Se jogarmos o SUS fora, vamos nos inspirar no quê? Nos Estados Unidos? Bruna Frascolla para a Gazeta do Povo:
Um
aspecto ruim e comum da modernidade é a de que todos os problemas
sociais se resolvem em qualquer parte do mundo quando se aplica uma
teoria social correta. O caso gritante mais grave é o do marxismo
clássico, para o qual tanto faz Rússia, Inglaterra ou Ruanda: em todo o
mundo, a humanidade vai seguir os mesmos passos rumo ao fim da História.
A
diferença entre a Rússia e a Inglaterra seria apenas temporal, pois a
Rússia ainda era uma sociedade agrária, mas, uma vez evoluída para o
estágio industrial, inexoravelmente teria uma revolução proletária. O
mundo inteiro seria industrial, no mundo inteiro haveria uma revolução
proletária e no mundo inteiro triunfaria a ditadura do proletariado.
Para
aquém dos aspectos que costumam ser criticados – tais como o
analfabetismo econômico ou a inevitabilidade do caráter totalitário –,
há um defeito muito mais básico: a pressuposição de que todos os povos
do mundo serão iguais sob o aspecto político e econômico, não importando
se suas terras são férteis ou áridas, se sua tradição política é mais
liberal ou mais autoritária. Os países são como tábulas rasas.
Depois
da derrocada do esquerdismo estatista perante a opinião pública
brasileira, foi se tornando moda entre nós o mercado como panaceia.
Antes um adolescente rebelde sonharia em arranjar um fuzil para fazer a
Revolução em nome de princípios éticos; hoje o mesmo tipo vira
anarcocapitalista, convicto de conhecer a ética e com bandeirinha de
fuzil. No mundo inteiro, a iniciativa privada seria a solução para
absolutamente tudo. Assemelham-se ao marxismo no seu desprezo pelos
fatos e pela diversidade do mundo.
Entre
um erro e outro, há o economista campineiro que, ao contrário do
marxista clássico, retrucará sempre que o Brasil é um país
especialíssimo onde as leis da economia do resto do mundo não valem, e
onde valem somente as descobertas pelo Instituto de Economia da Unicamp.
Qual
seria a postura acertada? Ora, considerar que o Homem tem natureza e
cultura, sendo a primeira universal e a segunda variável. Assim, cabe ao
cientista social agir mais ou menos como o arquiteto: em primeiro
lugar, não pode ignorar as leis da física, que valem no mundo todo. Em
segundo, não pode desprezar nem o ambiente em que a casa será
construída, nem ignorar as vontades do cliente. Uma metáfora disso são
os caixotes modernistas, quentes e feios (só arquiteto acha bonito),
inventados na Europa e copiados nos trópicos.
Casas
variam muito mundo afora e não há nada de errado com isso. Nada nos
impede de viajar pelo mundo com uma ideia parcimoniosa do que é uma boa
casa e julgar objetivamente. Com as sociedades, passa-se o mesmo. O
teórico social tem que se perguntar se mais alguém além dele e de seus
colegas gostariam de morar na sociedade que ele almeja construir.
Avaliação do SUS
Nesta
pandemia, essas duas receitas únicas deram as caras na apreciação do
SUS. Do lado esquerdista, tivemos muitos bracinhos levantados em selfies
com o slogan de “Viva o SUS” durante a vacinação. Não dá para reclamar
dessa moda, já que, quando algum dos seus adeptos aparece no obituário
da Covid, a vacinação foi espalhafatosa demais para ser omitida. Assim,
fica claro que a vacina não pode ser a panaceia alardeada pela imprensa
tradicional.
Voltemos
à narrativa oficial vigente no Brasil. Tal como no resto do planeta,
por aqui se dizia que o vírus ia sair matando todo mundo – milhões só
até agosto do ano passado – enquanto não houvesse vacina. Por isso,
devíamos nos trancafiar até a Ciência descer do céu carregando um
frasquinho mágico chamado vacina, ignorando-se que as vacinas levam anos
para serem consideradas seguras. Surgidas as vacinas, agora estamos na
incrível situação: todo mundo tem que se vacinar, porque a vacina não
imuniza. As vacinas agora supostamente servem para evitar que o vírus se
espalhe. Assim, quem não tomar a vacina vai fazer com que todo mundo
morra. É um assassino.
Vamos
à cor local. Quem provê as vacinas no Brasil? No atual espírito
milagreiro e personalista, a resposta seria o presidente, que no entanto
é de direita. Mas pode ser a pessoa de Doria em São Paulo, ou de Biden
nos EUA. No plano federal brasileiro, coube ao SUS o papel de mocinho.
Se Bolsonaro é o Demônio, o SUS é um anjo. Só assim para explicar a
súbita glorificação do combalido SUS.
Na
outra ponta, há os que rechacem os idólatras do SUS chamando-os de
hipócritas, porque usam o SUS somente nessa ocasião especialíssima e, no
geral, ficam com plano de saúde – quando não vão para o Sírio-Libanês.
Quem precisar tratar um câncer pelo SUS ou fazer uma cirurgia delicada
está em maus lençóis.
A
coisa desanda quando daí se infere que o SUS é ruim em si mesmo por ser
público, e que bom mesmo é ficar só com entidades privadas, porque o
mercado daria conta da saúde melhor do que os nossos queridos
burocratas.
Em
primeiro lugar, não é verdade que o SUS seja só problemas. Dificilmente
encontraremos quem negue sua importância no tratamento da AIDS e
contenção do HIV. A vacinação infantil é outro grande trunfo histórico
do SUS.
Até
pouco tempo atrás, era senso comum dizer que o principal problema da
nossa Saúde era a corrupção. E eu creio que isso seja algo bem próximo
verdade: corrupção e falta de racionalidade são os grandes problemas do
SUS. (Por falta de racionalidade entendo a desorganização desse sistema
que se espalha por milhares de municípios e dezenas de estados sem muita
concatenação, bem como a falta de foco na prevenção de doenças.)
Dizer que algo padeça de corrupção e de falta de racionalidade não implica que esse algo deva ser jogado fora.
Se jogarmos o SUS fora, vamos nos inspirar no quê? Nos Estados Unidos?
Incentivos econômicos na saúde
De
certa forma, é o que vem acontecendo. Não resolvemos os problemas do
SUS, seguimos custeando escândalos de corrupção, e ainda pagamos os
planos de saúde. Quando temos uma dor de estômago, não vamos a um posto
de saúde – vamos ao especialista de estômago coberto pelo plano. O
especialista nunca nos viu mais gordo e manda fazer uma montanha de
exames a serem custeados pelo plano.
De
posse dos exames, ele diz que não é com ele e manda para um
especialista em sei lá o quê, que provavelmente saberá resolver o
problema. Daí o plano paga a consulta do primeiro especialista e a do
segundo especialista. Este, a seu turno, pedirá mais uma pilha de exames
a serem bancados pelo plano. E não necessariamente poderá resolver o
problema, de modo que o paciente pode ficar errando por especialistas e
torrando o dinheiro do plano de saúde até encontrar, digamos, um
oncologista que vai detectar um câncer que crescia enquanto isso. E no
fim o plano vai custear o tratamento mais caro de um câncer avançado. É
um modelo privado e baseado em especialistas. E é ruim para para os
doentes, que perdem tempo, e para os planos de saúde, que perdem
dinheiro.
Nos
Estados Unidos, este último problema foi sanado com o ObamaCare, que
repassa os custos para o Estado. Os hospitais e a indústria farmacêutica
lucram de montão e corrompem quem quiser. Daí, no frigir dos ovos,
temos o governo dos EUA dando aprovação permanente à vacina da Pfizer em
tempo recorde enquanto tuíta que ivermectina só serve pra bicho, além
de um festival de mastectomias sendo realizadas nas clínicas de gênero
em pacientes que não teriam condições de bancá-las.
Imbróglios
dos século XXI à parte, não me parece sensato abrir mão de um sistema
público voltado ao atendimento básico para confiar somente nesse sistema
que combina especialistas a planos privados. Por que não mantermos
médicos de família em postos de saúde para dar atendimento básico? É tão
difícil assim sanear a saúde brasileira, na qual já gastamos tanto
dinheiro?
Por
fim – e desta vez considerando os imbróglios do século XXI –, cabe
considerarmos que o estrago feito pelas clínicas de gênero no Reino
Unido, onde há o NHS, é consideravelmente menor do que nos Estados
Unidos. O NHS, como todo sistema público, fica sobrecarregado pela
demanda de pacientes e não consegue fazer tantas mastectomias e
hormonizações quanto a demanda. Já nos EUA, os planos costumam cobrir.
Imaginemos
que daqui a um ano haja vacinas de covid e o mundo continue censurando
questionamentos – assim como censura questionamentos ao tratamento
afirmativo de gênero. É factível que os planos fiquem obrigados a
injetar em qualquer tipo de gente qualquer tipo de substância que se
venda como vacina. Com o SUS, só gastando tempo e dinheiro com ações
para obrigá-lo a algo. Agora digamos que daqui a mais anos se descubram
que essas substâncias são muito danosas no médio prazo – aí o gargalo do
SUS terá operado em favor da população brasileira, do mesmo modo que o
gargalo do NHS faz com que haja menos detransitioners por lá.
Abundância
de dinheiro na Saúde traz problemas insuspeitados. No fim das contas,
um sistema público acaba sendo mais conservador do que um sistema
privado.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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