Um grupo que conta com apoio de empresários e professores divulgou uma carta aberta de apoio ao romancista e antropólogo Antonio Risério, autor de um artigo de opinião
na Folha de S.Paulo sobre racismo de negros contra brancos. O texto
“Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo” foi
publicado no domingo (16.jan). Leia aqui, para assinantes.
O
documento conta com 186 assinaturas em defesa, e é aberto para a
inserção de novos nomes. Entre os signatários da “Carta Aberta de Apoio a
Antonio Risério e Oposição ao Identitarismo” há artistas, psicólogos,
economistas e historiadores.
Na
carta, o grupo afirma que Risério é “um dos melhores leitores vivos da
nossa cultura”, e que ele considera a escravidão “uma instituição
moralmente repugnante”. Também afirmam: “É preciso fôlego para entender
como ex-escravos se tornavam senhores de escravos. Risério tem esse
fôlego; seus canceladores, não”.
O
documento se opõe ao que chama de “identitaristas”, frutos do
pós-modernismo e da teoria crítica, segundo os autores. O texto afirma
que um dos projetos intelectuais de Risério é contra esses movimentos
teóricos, o que motiva sua condenação. “Os identitários querem alterar à
força, unilateralmente e sem consultar os falantes da língua, a
definição de ‘racismo’ de forma a fazê-lo unidirecional e maleável a
seus interesses, alegando que é ‘relação de poder'”.
“Antonio
Risério é no momento uma das vozes mais importantes do país, sobretudo
por fazer oposição a uma ideologia intolerante e autoritária.
Manifestamo-nos com um apelo para que sua livre expressão seja
respeitada.”
Críticas
O texto de Risério na Folha rendeu críticas. Jornalistas do veículo assinaram nesta 4ª feira (19.jan.2022) uma carta aberta em protesto a conteúdos considerados racistas publicados no jornal. Eis a íntegra (61 KB). A adesão foi de 186 jornalistas, sendo 164 assinaturas nominais.
No
documento, os profissionais expressam preocupação com a publicação
recorrente no jornal de conteúdos que dizem considerar racistas. A carta
foi entregue à Secretaria de Redação e Conselho Editorial da Folha.
“Sabemos
ser incomum que jornalistas se manifestem sobre decisões editoriais da
chefia, mas, se o fazemos neste momento, é por entender que o tema
tenha repercussões importantes para funcionários e leitores do jornal e
no intuito de contribuir para uma Folha mais plural”, diz o texto.
Esclarecimento
Em seu perfil do Facebook, Risério se defendeu depois da repercussão negativa do artigo de opinião. Em postagem nesta 4ª feira (19.jan), Risério respondeu ao jornalista Joel Pinheiro, que publicou outro artigo na 2ª feira (17.jan.) questionando o antropólogo sobre exemplos práticos de racismo contra brancos no Brasil.
Risério
negou que tenha dito existir “racismo reverso” porque, segundo ele, a
questão só seria possível com a existência de um “racismo estrutural”,
que definiu como uma “malandragem jurídico-ideológica” e “essencialmente
desonesta”.
“Como
preto é oprimido e não conta com a estrutura a seu favor, está
simplesmente impossibilitado de ser racista”, escreve o antropólogo ao
se propor a “desmontar” a tese de que existe “racismo estrutural”.
Citando
outro comentário, que teria definido a estrutura racista como
originária de uma “sociedade capitalista heteronormativa neocolonial
eurocentrada” o antropólogo questiona a real existência de racismo
institucionalizado no Brasil.
“Para
defender essa tolice, nossos militantes são acadêmicos, obviamente.
Querem dar um ar de cientificidade à jogada. Mas a verdade é que ninguém
precisa contar com um aparelho estatal para ser racista”, diz.
Leia a Carta Aberta de Apoio a Antonio Risério e Oposição ao Identitarismo na íntegra:
“Nos
últimos quatro meses, o antropólogo baiano Antonio Risério foi alvo de
duas reações de parte da classe intelectual nacional por suas obras
sobre raça. Em setembro de 2021, seu livro As Sinhás Pretas da Bahia:
Suas Escravas, Suas Joias foi resenhado por Leandro Narloch. A resenha
atraiu não apenas críticas, mas chamados pela demissão de Narloch, a
quem muitos atribuíram o conteúdo do livro. Não há, ao contrário do que
dizem esses críticos, nenhum delito moral no livro ou em sua resenha:
Risério, que escreve há décadas sobre o assunto, divulga pesquisas a
respeito de personalidades reais da história brasileira que
complexificam o modo como entendemos as relações sociais da época da
escravidão.
Nos
escritos de Risério, que é um dos melhores leitores vivos da nossa
cultura, está claro que ele considera a escravidão uma instituição
moralmente repugnante, e que ele busca entender como seres humanos que
não são monstros poderiam ter convivido com ela no passado. É preciso
fôlego para entender como ex-escravos se tornavam senhores de escravos.
Risério tem esse fôlego; seus canceladores, não.
Na
segunda polêmica, Risério publicou na Folha de S. Paulo um artigo a
respeito da universalidade do erro moral que é o racismo, documentando
casos em que negros foram, sim, racistas. Falamos “racismo” segundo a
definição clássica, do senso comum e do bom senso, registrada em
dicionários. Um dos projetos intelectuais do autor, a oposição ao
pós-modernismo e à teoria crítica, que fundaram o identitarismo, o leva a
essa condenação. Os identitários querem alterar à força,
unilateralmente e sem consultar os falantes da língua, a definição de
“racismo” de forma a fazê-lo unidirecional e maleável a seus interesses,
alegando que é “relação de poder”.
Esta
disputa vai além de uma mera querela semântica a respeito da definição
de uma palavra. É um ataque novo ao tratamento igual dos indivíduos
perante as normas sociais que herdamos do consenso pós-guerra que nos
deu uma Declaração Universal dos Direitos Humanos. Risério é uma voz
experiente do segundo campo, suas preocupações são mais que
justificadas, e nos posicionamos firmemente contra tentativas de
censurá-lo.
O
mal-estar que Risério causa é absolutamente necessário para que os
identitários, anti-universalistas, relativistas e revanchistas saibam
que a oposição existe e não será dobrada, não importa quantas grandes
empresas tenham ao seu lado em sua cruzada pela desigualdade moral. Não
se trata de colecionar casos em que negros foram senhores de escravos ou
cometeram racismo contra pessoas não-negras: trata-se de reafirmar que
ninguém é inerentemente bom ou mau por causa da cor, então ninguém tem
carta branca para desumanizar ninguém.
Antonio
Risério é no momento uma das vozes mais importantes do país, sobretudo
por fazer oposição a uma ideologia intolerante e autoritária.
Manifestamo-nos com um apelo para que sua livre expressão seja
respeitada”. (Poder360).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário