vargas unificou os gaúchos, que até então viviam entre guerras
civis. Enquanto isso, São Paulo se dividia entre interior e capital, com
a capital querendo sair do Café com Leite e o interior querendo
mantê-lo. Nessa hora, quem veio em socorro do estado de São Paulo foi a
Bahia, um colégio grande e com votos fáceis de serem vendidos pelo
coronel local. O paulista interiorano Júlio Prestes concorreu à
presidência contra Getúlio Vargas tendo, como vice, o ex-governador
baiano Vital Soares. A Bahia continua na mesma até hoje: é força de
manutenção do status quo. Já o vice de Getúlio era o paraibano João
Pessoa, sobrinho do ex-presidente Epitácio Pessoa, e se ocupava então de
perseguir o sertão, com impostos interestaduais abusivos, a fim de
fortalecer o porto no litoral. Lá o comércio sertanejo, que atravessava
os estados por via terrestre, deveria ser desviado para o porto. Assim
era a briga interior versus capital.
No
campo econômico, Getúlio Vargas pacificara o Rio Grande do Sul
sacrificando os banqueiros. Os estancieiros queriam crédito barato; os
banqueiros queriam crédito alto. Bancos públicos agradam os estancieiros
e desagradam banqueiros. Com o Plano de Valorização do Café, o São
Paulo da República Velha fazia do café em espécie um artigo de
especulação financeira. Assim, não havia conflito de interesses entre
banqueiros e cafeicultores: o café era estocado a fim de criar altas,
manipulando o mercado. Acaba a política, é natural que venha a crise
dentro do estado: banqueiros de um lado, ruralistas de outro.
Briga hoje é Faria Lima versus agro
Olhando
para trás, é razoável vermos a República Nova como a nacionalização de
uma briga doméstica de São Paulo, na qual a capital vinha ganhando até
agora. Os paulistanos não têm quórum em casa? Vão então ao Nordeste e
fincam bem os pés no seu estado mais populoso, a Bahia. Uma das
primeiras medidas de Lula é “libertar” o Brasil do FMI… Como? Pegando
empréstimos a juros altos em bancos privados para quitar a dívida de
juros baixos (4% ao ano) do FMI. Por isso Lula é amado por banqueiros e
pela Faria Lima.
O
rival natural dos banqueiros privados é o BNDES, criado para dar juros
baixos e fomentar a economia nacional. Boa parte do risco que o BNDES
oferecia foi neutralizado ao se desviar os empréstimos do banco para
países caloteiros, que não conseguiriam empréstimo em lugar nenhum.
Indiretamente, isso deu uma porção de dinheiro para parte da elite
baiana, que viu seu mercado de obras públicas se expandir para a África e
os vizinhos hispânicos. ACM só oferecia a Bahia; os políticos de São
Paulo ofereciam continentes.
Nesta
eleição, Lula adere à agenda ESG da Faria Lima. Essa agenda quer
regular o pum da vaca e salvar as girafas da Amazônia: numa palavra,
atrapalhar o agro brasileiro e produzir fome no mundo. São
ambientalistas neomalthusianos e embusteiros.
Por
outro lado, o agro cresce cada vez mais, e se tornou a principal
potência econômica do Brasil. O foco é o Centro-Oeste, que tem muito
dinheiro e pouca gente. No entanto, o interior de São Paulo aderiu ao
movimento. Assim, Bolsonaro, que não chegou na presidência como um
cacique do Rio de Janeiro nem nada do gênero, foi adotado pelo agro como
seu presidente. E Tarcísio veio no pacote, já que as elites partidárias
paulistas não se renovaram junto com a economia do estado.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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