BLOG ORLANDO TAMBOSI
O confuso depoimento da médica Nise Yamaguchi à CPI da Covid me fez lembrar o artigo que escrevi em abril na Gazeta do Povo, chamando a atenção para o fato de que medicina não é ciência. Reproduzo-o novamente aqui:
A
contaminação ideológica da pandemia, por meio de governantes e
políticos, tem aberto caminho à desinformação dos cidadãos por crenças
infundadas sobre medicamentos e vacinas, que inundam as redes sociais.
Já
tive a oportunidade de indagar, em artigo publicado neste jornal no ano
passado – quando ainda nem se cogitava a pesquisa e produção de vacinas
–, onde entrava a ciência nessa pandemia. Respondi, então, que a
ciência não vem da medicina, observando que os médicos, que estão na
linha de frente do combate à pandemia, não são propriamente cientistas, a
menos que se dediquem (e muitos o fazem) à pesquisa de medicamentos e
vacinas. Os cientistas de fato estão nos laboratórios, públicos e
privados, que concorrem na produção de vacinas e medicamentos para todos
os tipos de doenças, mas hoje focados no combate à Covid-19.
Já
a medicina é uma prática voltada ao cuidado dos pacientes e à prevenção
e tratamento das doenças. É uma atividade fundamental em qualquer
tempo, em todos os países, notadamente em pandemias como a que hoje
devasta o mundo.
Embora
a medicina siga procedimentos científicos, nenhum cardiologista,
ortopedista ou infectologista pode falar em nome da ciência. Em suas
respectivas áreas, os médicos prescrevem medicamentos e tratamentos,
inclusive intervenções cirúrgicas, de acordo com os protocolos da
medicina e das instituições de saúde em que trabalham. Ninguém – muito
menos os leigos e políticos – pode se intrometer nessa relação que diz
respeito unicamente ao médico e ao paciente.
Quando
figuras externas tanto à ciência quanto à prática médica invadem esse
terreno, em que são incompetentes, estamos diante do charlatanismo: o
conhecimento cede lugar à ideologia. É o que acontece precisamente no
Brasil, com governantes e políticos “prescrevendo” tratamentos
pseudocientíficos. A prescrição cabe exclusivamente aos médicos, em sua
interação com o paciente. Cloroquina, ivermectina e outros medicamentos
não devem ser submetidos ao charlatanismo ideológico, que os apresenta
como panaceia, indicando inclusive “tratamento precoce” contra a Covid.
Os
charlatães ideológicos têm difundido o uso indiscriminado desses
medicamentos, sendo responsáveis, por consequência, pelos sérios
problemas de saúde que essa “receita” está provocando em muitos
indivíduos, desde a necessidade de transplantes, por intoxicação, até o
óbito. Trata-se de um crime contra a saúde pública que envolve o
presidente da República, os governadores e prefeitos. Que, repita-se,
são estranhos à ciência e à medicina.
Como
se sabe, a ciência indica a vacinação em massa, única maneira de, ao
salvar vidas, recuperar a economia. Menosprezando a vacina, os
charlatães se revelaram inimigos tanto da vida quanto da economia.
Então, reconheçamos: ciência, sim; medicina, sim; charlatanismo, não.
Orlando Tambosi é professor aposentado da UFSC, doutor em Filosofia e jornalista.
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