domingo, 2 de outubro de 2022

A Grande Crise da Mostarda de 2022

 



Os franceses desesperados têm tido que substituir a mostarda por wasabi ou tahine — a maior humilhação nacional desde que Coco Chanel virou amante do Barão Hans Günther von Dincklage, espião da Gestapo. A crônica de Alexandre Soares Silva para a Crusoé:


As pessoas começam uma guerra na melhor das intenções, achando que tudo vai ser alegria, e, quando vão ver, a guerra acarreta uma crise sem precedentes de condimentos nos restaurantes franceses.

Estamos vivendo agora o que os livros de história vão chamar de A Grande Crise da Mostarda de 2022.

Se, por exemplo, você for de manhã bem cedo para a famosa moutarderie Chez Edmond Fallot em Dijon ou Beaune, vai encontrar uma fila de quinze franceses e turistas já esperando que a porta abra, todos eles com os olhos cheios de desespero e esperança, seus filhos nos seus colos chorando de fome e frio; e assim que a loja abrir você vai descobrir, pelas exclamações de “não é possível!” e “Meu Deus da França!”, que a mostarda continua a faltar naquele país.

O que acontece é uma crise na produção de mostarda no Canadá, devido à seca; em segundo e terceiro lugar na produção de sementes de mostarda estão a Rússia e a Ucrânia, e a guerra e o embargo estão impedindo a importação.

Quem imaginaria essa consequência trágica? Chefs franceses famosos estão pedindo ao público que doe ou venda seus potinhos de mostarda para os restaurantes, numa campanha pública que às vezes parece, na intensidade e emocionalidade, as campanhas para doações que acontecem depois de cheias e terremotos. E os franceses desesperados têm tido que substituir a mostarda por wasabi ou tahine — a maior humilhação nacional desde que Coco Chanel virou amante do Barão Hans Günther von Dincklage, espião da Gestapo.

Alguém pode me perguntar se não tenho nada mais importante para comentar do que uma crise da mostarda, “com tantas coisas graves acontecendo”, como se diz; mas se você não acha essa tribulação gastronômica grave e preferia que eu falasse do meme cretino dos 13 livros vermelhos, não sei o que dizer. De qualquer forma, os jornais franceses têm falado disso durante dias. Franceses depauperados vagam pelas ruas e pelos campos, como zumbis, privados há semanas de Poulet à la Moutarde, Filet Mignon au Poivre e da deliciosa Choux de Bruxelles à la Moutarde Façon Funambuline. Há dias estão reduzidos a comer molho vinaigrette sem moutarde fine.

A verdade é que nunca podemos saber todas as consequências das políticas que defendemos, e o que me surpreende é que aparentemente mesmo uma coisa tão benigna e bem-intencionada como uma guerra pode ter consequências ruins.

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Mas imagino que queremos falar das eleições.

De modo geral, todas as escolhas que as pessoas fazem que não são as escolhas que eu faria se estivesse na situação delas me parecem obscenas, grotescas e imperdoáveis. Minha vontade é sempre romper o contato com todo mundo que não tomou o mesmo caminho que eu tomaria em todas as bifurcações que se lhe apresentaram na vida.

Se eu for confessar, a verdade é que não ser eu às vezes me parece um negócio hediondo. Há um horror metafísico em olhar pra alguma coisa que não sou eu.

Desculpe a sinceridade, mas que coisa bizarra você não ser eu. Ter escolhido ser outra pessoa que não eu me parece uma decisão absurda. Pense bem na sequência lamentável de decisões erradas que o levaram a ser você, e portanto não eu. Tire uns vinte minutos de reflexão acabrunhada.

Tendo dito isso, ok, tudo bem, fique à vontade para votar num candidato em quem eu jamais votaria. Continuamos amigos. Eu, como você, estou lutando com dificuldade (mas vencendo! ainda vencendo!) contra a minha própria intolerância natural. Parabéns pra nós dois.

Ó você quem quer que seja, leitor da Crusoé ou meu amigo de internet, uma verdade sobre eu e você é a seguinte: nosso espanto mútuo com as escolhas um do outro é provavelmente uma das únicas coisas que temos em comum, e que nos assemelhará para sempre.

***

O desejo sexual faz com que o homem olhe para uma mulher bonita e veja uma espécie de pudim ambulante, e é com esforço que ele tem que lembrar que aquele pudim tem alma, opiniões, talentos etc. Com o tempo ele aprende que o pudim fica bravo quando suas opiniões não são ouvidas, e passa a respeitar essas opiniões, até sinceramente; mas enquanto ouve as opiniões políticas do pudim está perturbado pelo jeito que a calda escorre pela sua superfície branca e porosa; sua atenção está dividida, e não de jeito igual; o pudim percebe a distração e exige que ele repita o que acabou de falar; o homem não consegue, ou consegue mais ou menos, o que é pior; o pudim está furioso; o pudim está se organizando politicamente, escrevendo colunas indignadas de jornal, citando outros pudins do movimento de libertação dos pudins; alguns homens se submetem e andam com camisetas dizendo O FUTURO É DOS PUDINS; mas todos, os respeitosos e os não respeitosos, os admiradores dos pudins e os boçais inimigos dos pudins, estão com grossos filetes de baba escorrendo pelo queixo.
 
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

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