Desde os anos 70, o brasileiro estava acostumado a ver o liberalismo retratado como vilão. Quem frequentou a escola nos anos 90 e 00, como eu, terá visto o liberalismo como vilão desde a época escolar, pelo menos com um professor de história. Bruna Frascolla para a Gazeta do Povo:
A
palavra “liberalismo” passa, no Brasil, por um processo análogo ao que a
palavra “democracia” passou nos anos 70. No começo os comunistas
honestos diziam abertamente que a democracia era um regime burguês,
portanto capitalista, portanto fadado a perecer na Revolução. A
Revolução acabaria com a democracia para instaurar a ditadura do
proletariado. Mas lá pelos anos 70 começaram a pipocar as “democracias
populares”, que seriam verdadeiras democracias, enquanto que as
“democracias burguesas” seriam democracias falsas. Alemanha Oriental era
a República Democrática Alemã; a Coreia do Norte e a China são a
República Popular Democrática da Coreia e a República Popular da China.
Enquanto isso, a Alemanha Ocidental era a República Federal da Alemanha;
a Coreia do Sul e Taiwan são República da Coreia e República da China. O
termo “popular” é escolhido por causa do demos de democracia.
É
a homenagem involuntária que o totalitarismo presta à democracia: é tão
boa, que precisam tomar suas roupas emprestadas, passar a mesma
maquiagem, imitar os trejeitos e tentar enganar os incautos fazendo
passar-se por ela. Ir à rua gritar “comunismo” nunca será tão frutífero
quanto gritar “democracia”.
Desde
os anos 70, o brasileiro estava acostumado a ver o liberalismo
retratado como vilão. Quem frequentou a escola nos anos 90 e 00, como
eu, terá visto o liberalismo como vilão desde a época escolar, pelo
menos com um professor de história. No imaginário brasileiro, o
liberalismo era um sinônimo menos usado de neoliberalismo, que a seu
turno é o capeta em pessoa. Rouba dos pobres para dar aos banqueiros. Se
não fossem os social-democratas ou a esquerda, o neoliberalismo nos
transportaria para dentro do filme “Tempos Modernos”, de Chaplin.
Desde
o impeachment de Dilma Rousseff temos visto no Brasil a palavra
“neoliberalismo” tomar chá de sumiço e de repente, não mais que de
repente, o liberalismo ser convertido em mocinho.
Dilma põe a Unicamp em desgraça
Creio
que o principal motivo para isso tenha sido o reconhecimento inequívoco
de que as políticas intervencionistas de Dilma Rousseff foram um
fracasso. Gente leiga em economia, como eu, via economista falando de
economia do mesmo jeito que poderia ver bioquímicos discutindo
bioquímica. Mas a queda de Dilma levou consigo toda a prestigiosa escola
da Unicamp. (Já dizia Roberto Campos que ou o Brasil acaba com os
economistas da Unicamp, ou os economistas da Unicamp acabam com o
Brasil. Podemos dizer que, depois de eles enfim quase acabarem com o
Brasil, o Brasil os atirou à “lata de lixo da História”, como diziam os
marxistas d’antanho.) De repente, passou a haver economistas que um
leigo consegue identificar como charlatães. A Unicamp teve um professor
de economia como presidente do BNDES na gestão Dilma (o professor
titular Luciano Coutinho). Esse poder veio junto com o próprio
descrédito.
A
queda da Unicamp acarretou a ascensão, no debate público, da figura de
Marcos Lisboa: um economista liberal que participou dos anos dourados da
presidência de Lula e sempre esteve às turras com os economistas
petistas. Marcos Lisboa é um excelente orador, tem carisma e logo atraiu
um enxame de jovens (que logo passaram a defendê-lo fervorosamente na
internet, como se fosse um líder de banda). Abriu terreno para que
ganhassem atenção outros críticos da Escola da Unicamp. Esta caiu em
desgraça e o seu lugar foi ocupado por uma plêiade de instituições de
elite privadas: o Insper, a PUC-Rio e a GV. Enquanto isso, tudo o que a
USP tinha a oferecer era Laura Carvalho. Essa mudança acadêmica na
Economia fez estilhaçar a crença na superioridade das universidades
públicas sobre as privadas.
Em
1993, o sucesso do Plano Real, de economistas da PUC-Rio, se deu sob as
barbas de um marxista teórico da dependência, e não serviu para
enterrar a Unicamp. Isto só aconteceu em 2016, com o fracasso retumbante
de um governo todo ao gosto de economistas da Unicamp.
Assim,
desmoronou-se todo um cenário intelectual que parecia inamovível a quem
nasceu até a década de 90. Ouvíamos desde a escola que Celso Furtado
era o economista mais genial do mundo, tão injustiçado quanto Carlos
Chagas por não ter recebido um Nobel. (Se eu fosse escolher um
brasileiro injustiçado por não receber Nobel, seria Rondon, que Einstein
queria que recebesse o da paz por integrar os índios. Mas Rondon era
militar, então tem que ser esquecido.)
A captura do termo
Expostos
os fatos acima, não creio que tenha havido um plano deliberado da
esquerda para capturar o termo. Dilma Rousseff foi, sem querer, a maior
força em prol da aceitação do liberalismo no Brasil. Fez tudo o que a
elite acadêmica da economia queria e deu tudo errado – pior para a
elite.
Mas
dois fatos internos favoreceram no Brasil o mimetismo da esquerda dos
EUA, país em que os liberals são a esquerda. O primeiro fator é que o
liberalismo chegou a nós como uma doutrina econômica, quando na verdade
é, antes de tudo, uma doutrina de garantias contra o poder absoluto.
O
liberalismo surgiu na Revolução Gloriosa, em 1688, na Inglaterra,
quando as casas legislativas conquistaram garantias contra o poder do
Rei. O filósofo que expressou o ideário do liberalismo é John Locke, que
defende a separação entre os poderes Executivo e Legislativo e o fim do
Absolutismo. A igualdade perante a lei torna-se então um diferencial do
mundo anglo-saxônico. Entre nós, os ibéricos, a tradição é de códigos
legislativos que estipulam privilégios, com crimes sendo punidos com
severidade variável conforme o status do súdito.
Outro
fator que ajudou a captura do termo pela esquerda é a de Marcos Lisboa
ter trabalhado no governo Lula. Assim, o seu sucesso pode ser colocado
sob as barbas da social-democracia, do mesmo jeito que o sucesso de um
Gustavo Franco foi com FHC. O petismo pode brincar de bad cop com Guido
Mantega e good cop com Marcos Lisboa. Fica fácil fazer a “autocrítica”
da esquerda e dizer que tudo dará certo daqui para a frente. Uma pitada
de Bobbio (com o conceito de esquerda liberal) ajuda a operação.
O “liberalismo” comunista chinês da pandemia
A
ignorância da história do liberalismo fez com que a desigualdade
perante a lei fosse defendida por autodeclarados liberais. Se a tradição
ibérica d’antanho exigia pureza de sangue para ocupar uma cátedra na
universidade, verificando se candidato era cristão velho de quatro
costados, o “liberal” de hoje defende um tribunal racial constituído
pelo Estado para julgar o sangue dos candidatos.
O
liberalismo é uma doutrina contra o arbítrio do Estado, mas o
pseudoliberal brasileiro que leu uns livrinhos da fase mais socializante
de Mill quer dar poder ao Estado para criar estamentos de privilegiados
e tratar os cidadãos de maneira desigual. O Estado torna-se o juiz do
que é uma injustiça social e o retificador de injustiças históricas.
Haja poder!
O
mais novo passo dos pseudoliberais brasileiros é, fechando os olhos
para o caráter experimental das vacinas e para as vítimas letais dos
efeitos colaterais, dizer que a vacina da covid tem que ser obrigatória.
Mais ainda: o cidadão não pode ser “sommelier de vacinas”; isto é, não
pode escolher se toma uma vacina cujos efeitos colaterais são coágulos
ou miocardite. Tudo em nome do bem-estar coletivo. Aliás, em nome do
bem-estar coletivo, deve-se também evitar falar de efeitos colaterais,
para que todos tomem as vacinas.
Em
última instância, é exigir que as pessoas sacrifiquem a própria vida em
nome do coletivo. E esse sacrifício deve ser destituído de qualquer
valor moral, já que, além de compulsório, é feito em estado de
ignorância. Que controle esses “liberais” entregam ao Estado, não é
mesmo?
Indivíduo ganha respeito no presídio
É
interessante como agora, no debate brasileiro, coexistem um
individualismo solipsista e um coletivismo totalitário, os quais às
vezes estão até na boca da mesma pessoa. Quando se trata de crimes
violentos, o – cof, cof, – reeducando merece todo o respeito.
Os
presídios não existem mais para preservar a coletividade, que não quer
conviver com estupradores e assassinos. Em vez disso, o presídio vira
uma instituição educacional e a Justiça deve pensar no pobre coitado que
estava aí assaltando. Para que ele fique bem, é preciso soltá-lo na
sociedade. A sociedade que se vire. Que se vire com os reeducados e com
os cracudos, que exercem o seu inalienável direito de fumar crack no
meio da rua e puxar a faca para os passantes.
Assim
sendo, proponho que se criminalize a não-vacinação de uma vez. Assim,
quem sabe, as garantias individuais não ganham um apigreide, quando o
cidadão conquistar os mesmos direitos dos bandidos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário