terça-feira, 1 de março de 2022

Os cancelamentos são artificiais e eleitoreiros

 



O Brasil está tão acostumado à discussão teórica que nossa esquerda recebeu de braços abertos Glenn Greenwald, de quem eu manteria distância justamente por causa de sua relação com grupos neonazistas. Bruna Frascolla via Gazeta do Povo:


A crermos no noticiário, em 2018 uma onda de neonazismo varreu o país. Neonazistas riscavam suásticas nas portas de banheiros nas universidades federais. Neonazistas agarraram uma militante feminista e fizeram, bem fininho, uma suástica com uma gilete na barriga dela, que deve ter ficado parada, quietinha, para o desenho não entortar. Neonazistas picharam suásticas numa igreja em Nova Friburgo… antes de serem flagrados pichando “Ele não” em outras áreas da cidade. É tudo uma palhaçada. Palhaçada eleitoreira, que não funcionou em 2018.

Falando em igreja, foi uma coisa feia à beça aquela profanação da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, movida por um vereador do PT e seu séquito de camisas vermelhas ignorantes. Segundo eles, aquela Igreja dos Pretos é coisa de branco, e isso lhes dava direito de invadir o local, interromper a missa e xingar todo mundo de nazista e racista.
Santa Tabata, protetora dos judeus

No dia seguinte, estava a Dona Tabata falando de nazismo. Tabata é católica, foi coroinha e deve à Igreja o seu interesse pela educação. Não deu um pio sobre o episódio de Curitiba. Nem ela, nem a CNBB.

No podcast do Flow (e assim eu descobri que Flow e Monark são coisas diferentes), a brilhante (ou não) aluna de Harvard resolveu falar de nazismo em meio a uma discussão sobre o papel da política na evolução da humanidade. Monark achava que cultura e tecnologia eram importantes. A nobre deputada, querendo dizer que não, argumentou assim: “Como mundo, ser humano, a gente tem duas histórias: uma é a da democracia, que é lenta, negociação, etc, a outra é a do autoritarismo, e aí você pode falar de União Soviética ou você pode falar do nazismo. Milhões morreram nos dois, sabe.” Sem monarquias nem repúblicas positivistas, Tabata acha que a humanidade é a mesma coisa que a Europa entre a I e a II Guerra Mundial.

Monark aceita esse despautério, mas manifesta seu ceticismo quanto à democracia brasileira. A nobre deputada diz que no Brasil há liberdade para dizer o que se pensa. Monark outra vez manifesta seu ceticismo e ela diz que ele próprio, falando o que pensa, é a prova da existência dessa liberdade. Melhor não comentar.

Bom, a parte do podcast que ficou famosa foi esta aqui, em que Tabata diz que a existência de um partido nazista fere a existência de judeus. O pensamento social dela é decalcado de um slogan de internet dos anos 10: “Se fere minha existência, serei resistência.” Monark jamais disse que ele próprio era favorável aos nazistas; disse que é favorável à liberdade de associação. Como Tabata colocou o debate nos termos de “ou democracia, ou comunismo e nazismo”, é natural que, numa democracia, ou a criminalização do comunismo ou a descriminalização do nazismo venham à tona. Quem igualou ambos primeiro foi Tabata. Eu queria saber se ela defende a criminalização do comunismo, mas o podcast completo tem mais de quatro horas e eu não vou ver tudo.

Algumas respostas foram dadas, seja no Twitter ou nos artigos. Uma bastante despretensiosa, que vou reproduzir mesmo assim, é a seguinte: “Se o Thomas Nagel viesse ao Braza defender o ideal liberal de liberdade de expressão apresentado em Concealment and exposure and other essays, o tuiteiro br mandaria prendê-lo. A gente é muito jacu.” Pois é. O tuíte é de Aluízio Couto, um doutor em filosofia que pesquisou liberdade de expressão. O objeto da tese dele seria criminalizado pelo Twitter.

Na verdade, o estado de coisas desejado por Monark é fato nos Estados Unidos, onde existe uma miríade de partidecos e organizações. Ah, organização neonazista lá é o que não falta.

Se a Primeira Emenda é neonazista, então é bom a Defensoria Pública da União, Alexandre de Moraes e até Eduardo Bolsonaro clamarem à ONU por providências contra aquele bárbaro país.

No mais, já que Tabata se considera uma porta-voz dos judeus, devemos pedir a ela que dê uns cascudos em Gustavo Maultasch, que fez um artigo para a Folha defendendo Monark e explicando as liberdades dos Estados Unidos (onde, aliás, Tabata estudou). No artigo ele se declara judeu e neto de sobreviventes do Holocausto.
Bando de jacu?

Eu na verdade só discordo do colega Aluízio quando ele diz que nós, brasileiros, somos uns jacus. Nós estamos acostumadíssimos a pedir pela descriminalização de coisas que, ora vejam só, são crimes. Pede-se descriminalização da maconha e do aborto, sem que necessariamente se incorra na apologia de crimes. A distinção está muito clara em nossas cabeças. Porém, com a aliança entre as big techs e o jornalismo tradicional, é possível alterar a percepção do debate público. Querem nos fazer crer que todo mundo acha que racismo é “relação de poder”, mas não acha.Querem nos fazer crer que o Brasil está às vésperas de uma guerra racial ou religiosa, mas não está. É tudo uma pequena bolha virtual de jornalistas, acadêmicos e burocratas que dizem o que monopolistas do ESG querem.

E o que mandam agora é que o FECANAPÁ, ou Festival de Cancelamentos que Assolam o País, tenha uma edição nazista em ano eleitoral. Eu acho burrice, mas o povo dá milhões a gente como João Santana porque o acham inteligente. João Santana, o que criou o podcast do #CiroGames e botou o coronel de moletom.

O Brasil está tão acostumado à discussão teórica que nossa esquerda recebeu de braços abertos Glenn Greenwald, de quem eu manteria distância justamente por causa de sua relação com grupos neonazistas.

Antes de vir para cá, Greenwald foi um advogado em sua terra natal, os Estados Unidos. Como exemplo de seu grande compromisso com a liberdade de expressão, ele costuma citar a defesa pro bono que ele fez de um grupo neonazista chamado National Alliance. Ele trabalhava de graça porque queria muito defender a Primeira Emenda, que dá liberdade de expressão até a neonazistas.

Se fosse só isso, ele contaria com minha admiração e o meu respeito. Mas ele foi além e defendeu de um crime de sangue, também pro bono, o “pontifex maximus” da National Alliance, um homem chamado Matt Hale. Ele terminou condenado por encomendar a morte da juíza Joan Lefkow. Glenn Greenwald não costuma comentar este fato, mas aqueles que ficam vigiando tchauzinho e catando nome em lista de abaixo assinado não ligam para isto.
 
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

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