terça-feira, 29 de junho de 2021

Covaxingate pode não dar em nada, mas estrago a Bolsonaro será duradouro.

 



Vai ficar mais difícil para o presidente ostentar a bandeira da lisura ética nas eleições de 2022. Diogo Schelp para a Gazeta do Povo:


O Covaxingate vai derrubar a República, como vaticinou o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF)? A exemplo do que ocorreu com muitas outras Comissões Parlamentares de Inquérito, a CPI da Covid no Senado, ao ser criada em abril, tinha tudo para dar em pizza, tanto em seu objetivo de investigar as ações e omissões do governo federal na gestão da pandemia, quanto em seu propósito adicional de apurar o uso de verbas federais pelos estados e municípios.

Na questão dos repasses federais, está mais do que claro que é isso vai acontecer, seja pelo desinteresse da maioria dos senadores membros da CPI em focar nesse tema, seja pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de desobrigar os governadores a prestar depoimento.

Já a linha de investigação sobre a atuação do governo de Jair Bolsonaro esquentou nos últimos dias com as revelações de um suposto favorecimento na compra da vacina indiana Covaxin. O Covaxingate vai conseguir provar a existência de corrupção com conivência do presidente, e com implicações concretas para o seu mandato?

A oposição está alvoroçada com as denúncias e já vê novas oportunidades para apear Bolsonaro do cargo antes das eleições de 2022, seja por meio de um processo de impeachment, seja por julgamento no STF.

A CPI apenas começou a escarafunchar essa história da compra de uma vacina que, apesar de mais cara e de qualidade mais duvidosa que as outras, teve processo de compra mais célere e com maior empenho pessoal do presidente. O que já se tem, por enquanto, não é nada bom para o governo.

O presidente não negou que tenha sido alertado pelo deputado federal Luis Miranda e por seu irmão Luis Ricardo Miranda, servidor concursado do Ministério da Saúde, a respeito da pressão incomum para concretização da compra da vacina, apesar de inconsistências na documentação de importação em relação ao contrato. O fato de Bolsonaro não ter determinado à Polícia Federal que investigasse a denúncia é o suficiente para levantar a suspeita de que o presidente prevaricou.

Um dos caminhos para essa suspeita é o de instar a Procuradoria-Geral da República (PGR) a apurar o possível crime de prevaricação por parte do presidente. Após uma investigação preliminar, a PGR pode pedir uma abertura de inquérito ao STF.

Se, após concluídas as investigações, a PGR entender que de fato houve crime por parte do presidente, deverá apresentar denúncia ao STF, que por sua vez precisará de aprovação de dois terços da Câmara dos Deputados para iniciar um julgamento de Bolsonaro — que, a partir desse momento, será afastado do cargo.

Antes mesmo de chegar ao juízo dos deputados federais, portanto, o caso depende de Augusto Aras, o procurador-geral de República, para avançar. Aras, como se sabe, disputa uma vaga ao STF, que será aberta já no mês que vem com a aposentadoria de Marco Aurélio Mello, ou espera ter seu mandato na PGR renovado em setembro. Nas duas alternativas, vaga no STF ou continuação na PGR, ele depende da nomeação da pessoa que terá de investigar: o presidente.

Aras já está com um inquérito aberto para investigar a acusação feita por Sergio Moro, ex-ministro da Justiça, de que Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal para defender interesses pessoais. A investigação está parada por falta de depoimento do presidente.

O caminho de investigar o papel do presidente no Covaxingate via PGR, portanto, é tortuoso e cheio de obstáculos. Não justifica o otimismo da oposição.

O outro, de turbinar um pedido de impeachment no presidente, tampouco deveria dar margem à animação de opositores. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-SL), parece estar fechado com Bolsonaro.

O presidente aliou-se ao centrão rendendo-se à velha política da distribuição de cargos e de emendas especiais, rendendo até acusações de um orçamento paralelo. Há quem diga que esse é o custo da governabilidade.

Mas há também o custo da blindagem ao presidente, ou seja, da disposição de Lira de ignorar os pedidos de impeachment, que é mais alto e cresce conforme as acusações vão ficando mais graves.

O fato de um nome importante do centrão, o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, ter sido citado como elemento central no Covaxingate demonstra o quanto os destinos de Bolsonaro e dos integrantes dos partidos fisiológicos do Congresso estão interligados.

(Vale lembrar que, no ano passado, o então vice-líder do governo Bolsonaro no Senado, Chico Rodrigues (DEM-RR), foi flagrado pela PF com dinheiro escondido na cueca.)

O mais provável é que coloquem tudo nas costas de Barros, se os indícios do envolvimento dele forem fortes, para livrar o presidente — desde que Bolsonaro pague o custo da blindagem adicional, claro.

Ou seja, o Covaxingate tem tudo para dar em pizza — como aliás já aconteceu com a investigação do repasse dos recursos federais aos estados e municípios.

O estrago político e eleitoral a Bolsonaro, no entanto, já está feito. O presidente sempre disse que seu governo era livre de corrupção e que qualquer denúncia seria investigada a fundo. A promessa não foi cumprida.

Vai ficar mais difícil para o presidente ostentar a bandeira da lisura ética nas eleições de 2022.

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