quinta-feira, 29 de julho de 2021

Minha conspiração é mais bonita que a sua

 



Dou três exemplos de teorias da conspiração em que as pessoas acreditam. Não acredito nelas, é verdade, mas faço força pra acreditar porque são divertidas, e recomendo como se fossem séries. Alexandre Soares Silva para a Crusoé:


As teorias da conspiração são formas de dramaturgia, com sua própria beleza e poder. Mas são desprezadas ainda, como foram desprezadas tantas formas de dramaturgia no seu início: o romance, a série de tevê e, como não me ocorre agora uma terceira, digo apenas “etc“.

A criatividade dramatúrgica da nossa época está voltada agora não para a poesia épica (dã), nem para o romance (duplo dã); nem para os filmes, porque esse momento já passou, e nem para as séries de tevê, porque esse momento já está passando: mas para a criação de teorias da conspiração as mais bizarras e formidáveis e sinistras.

Algumas não são falsas, obviamente. Você acha que nunca houve nenhuma conspiração em nenhum momento da história da humanidade? Ou só acha que nenhuma foi jamais bem-sucedida? As duas crenças são insustentáveis. Mas pouco me importa no fundo se as conspirações são falsas ou verdadeiras, porque gosto delas esteticamente (somos um clube).

Uma teoria que queria criar é a de que – mas está preparado? É esta: por mais espantoso que seja, não há registros de ondas no mar antes de 1904. Nada na literatura, nada em quadros, nada em relatos de navegantes.

Devo dizer isto de jeito convincente, a ponto de pelo menos causar uma dúvida: “Meu Deus, será?”. E é só o que peço, porque essa dúvida momentânea é ao mesmo tempo sinistra e agradável. Ela é o segredo da apreciação estética das conspirações, e o que as distingue das outras formas de dramaturgia, porque em todas as outras sabemos logo de cara que são invenções.

Então aceite meus tweets com imagens antigas de mares sem onda, e descrições homéricas de mares planos mesmo durante tempestades; se não encontrar isso em Homero, devo ser capaz de encontrar algo que pareça sugerir isso em algum outro poeta épico em alguma língua do mundo.

Mas qual a explicação? Por que as ondas começaram a aparecer, de repente, em 1904? Simples, por motivos geopolíticos. O Czar Nicolau II precisava prejudicar os assim chamados Poderes Atlânticos, digamos, e experimentos geodésicos em 1901 (não tenho certeza se isso faz algum sentido, mas basta falar com confiança) já tinham provado que era possível criar ondas permanentes e enormes no lago Baikal por meio de abalos sísmicos. A técnica começou a ser usada em segredo numa praia da Finlândia em 1903, e depois com mais vigor em 1904, até que todos os mares passaram a ser agitados por ondas. Obviamente o comércio entre os países oceânicos caiu logo em seguida.

Mas a parte interessante é a falsificação em massa que precisou ser feita dos dados históricos, para que todos pensassem que sempre existiram ondas: o governo russo construiu uma indústria da falsificação numa fábrica gigantesca no subsolo da floresta boreal de Cheremkhovsky. Dezenas de falsificadores de arte e historiadores produziram centenas de quadros renascentistas, manuscritos de poemas, daguerreótipos – todos registrando mares com ondas antes de 1904. Até mesmo tábuas de surfe foram plantadas no Havaí, fingindo uma tradição milenar de surfe que é claro que nunca existiu porque – bom, nem havia ondas. A falsificação funcionou, parece, e até hoje achamos que o mar sempre foi assim como é agora.

Acha que é absurdo demais para que alguém acredite? Mas existe algo absurdo demais para que alguém acredite?

A seguir dou três exemplos de teorias da conspiração em que as pessoas acreditam. Não acredito nelas, é verdade, mas faço força pra acreditar porque são divertidas, e recomendo como se fossem séries:

1) A Teoria do Tempo Fantasma: a Idade Média nunca aconteceu. Ela foi inventada pelo imperador Otto III e o Papa Silvestre II, que estavam no ano 700 d.c., mas queriam dizer que estavam no ano 1000 d.c. por motivos complicadíssimos. Falsificaram ruínas de igrejas, de fortes e de muros, além de documentos e poemas, e criaram do nada a existência do rei Carlos Magno e de toda a dinastia carolíngea.

2) A Nova Cronologia de Fomenko: toda a história chinesa e árabe são invenções de jesuítas dos séculos XVII e XVIII. Jesus viveu no século XII d.c., e a Guerra de Troia e as Cruzadas foram o mesmo evento histórico.

3) O mundo acabou em 2012. O universo inteiro, na verdade. Isso aconteceu porque nesse ano cientistas descobriram a partícula Boson de Higgs, e todo o universo foi sugado por um buraco negro. É impossível perceber a diferença, mas já não existimos mais. (Stephen Hawkins falou sobre isso, supostamente.)

Comparadas com essas, teorias como as da facada falsa no Bolsonaro ou as da final da Copa de 98 são tão pobres em imaginação, e causam um prazer estético tão pífio, que se fossem séries não deveriam ter ido além da primeira temporada. Na verdade nem o piloto devia ter saído do papel. Mas eles têm sempre que ficar criando coisas novas, industrialmente e sem se lixar para a qualidade, não?
 
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

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