A atriz e apresentadora pediu desculpas por dizer que o genocídio dos judeus não teve motivação racial, mas está fora do ar por duas semanas. Vilma Gryzinki:
Quem
erra e reconhece o erro deve sofrer castigo? Esta é a questão
envolvendo Whoopi Goldberg, que apresenta diariamente um programa
matinal de sucesso, The View, na televisão ABC.
“Embora
Whoopi tenha se desculpado, eu pedi a ela que tire um tempo para
refletir e aprender sobre o impacto de suas comentários”, informou a
presidente da ABC News, Kim Godwin.
A
questão envolve o assunto mais explosivo que existe no mundo atual,
raça (detalhe: Kim Godwin também é negra, o que torna a punição da atriz
um pouco menos atribulada).
O
erro quase inacreditável de Whoopi Goldberg foi dizer, na habitual
discussão com as outras quatro participantes do programa, que o
genocídio dos judeus durante o nazismo não foi por questão de raça, mas
sim da “desumanidade do homem contra o homem”.
Ela
argumentou que alemães e judeus eram “dois grupos de pessoas brancas” e
deu a entender que somente negros podem ser vítimas de preconceito
racial. E continuou insistindo nisso ao dar uma entrevista para o
apresentador Stephen Colbert com seu pedido de desculpas.
O
exemplo que escolheu: se estivesse com uma amiga judia e alguém da Ku
Klux Klan se aproximasse, ela, Whoopi, teria que fugir, mas a
acompanhante poderia “escolher” ficar. “Porque não dá para dizer quem é
judeu”, elaborou.
A
quantidade de ignorância é quase inacreditável, considerando-se que
Whoopi pode ter acesso às informações mais básicas sobre o nazismo e os
supremacistas brancos americanos, mas preferiu viver num mundo em que só
a sua experiência conta.
Talvez
o autocentrismo americano ajude a explicar como uma comunicadora em
posição tão destacada, ganhando vários milhões de dólares por ano para
falar a um público fiel todos os dias, ignore que o nazismo tem como
coluna fundamental a superioridade racial dos “arianos” e a
inferioridade dos judeus (ciganos, eslavos e alemães portadores de
deficiência física ou mental entravam também na lista dos que deveriam
ser eliminados para o aperfeiçoamento da raça pura).
As
leis raciais na Alemanha nazista têm um histórico perfeitamente
documentado. Em 1935, as leis de Nuremberg cassaram a cidadania dos
judeus alemães e proibiram o casamento ou relações sexuais entre alemães
e judeus. Foi o início da perseguição oficial, lavrada em lei.
Progressivamente excluídos de atividades públicas, inclusive do
trabalho, os judeus alemães que não conseguiram escapar do país
percorreram, com apenas algum atraso, o roteiro de perseguições
reservado aos judeus dos países invadidos a partir de 1939, desde o uso
da estrela de David na roupa até o envio para campos de trabalho forçado
e, finalmente, os campos de extermínio sistemático e industrial.
A
importância doutrinária para o nazismo da pureza racial ajuda a
entender como o genocídio se prolongou até os últimos dias da guerra,
quando os alemães já haviam perdido e recuavam em massa para fugir do
avanço das forças soviéticas.
O
horror de uma guerra que matou diretamente 50 milhões de pessoas e do
Holocausto obscureceu até capítulos hediondos que demonstram a obsessão
racial dos nazistas, como o sequestro de crianças em países ocupados,
especialmente na Polônia.
Crianças
que tinham traços “arianos” eram tiradas das famílias e mandadas para a
Alemanha, onde passavam por testes para “comprovar” sua estirpe racial –
os nazistas achavam que descendiam de populações alemãs nativas dos
países ocupados. Só os exames de traços físicos eram doze.
Se
não passassem, iam para o trabalho forçado ou experiências médicas. As
aprovadas, eram adotadas e criadas para esquecer a origem.
Calcula-se
que entre 20 mil e 200 mil crianças foram sequestradas na Polônia nesse
programa. O livro A Escolha de Sofia é baseado nessa monstruosidade. A
personagem principal vive o trauma inenarrável de ter de escolher qual,
do casal de filhos, salvaria e qual mandaria para a morte – os dois
sofreriam este destino se ela se recusasse a dizer quem livraria. A
polonesa Sofia acaba escolhendo o menino, por achar que ele teria mais
chances de sobreviver se fosse encaminhado para o programa de
“germanização”.
O livro virou filme, valendo o Oscar de 1983 para Meryl Streep.
Whoopi
Goldberg, que também ganhou o Oscar – em 1991, pela impagável vidente
de Ghost -, podia pelo menos saber de algo que faz parte de seu
universo.
O
caso da atriz precedeu em um dia outra reviravolta no mundo da
televisão. Jeff Zucker pediu demissão como presidente da CNN por não ter
revelado, como estabelece o código da empresa, o relacionamento com sua
principal executiva, Allison Gollust. Ela continua na empresa.
Pimenta
extra: Zucker teve que admitir o caso porque o apresentador Chris Cuomo
contou tudo na investigação interna relacionada ao processo trabalhista
que abriu contra a CNN. Ele foi demitido por colaborar com o irmão,
Andrew Cuomo, na procura de dados comprometedores sobre as mulheres que
denunciavam o governador de Nova York por assédio, o que acabou levando à
sua renúncia.
Sobre o mérito da suspensão de Whoopi: um erro por ignorância e não má fé fica zerado com pedido de desculpas.
Punir
Whoopi Goldberg, nascida Caryn Elaine Johnson (o sobrenome artístico,
tão judeu, foi escolhido ao acaso), fica parecendo exagero. E ainda a
coloca na posição de vítima – os preconceituosos de sempre já estão
dizendo de quem.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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