Mulher trans contra mulheres biológicas é disputa sem igualdade. Vilma Gryzinski:
Pierre
de Coubertin criou praticamente uma seita ao fundar os Jogos Olímpicos
modernos. Mais do que ressuscitar os legendários jogos da Antiguidade,
almejava o aperfeiçoamento espiritual dos atletas, saídos na época das
escolas onde a educação física era uma novidade relativa, vinda
sobretudo da Inglaterra. Daí as muitas frases da família “o importante
não é ganhar, é competir” e a centralidade do espírito esportivo,
baseado nos conceitos de competição leal e em pé de igualdade. É por
causa desse grande arcabouço estrutural que a participação da
neozelandesa Laurel Hubbard na disputa de levantamento de peso tem um
aspecto perturbador. Hubbard era homem até os 34 anos e leva para a
competição com mulheres biológicas as vantagens físicas do sexo ao qual
diz não mais pertencer em matéria de massa muscular, densidade óssea e
capacidade respiratória e cardíaca. Para ser aceita na categoria
feminina, cumpriu as exigências do Comitê Olímpico sobre o nível de
testosterona, o hormônio da explosão física e do desejo sexual — por
isso mesmo, estritamente vigiado nos testes de dopping.
Estará
assim Laurel Hubbard em igualdade de condições com as outras
competidoras? Os pesquisadores Emma Hilton e Tommy Lundberg, ela
inglesa, ele sueco, fizeram um estudo para analisar justamente o peso da
supressão da testosterona em atletas trans. Conclusão: os homens
biológicos têm uma vantagem de 30% sobre as mulheres idem no
levantamento de peso. O tratamento para diminuir os níveis de
testosterona ao longo de doze meses, o prazo fixado pelo COI, diminui
essa vantagem em apenas 5%. “Portanto, a vantagem muscular desfrutada
por mulheres transgênero é reduzida apenas minimamente quando a
testosterona é suprimida”, concluíram. Claro que, num assunto tão novo e
controvertido, outros cientistas podem ter conclusões diferentes — a
ciência é feita justamente de propostas conflitantes, submetidas ao
crivo das experiências e do escrutínio dos pares.
Mas
o caso de Laurel Hubbard e de outras atletas trans que competem com
mulheres com cromossomos XX deixa a impressão de que, para compensar as
conhecidas e até trágicas injustiças sofridas por aquelas pessoas que
não se identificam com seu sexo biológico, outra injustiça está sendo
cometida. Uma justifica a outra? Até mesmo fazer esta pergunta pode ser
perigoso num mundo em que o adjetivo “transfóbico” se transformou em
arma para cassar a palavra e até a carreira de quem não segue os
estritos preceitos do evangelho politicamente correto. O patrulhamento é
tamanho que Debbie Hayton, mulher trans, professora e militante do
Partido Trabalhista britânico, foi ameaçada de expulsão por defender a
especificidade de sua condição. “Estou cansada de ouvir que mulheres
trans são mulheres e homens trans são homens. Simplesmente não é
verdade”, desafiou ela. “Eu não sou mulher nem LGB, sou transexual.
Esses três grupos enfrentam opressão e oposição na sociedade e somos
mais fortes quando fazemos uma frente comum.” Tem de ter testosterona
moral para enfrentar uma plateia de esquerda com ideias assim. “O
importante na vida não é a vitória, mas o combate”, diria o barão
Coubertin.
blog orlando tambosi
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