Se os estudos sobre a influência da TV sobre as crianças estiverem corretos, é provável que elas se tornem no mínimo mais inclinadas a adotar posições menos ortodoxas em temas como o casamento gay ou a mudança de gênero. Reportagem de Gabriel de Arruda Castro para a Gazeta do Povo:
Foi
uma mudança súbita: antes considerados uma alternativa segura por pais
que pretendiam deixar os filhos longe dos embates ideológicos do mundo
dos adultos, os desenhos animados deixaram de lado a neutralidade — pelo
menos quando o assunto é a defesa do movimento gay e das cada vez mais
numerosas categorias de gênero.
Não
há novidade no uso de desenhos animados para introduzir temas
educativos — como as lições de He-Man ao fim de cada episódio ou a
defesa, em Capitão Planeta, da preservação do meio ambiente. Mas, até
poucos anos atrás, os desenhos não pretendiam ensinar as crianças sobre
temas controversos, sobre os quais não há consenso — como o casamento
gay. Esse tempo ficou para trás. Se algum pai ou mãe ainda tinha
dúvidas, o mês de junho (mês do orgulho LGBT nos Estados Unidos e agora
também no Brasil) deixou isso mais claro. Algumas das principais
produtoras de desenhos infantis aderiram às celebrações, e decidiram
produzir vídeos com a temática para o público infantil.
O
canal do Nickelodeon no YouTube, por exemplo, publicou um vídeo em que a
drag queen Nina West canta uma música sobre o mês do orgulho LGBT,
explicando as cores da bandeira do movimento. “Azul, rosa e branco
representam as pessoas transgênero / Porque cada letra em LGBTQ+ é igual
/ E preto e marrom representam as pessoas de cor gay e trans”, ela
explica, em meio a animações coloridas e com traços infantis. O refrão
diz: “Não lhe enche de orgulho mostrar quem você é por dentro?/ Com essa
bandeira do orgulho no alto, seja verdadeiro consigo mesmo”.
O Cartoon Network se juntou ao concorrente para comemorar o mês LGBT. O canal exibiu um vídeo que, além de uma “família” com dois pais, tem como protagonista uma adolescente que se identifica como um garoto. “O Cartoon Network está celebrando crianças e famílias LGBTQIA+ que irradiam alegria, inclusividade e autoexpressão autêntica”, anuncia a narradora, entusiasmada.
Como
é impossível explicar o que significa LGBTQIA+ (sigla que abarca,
dentre outros, bissexuais, transexuais, intersexuais e assexuais) sem
explicar o que é sexo, o conteúdo apresentado por esses canais infantis
acaba por antecipar uma discussão delicada e fortemente ligada ao campo
dos valores morais.
A
Disney+, serviço de streaming da Disney, também produziu conteúdo para
marcar o mês LGBT. Em seu canal no YouTube, a companhia publicou um
minidocumentário da Marvel que celebra como “heroína” uma criança de 12
anos que nasceu um garoto e se identifica como garota. "Esta é uma
mensagem realmente importante que nós temos que compartilhar com as
próximas gerações", diz, no vídeo, Sana Amat, vice-presidente de
conteúdo da Marvel.
Já
a Pixar, que pertence à Disney, veiculou a animação “Out”, que trata de
um rapaz que se assume gay para os pais. Em um breve depoimento antes
do início das cenas, o diretor Steven Hunter comemorou o fato de que o
desenho inclui um beijo gay: “Eu nunca tinha visto dois caras se
beijando em um filme da Disney”.
Nos
últimos anos, as pautas do movimento LGBT ganharam espaço no mundo dos
desenhos infantis — mesmo aqueles cujo público ainda está nos primeiros
anos de vida. Dentre os desenhos que ganharam personagens LGBT,
temporários ou permanentes, estão Clifford, Doutora Brinquedos,
Ducktales, Meu Pequeno Pônei e Arthur. A Netflix foi mais longe e lançou
SuperDrags, uma animação sobre um grupo de drag queens que combate o
crime. Além disso, uma breve pesquisa no YouTube Kids, plataforma
destinada às crianças, exibe uma variedade de vídeos com a temática
LGBT.
Efeitos comprovados
A
presença de conteúdo LGBT na programação infantil não significa que as
crianças que consomem esse tipo de programação vão se tornar gays ou
transexuais. Mas, se os estudos sobre a influência da TV sobre as
crianças estiverem corretos, é provável que elas se tornam no mínimo
mais inclinadas a adotar posições menos ortodoxas em temas como o
casamento gay ou a mudança de gênero. O argumento de que esses “são
apenas desenhos”, que não têm efeitos notáveis sobre o comportamento das
crianças, já foi refutado: a programação infantil tem o poder de
influenciar os telespectadores, para o bem e para o mal.
O
Stanford Children’s Health, da Universidade de Stanford, por exemplo,
adverte os pais a terem cuidado antes de exporem as crianças a certos
tipos de conteúdo - embora não mencione especificamente a questão da
homossexualidade. “Conforme as crianças crescem e se desenvolvem, elas
podem facilmente ser influenciadas pelo que elas veem e escutam,
especialmente nas mídias digitais”, diz o texto, explicando que essa
categoria abarca a TV, a internet e smartphones. “Os dados demonstrando a
influência negativa da exposição de crianças à violência, sexualidade
inapropriada e linguagem ofensiva são convincentes”, apontou outro
estudo, publicado pelo National Institute of Health, entidade do governo
americano.
Pesquisadores
já atestaram que a exibição de desenhos animados com o conteúdo
adequado é capaz de influenciar crianças a adotarem hábitos mais
saudáveis, como o de comer vegetais. “O que quer que as crianças
aprendam enquanto assistindo aos desenhos animados, eles tendem a
imitar, influenciando, portanto, seu modo de socializar com outras
crianças e com o mundo”, afirmaram pesquisadores da Nigéria em um estudo
similar.
Um
levantamento feito com crianças adolescentes israelenses apontou que
crianças mais vulneráveis tendem a se identificar mais intensamente com
personagens com comportamento negativo, enquanto as crianças
não-vulneráveis tinham mais propensão a seguir os modelos positivos. “A
ligação que as crianças desenvolvem com os personagens de TV é similar
aos relacionamentos que as crianças costumavam ter como partes de uma
família estendida dentro de uma tribo ou um clã”, afirma o artigo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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