Mal os copos tocaram a mesa, levantou-se a voz de alguém propondo a pergunta que dá título a este texto: o que você faria se fosse ditador do Brasil? Paulo Polzonoff para a Gazeta do Povo:
Na
mesa do bar. A conversa animada de repente deu um cavalo de pau e se
tornou grave. Sem o compromisso do argumento por escrito, e dispondo de
um sem-número de expressões faciais para apontar a ironia e a
sem-cerimonice da discussão, falávamos de golpes & contragolpes. Até
que um estranho se aproximou e disse: “Melhor os senhores não falarem
disso aqui. O STF pode estar ouvindo”.
A
mesa irrompeu em gargalhadas etílicas. Mas, coincidência ou não, depois
que o estranho se afastou, pairou sobre os convivas o silêncio. Um
silêncio temeroso, como se pudesse haver um fundo de verdade no que
disse o estranho. E não há? Coube a mim, palhaço sem maquiagem nem
cabelos, propor um brinde debochado ao ditardorzinho que habita cada um
de nós.
Mal
os copos tocaram a mesa, levantou-se a voz de alguém propondo a
pergunta que dá título a este texto: o que você faria se fosse ditador
do Brasil? É uma pergunta mais difícil do que parece. Porque, para
respondê-la, é preciso reconhecer que todos temos essa porçãozinha não
lá muito virtuosa que deseja moldar a realidade de acordo com suas
(nossas) vontades. Na vida cotidiana, essas vontades são mediadas pelo
superego. Que aqui, para efeitos retóricos, está de férias. Ou melhor,
no exílio.
O
primeiro a responder foi o Carlinhos. Ousado como nunca, ele esperou a
atenção da mesa inteira antes de se dirigir a uma das moças presentes e
anunciar: “Se eu fosse ditador do Brasil, faria de você primeira-dama.
Na hora!”. A moça enrubesceu, como sói na vida, na crônica e nos
livrinhos de banca para donzelas. A mesa inteira ficou na expectativa de
um desfecho ultrarromântico que, no entanto, não ocorreu. Em parte
porque Augusto, sentado ao lado do Carlinhos, resolve dar vazão ao seu
lado ditador.
“Se
eu fosse ditador do Brasil”, disse ele, fazendo uma pausa longa demais.
Tão longa que acho que esqueceu o que pretendia falar. Mas não. “Se eu
fosse ditador do Brasil, puniria com prisão perpétua motoqueiros que
andam com o cano de escape furado. E com quem anda de carro com música
tocando no último”, disse. Antes que ele, encarnando o ditador
imaginário, substituísse a pena perpétua pela pena de morte, achei
melhor perguntar a outra pessoa o que ela faria se tivesse poderes
plenos e ilimitados.
Foi
a vez de a Ana se manifestar. Tímida, ela bebericava em silêncio seu
oitavo ou nono chope. “Se eu fosse ditadora do Brasil, obrigaria todo
mundo a fazer meditação antes de falar de política”, disse ela, com
aquela certeza ébria de quem sabe que não se lembrará de nada disso no
dia seguinte. A gente riu, porque a Ana é assim mesmo e ainda por cima
faz uma Nutella caseira que é coisdiloco.
Como
ninguém ali expressasse quaisquer ímpetos assassinos, a conversa
prosseguiu animada. Cada qual expondo suas idiossincrasias. André disse
que obrigaria os homens a voltarem a usar terno e gravata. Guta disse
que proibiria exposições de arte contemporânea. Luciana disse que
proibiria os nomes Enzo e Sofia. E o Leonardo, bom, o Leonardo anunciou
que estava na hora de voltar para casa. Leonardo é casado com uma mulher
muito braba.
Tratativas
Quando
chegou a minha vez, me levantei e, em meu primeiro ato como ditador do
Brasil, obriguei todos os presentes a brindarem em minha homenagem,
dizendo “Nós o adoramos, ditador Paulo”. Uma vez feita a homenagem
devida, me sentei, o nariz um tiquinho mais empinado do que o normal, e
anunciei os Atos Institucionais que considerava mais urgentes, ainda
mais levando em conta a situação atual de tensão entre os poderes, coisa
e tal.
O
primeiro e mais importante deles: a proibição total do uso
indiscriminado de ponto e vírgula; ainda mais por quem não sabe usar; e
fica assim usando o ponto e vírgula que bem poderia ser substituído por
um ponto ou vírgula. “Mas você odeia tanto assim o ponto e vírgula?”, me
perguntou alguém. Foi você, Guta? Ao que respondi que não odeio. “Mas é
meu jeitinho”, disse, invocando as sábias palavras de um tirano romeno
cujo nome me escapa.
Ao
ver todas aquelas pessoas queridas me encarando como se eu tivesse
falado uma bobagem, achei de bom tom me impor. “E quer saber?”,
perguntei retoricamente para uma plateia que já tinha voltado a atenção
para seus copos de chope. “Construiria uma penitenciária de segurança
máxima para quem usasse mesóclise”. Fiquei à espera de um protesto da
Ana, fã das mesóclises, mas a essa altura ela estava ocupada jogando
Jenga com a porção de batatas-fritas.
Por
fim, vendo meu poder se esvair, resolvi subir o tom. Bati na mesa (sim,
machuquei a mão!), me levantei, gritei “silêncio!” para um bar que me
ignorou e, finalmente, dei vazão aos meus instintos realmente tirânicos.
“E um paredão!”, disse, na esperança de me fazer novamente ouvido. Ora,
todo mundo gosta de um paredão, não é mesmo? “Toda semana eu mandaria
para o paredão uma palavra. A primeira delas seria ‘tratativa’. A
segunda, ‘performar’”, esclareci, para a decepção de todos.
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