quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Loucura real: os reis com as mentes mais frágeis da monarquia inglesa.

 

BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

Reis, poderosos e… doidos. Jorge III e Henrique VI tinham tudo, menos sanidade mental. E isto, numa época em que as questões relacionadas com a mente eram completamente incompreendidas. Pureza Fleming e Kimmy Simões para o Observador:


Na série da Netflix, The Crown, foram incluídas inúmeras cenas, algumas até bastante gráficas, acerca da bulimia de princesa Diana. O mesmo se assistiu em Spencer (2021), filme que valeu a Kristen Stewart a nomeação para um Óscar. Os rumores acerca do distúrbio alimentar de Lady Di começaram a circular na década de 1980, mas esta só se debruçou acerca do assunto mais tarde, num discurso que discorreu acerca da natureza insidiosa dos transtornos alimentares, na conferência BJHM, em 1993. Dois anos depois, numa entrevista à BBC, a “princesa do povo” corrobora a sua luta: “Sofri de bulimia durante anos. É uma doença secreta. Infligimo-la a nós mesmos porque a nossa auto-estima está muito em baixo e achamos que não temos valor ou que somos inúteis. Enchemos o estômago quatro ou cinco vezes por dia — às vezes até mais — e isso dá-nos uma sensação de conforto”, confessou. Segundo a biografia Diana: Her True Story (1992), o distúrbio alimentar de Lady Di, que levou cerca de uma década a ser vencido, começou uma semana após o seu noivado, quando Carlos fez um comentário sobre o facto da sua mulher “estar gordinha”.

A saúde mental não escolhe estratos sociais, atingindo toda a população, e a corte não é exceção. A bulimia de Diana confirma-o, mas não só. Talvez não seja por acaso que o príncipe William, a sua mulher, Kate, e o seu irmão, Harry, tenham lançado a campanha Heads Together, através da qual incentivam os seus compatriotas a descartar os preconceitos contra as doenças mentais. Os transtornos mentais estão inscritos na história da monarquia, tal como sempre estiveram. Estes foram os reis com a saúde mental mais debilitada da corte.

Rei Jorge III do Reino Unido (1760-1820)

Era noite no palácio de Windsor, quando o rei Jorge III sai lançado dos seus aposentos vestindo apenas uma camisola, enquanto segurava um travesseiro como se de bebé recém-nascido se tratasse. Corria pelos corredores e, aos gritos, dizia que Londres estava alagada e que aquele que segurava era o príncipe Octavius, que acabara de nascer. A cena bizarra já não espantava os conselheiros reais e membros da corte. Era unânime que o reino era governado por um rei mentalmente debilitado, que não reagia a nenhum tipo de tratamento. Jorge III passou por tratamentos agressivos, que incluíam incisões no cérebro e o uso de fortes purgantes. Reza a história de que este era capaz de falar 60 horas ininterruptamente e de engolir a comida sem a mastigar, conta-se que também não conseguia manter as mãos quietas por um segundo que fosse e vivia enrolado em lençóis – usava cerca de 40 por dia. Os surtos passaram a ser registados após a sua coroação. Aos poucos, passou a demonstrar dificuldades de concentração, dizia muitos palavrões e irritava-se com facilidade. Em 1788, o seu médico, Richard Warren, declarou: “O nosso rei está louco”. Jorge reinou assim, maluco, até aos seus derradeiros dias, quando foi isolado numa ala do palácio.

Em 2003, uma exposição notável veio à tona. Escondido nos cofres de um museu londrino encontrava-se um pedaço de papel que continha alguns fios de cabelo. No papel podia-se ler: “Cabelo de Sua falecida Majestade, Rei Jorge 3º.” Para o professor Martin Warren, aquela era a pista que o ajudaria a resolver, finalmente, o mistério da doença do rei Jorge. A investigação é apresentada no documentário da BBC, Medical Mysteries. “O rei Jorge III é recordado pelos episódios em que perdia a cabeça. Mas tem sido difícil explicar os ataques, eu estava ansioso por analisar aquela amostra de cabelo”, afiançou Warren.

Quando o cabelo foi testado, pelo Harwell International Business Center for Science & Technology em Didcot, Oxfordshire, os resultados foram surpreendentes: o cabelo encontrava-se carregado de arsénio — continha mais de 300 vezes do seu nível tóxico. “Este é um nível que está muito acima de qualquer coisa que poderíamos esperar — apanhou-nos completamente desprevenidos”, conclui.

Rei Henrique VI de Inglaterra (1422-1461)

De acordo com A História de Bethlem (1997), as reações contemporâneas para os doentes mentais do século XV incluíam a crença de que “a loucura era um castigo infligido por Deus para o erro de alguém”. Considerando que Henrique VI era um ávido defensor da paz, e evidentemente religioso, este era um julgamento que não lhe servia. Porém, na época, não havia outra explicação. Uma outra teoria defendia que Henrique estava a ser punido pelos pecados da sua família.

A organização de saúde mental do Reino Unido, Mind, aponta, além da genética, os copioso eventos stressantes da vida daquele rei como os grandes rastilhos para a sua esquizofrenia. Entre eles, perder uma grande parte da França e ter de lidar com uma rebelião interna. Para completar, tanto o seu avô quanto a sua bisavó sofriam de delírios semelhantes — Carlos VI, rei de França e também conhecido pelo cognome de “o louco”, acreditava que era feito de vidro e que se poderia partir a qualquer instante, enquanto a sua bisavó, Joanne, tinha “visões”. Assim, e de acordo com os fatores biológicos, a esquizofrenia foi apontada como sendo a principal causa dos distúrbios do rei. Como a doença nunca foi descoberta, ele não foi tratado. A história oficial é a de que Henrique acabara por morrer de “melancolia”, enquanto se encontrava preso na Torre de Londres, em maio de 1471.

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