terça-feira, 29 de junho de 2021

Transgêneros nas Olimpíadas: 0% inspiração, 100% trans.

 



Laurel Hubbard, apesar de ter os níveis hormonais de uma mulher, continua com o espírito competitivo de um homem. Só um tipo com muita vontade de ganhar é que está disposto a arriscar perder para garotas. José Diogo Quintela para o Observador:


A derrota de Domingo vai deixar marcas profundas. Nos jogadores, nos adeptos e, acima de todos, nos apanha-bolas que ficaram cheios de arranhões ao saltarem sebes ao redor do estádio, para recolherem as bolas que os jogadores portugueses insistem em chutar para fora do campo.

Felizmente, para ajudar a esquecer a frustração deste grande certame desportivo internacional, começa já a seguir outro grande certame desportivo internacional. A abertura dos Jogos Olímpicos é daqui a três semanas e estou em pulgas para assistir ao ciclismo (onde vou torcer por João Almeida), ao andebol (a primeira vez que a nossa selecção lá está), ao triplo salto (em que Patrícia Mamona é favorita) ou ao judo (especialmente ao Jorge Fonseca). Mas a prova que vou acompanhar com mais entusiasmo é, sem dúvida, o halterofilismo feminino na categoria de +87kg. É aqui que vai competir Laurel Hubbard, a super levantadora neozelandesa que, até há 9 anos era o mediano levantador neozelandês.

O que faz da prova de halterofilismo feminino uma competição muito exigente, não só para os atletas, mas também para os espectadores. Não sei o que é fisicamente mais impressionante, se levantar 150 kg acima da cabeça, se olhar para um homem e ver uma mulher. Como façanha física, é ele por ela.

Hubbard é a primeira atleta transgénero a competir nas Olimpíadas. Nasceu em 1978 e, em 2012, fez a transição de Gavin para Laurel. Uma nova regra do Comité Olímpico permite que mulheres transgénero possam competir contra mulheres se, nos últimos 12 meses, tiverem mantido os níveis de testosterona abaixo de um determinado valor, algo que se consegue com medicação – ou, descobriu-se agora, assistindo aos jogos da selecção de futebol.

Apesar disso, há quem diga que Hubbard tem uma vantagem injusta sobre as suas adversárias, devido ao seu corpo ter passado a puberdade masculina. Face a quem vive a puberdade feminina, isso confere-lhe maior massa muscular, maior capacidade cardiorrespiratória e maior densidade óssea, entre outras vantagens físicas que não desaparecem.

Não tenho os conhecimentos científicos necessários para avaliar quem tem razão, mas o meu instinto diz-me que baixar a testosterona não chega para pôr um atleta masculino ao nível de uma atleta feminina. A prova é que, apesar de Laurel Hubbard ter os níveis hormonais de uma mulher, continua com o espírito competitivo habitual de um homem. Só um tipo com muita vontade de ganhar é que está disposto a arriscar perder com miúdas.

Se Hubbard ganhar, aproveitou-se de uma vantagem injusta e é uma vergonha. Se perder, não aproveitou uma vantagem injusta e é uma vergonha. Este é o tipo de situação impossível em que só um homem se coloca. Um homem normal limita-se a ver desporto feminino e a dizer: “Se eu quisesse, levantava mais que esta miúda”. Mas só um homem muito macho é que está disposto a passar pelo vexame de tentar e falhar.

Laurel pode sentir-se mulher, mas há tiques sexistas que não perdeu. Como membro do patriarcado, continua a achar que o lugar da mulher é em casa. Pelo menos o lugar de Kuinini Manumua, a mulher que perdeu para Hubbard a vaga na equipa da Nova Zelândia e que, por isso, vai ter de ver as Olimpíadas em casa.

Costuma dizer-se que o sucesso é 1% inspiração, 99% transpiração. A não ser no caso de Laurel Hubbard, em que o sucesso é 0% inspiração, 100% trans. Talvez seja altura de mudar o lema das Olimpíadas para Citius, Altius, Fazdecontius.

Tenho perfeita noção que, ao defender que uma mulher transgénero não é igual a uma mulher e que é injusto que compita na categoria feminina, há quem vá dizer: “Eh, pá, este gajo é atrasado mental!” Mas isso não é verdade. Infelizmente. Sei-o porque tentei usar esse argumento para concorrer aos Jogos Paralímpicos, sem sucesso. Gostava tanto de ganhar uma medalha, que quis identificar-me como pessoa com deficiência intelectual, para ter uma vantagem sobre os outros concorrentes. Mas, para ser aceite, a incapacidade intelectual tem de se ter revelado antes dos 18 anos. Depois disso, considera-se que, por ter tido um desenvolvimento normal até à idade adulta, o atleta tem uma vantagem desleal sobre os adversários. Sim, são requisitos mais apertados do que os para entrar na competição feminina. Pelos vistos, para o Comité Olímpico, é mais fácil passar-se por mulher do que armar-se em parvo.
 
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

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