Eu contaria muito mais coisas que vi, com os olhos do espírito do Natal de 2051. Mas sou só profeta como hobby, e pode ser que esteja tudo errado, quem sabe. A crônica de Alexandre Soares Silva para a revista Crusoé:
Prevejo
o futuro, como vocês sabem. Não digo que prevejo o futuro como ele vai
acontecer – o que sou eu, um pai de santo? Não, prevejo o futuro como
ele talvez aconteça, ou talvez não aconteça. É um chute, digamos. Ou nem
digamos: é um chute mesmo. Sou um profeta que dá chutes com a mesma
qualidade de qualquer profeta amador, mas que pelo menos gosta de chutar
e está aqui disposto a chutar um negócio pra vocês: o Natal tal como
ele vai ser, em vinte ou trinta anos.
Visualizem
os jovens de cabelo azul de agora, pronomes na biografia e tudo,
hormônios em alegre desarranjo, em vinte ou trinta anos. Como vão
comemorar o Natal? Você talvez diga que não vão, mas vão: com os olhos
da minha mente vi um Natal de 2051 – e essa gente vai comemorar o Natal,
sim, embora lá do jeito deles.
Incomodarão
os sobrinhos (por um milagre vai ser uma geração inteira sem filhos, só
com sobrinhos, como os personagens da Disney; mas se você me perguntar
de quem esses sobrinhos são filhos, não sei dizer. Talvez cruzamentos
genéticos de millenials
com pugs?) do mesmo modo que eram incomodados pelos tios do pavê e
pelas tias do tipo e-as-namoradinha? Certamente, e os sobrinhos vão
incomodá-los de volta.
Agora
me deixe dizer para vocês algo que talvez soe estranho, mas é
absolutamente verdadeiro: por volta de 2050, o Especial de Natal do
Porta dos Fundos vai ser uma tradição antiga de Natal. As pessoas vão
reunir a família – o que sobrar da família: um tio pedófilo, uma estátua
de Beelzebub, uma tartaruga de batom, um Kiko Marinho tatuado numa
cadeira de rodas fumando crack num cachimbinho – e vão ver o Especial de
Natal do Porta dos Fundos juntos, na noite de 24 de dezembro. Comerão
gafanhotos de Natal e beberão tacinhas de urina de e-girls e comerão
rabanadas feitas com o pênis recém-retirado do sobrinho designer gráfico
Edna, e se reunirão na frente da lareira para zombarem de Jesus Cristo
juntos. Isso vai fortalecer a unidade das famílias, e eles vão ser
bastante sentimentais a respeito da festa, que vai lembrá-los da
infância e da pureza perdida.
O
problema vai surgir em 2051, quando um grupo de jovens cômicos
irreverentes vai fazer um especial zombando do que, nessa época, ninguém
vai poder zombar: o Especial de Natal do Porta dos Fundos. Contra esse
especial zombando dos especiais do Porta dos Fundos haverá campanhas dos
conservadores de 2056, fracassadas como todas as campanhas de conservadores moralmente indignados.
Dessa vez vão estar furiosos com essa dessacralização de uma das
tradições familiares mais queridas dessa época. “Oooh, zombar de quem
zomba de Jesus Cristo, quanta coragem! Quero ver zombar de quem zomba de
Maomé!”
Os
jovens cômicos irreverentes de 2051 se defenderão dizendo que o Porta
dos Fundos não é engraçado. “Engraçado? Desde quando o Porta dos Fundos é
pra ser engraçado?”, dirão os millenials e os membros da Geração-Z em
2051, suas narinas convulsionando de fúria, o que vai fazer os seus
piercings tilintarem como guizos. “Rir quando o Fabio Porchat está falando? Não se respeita mais nada?” E a vó sem netos de 2051 vai se benzer fazendo o sinal da cruz invertido.
Em
2070 as pessoas vão ter saudade desses natais dos 2050s: “Por que não
fazem mais especiais de Natal bonitos e simples que nem os de
antigamente, quando a gente se reunia pra zombar das dores de Jesus
Cristo juntos? Por que tratar o nosso cinismo com tanto cinismo?”
Em
algum ponto da festa, a campainha vai tocar, anunciando uma visita. Me
deixem explicar algo sobre o futuro: Quando carros self-driving forem
comuns, pessoas vão pagar para que depois da morte seus corpos sejam
postos em limousines e fiquem circulando pra sempre pelo mundo inteiro.
Trânsito atravancado porque os mortos decidiram passear para sempre. Vão
ser os Tesla Coffins, bastante comuns já a partir de 2026.
Algumas
pessoas vão deixar instruções para que depois da sua morte o carro
circule por pontos turísticos; outros pelos lugares que eles amaram
quando estavam vivos. E muitos vão deixar a instrução de que, na noite
de Natal, o carro transportando o seu corpo pare durante uma hora ou
duas na frente da casa dos seus descendentes, para que a família saia
por um momento e eles possam passar um pouco da festa juntos.
Bom,
o problema é que estamos falando de millenials e membros da Geração Z,
que mal aguentam a companhia da família nas festas de fim de ano e que
dizem a toda hora que têm vergonha dos seus ancestrais porque eles eram
racistas, ou porque, cinco séculos antes, os seus ancestrais venceram ao
invés de perderem alguma guerra. Então, quando o Tesla Coffin chegar
com o bisavô e a bisavó na noite de Natal, muitas famílias de 2051 não
vão nem abrir as cortinas da janela da frente.
Completamente
ignorados, os carros vão ficar parados por uma hora ou duas, e depois
vão embora automaticamente, para Acapulco ou para a Costa Amalfitana –
com os seus ocupantes nem mais tristes, nem mais alegres do que estavam
antes.
Dentro
de casa, a festa vai continuar. Uma tia inconveniente, com o brancos
dos olhos tatuados de negro e um rabo de texugo implantado no derrière,
vai parar os sobrinhos e dizer: “E as orgia, como é que vai? Hein?
Hein?” E os sobrinhos, embaraçados: “Ai, tia.”
E
é claro que em algum ponto da festa vai aparecer essa velha e
tradicional figura de todas as famílias, o Tio Transgênero do Pavê:
-Isso aí é pra verx ou pra comerx?
Eu
contaria muito mais coisas que vi, com os olhos do espírito do Natal de
2051. Mas sou só profeta como hobby, e pode ser que esteja tudo errado,
quem sabe.
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