domingo, 29 de agosto de 2021

Fascismo A Praça é Nossa

 



O fato é que a dublagem brasileira do fascismo tem sido ainda mais ridícula que a clássica pose de Benito Mussolini com as mãos na cintura — e mais que a tradução original, os integralistas de Plínio Salgado, também conhecidos como galinhas-verdes. Ruy Goiaba para a Crusoé:


Tenho uma teoria nova: toda ideia que vem do exterior só circula pelo Brasil depois de ser dublada em português (“versão brasileira, Herbert Richers”, “estúdios Álamo” ou “Dublasom Guanabara”). Como na dublagem de verdade, existem versões melhores e piores — nas piores, a tradução é tosca, o som parece gravado dentro de um barril e não há sincronização entre a pessoa que fala e aquilo que está sendo dito: o resultado é mais ou menos aquilo que o Roberto Schwarz chamou de “ideias fora do lugar”. As melhores, por sua vez, podem até incluir coisas que não estão no texto original e saírem melhores que ele. Ou, pelo menos, mais com aquele gostinho de Brasil (água com geosmina).

Millôr Fernandes, por exemplo, dublou brilhantemente Samuel Johnson quando acrescentou à frase “o patriotismo é o último refúgio do canalha” o seu P.S. de Irritante Guru do Méier (“no Brasil, é o primeiro”). Acrescento, modestamente, que já passou da hora de fazer uma “transcriação” da passagem mais famosa de Marx em O 18 Brumário de Luís Bonaparte para torná-la mais adequada ao Bananão destes tempos: “Todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. (…) A primeira vez como tragédia, a segunda vez como Escolinha do Professor Raimundo”.

Todos os analistas políticos que condenam as ameaças de Jair Bolsonaro e seu rebanho ao STF e ao Congresso têm se esquecido de um ponto fundamental. Não é apenas o risco de ruptura institucional: é o supremo vexame de um eventual golpe de Estado liderado por Sérgio Reis, Paulo Cintura e Batoré d’A Praça É Nossa. Consegue ser ainda pior que o general aloprado Olympio Mourão Filho, em 1964, colocando os tanques na rua antes da hora combinada. Parece que a intenção desses luminares do pensamento brasileiro é, no 7 de Setembro, promover uma espécie de A Praça dos Três Poderes é Nossa, com Bolsonaro fazendo arminha no banco habitualmente ocupado por Cazalbé de Nóbrega.

O fato é que a dublagem brasileira do fascismo tem sido ainda mais ridícula que a clássica pose de Benito Mussolini com as mãos na cintura — e mais que a tradução original, os integralistas de Plínio Salgado, também conhecidos como galinhas-verdes. É um fascismo com bordões de programa humorístico ruim de bônus (“issa!”, “ah, para, ô!”, “talquei?”). Não dá nem pra dizer algo do tipo “ah, puxa vida, eles prendem e matam, mas pelo menos os trens chegam no horário”; se isso não era verdade nem na Itália, que dirá neste Brasil brasileiro, terra natal da esculhambação. Quando a tal ala ideológica desse governo bradava contra o “globalismo”, eu não imaginava a que ponto eles promoveriam o SBTismo como estética oficial e transformariam cada fala, cada gesto em performance para os malucos das redes sociais e os idiotas do WhatsApp. Governar para o país que existe para além da claque do cercadinho? Dá trabalho demais, Deus me livre.

(Aí, do outro lado, a “opção” é aquele pessoal que passou os últimos dias babando pela foto da coxa do Lula. Entre o fascismo A Praça É Nossa e o pornô gay petista, quem leva ferro — em bom português, sem dublagem — é você.)

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A GOIABICE DA SEMANA

Paulo Guedes parece mais decidido do que nunca a encarnar o estereótipo do economista que só conhece pobre de assistir às novelas do Manoel Carlos. As últimas do ministro da Economia, que as redes estão chamando de Chicago Antibes, foram dizer que a inflação — que neste ano deve ficar bem acima do teto da meta e ser a pior desde o governo Dilma Rousseff — está “dentro do jogo” e perguntar “qual o problema de a energia ficar um pouco mais cara?”.

Guedes se mudou de mala e cuia para o universo das vozes na cabeça dele. Quem dera nós outros pudéssemos morar na Guedeslândia, essa terra da qual jorram leite e mel, onde a economia está “bombando” (ou “furando as ondas”) e as empregadas domésticas conhecem o seu lugar e não ficam se metendo a querer ir para a Disney. (Dizem que essa terra já existe e se chama Leblon.)
 
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

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