Um descobridor do Brasil, país de passado imprevisível – Paim foi um grande abridor de caminhos para os estudiosos do Brasil e de Portugal. Carlos Henrique Cardim para o Estadão:
Antonio
Paim, falecido em 30 de abril, aos 94 anos, merece ser lembrado por sua
cultura, por sua generosidade intelectual, por seu espírito de amizade,
por seu empenho em construir, por seus descobrimentos na História do
Brasil. Mas o que mais me chama a atenção em Paim é sua coragem.
Hoje
é comum ver o anacronismo do comunismo, o esgotamento conceitual do
marxismo, a inexistência de uma teoria marxista do Estado, a sua
contribuição somente como teoria crítica do capitalismo, o fracasso das
previsões marxistas, os regimes policialescos e personalistas dos
regimes totalitários comunistas, etc.. Porém essa não era a situação,
principalmente, na primeira metade da década de 1950, com a idolatria a
Stalin que lhe devotavam os membros dos diferentes partidos comunistas
no mundo, e a influência de parcela do mundo acadêmico, ainda fascinada
pelo “ópio dos intelectuais”, nas palavras de Raymond Aron.
Foi
justamente em 1956 que o “relatório secreto” de Kruchev, no 20.º
Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), revelou as
atrocidades de Stalin, o “culto à personalidade” e suas graves violações
dos direitos humanos. Tal foi o impacto dessas revelações que muitos
partidos comunistas, até mesmo no Brasil, se negaram a acreditar nas
acusações, tratando-as como “manobra da CIA”. Era a primeira vez que uma
alta autoridade do Kremlin, em evento oficial, fazia esse tipo de
reconhecimento.
“Antonio
Paim ingressou no Partido Comunista Brasileiro ao mesmo tempo que
Osvaldo Peralva. Juntos, eles vivenciaram (em Moscou) a crise provocada
pelo Relatório Kruschev (1956) e decidiram se afastar do PCB” – Osvaldo
Peralva. O Retrato, São Paulo: Três Estrelas – selo editorial da
Publifolha Editora, 2015.
Paim
tinha especial dedicação a O Retrato, a ponto de preparar o texto para a
terceira edição, publicada em 2015. Poucas vezes encontramos na
literatura nacional, testemunho tão vivo e humano, como o dessa obra.
O
bom amigo – Assim se expressa um dos mais importantes cientistas
políticos do Brasil sobre a revelação, feita a ele por Paim, da obra
política de José de Alencar: “Vários anos após casual menção a O Sistema
Representativo que eu jamais vira, o historiador Antonio Paim encontrou
um exemplar na Universidade Federal da Bahia. Elegante e amigavelmente,
reproduziu-o e o enviou para mim. Oxalá este ensaio corresponda ao zelo
de sua generosa atenção” – Wanderley Guilherme dos Santos. Dois
Escritos Democráticos de José de Alencar. O Sistema Representativo
(1868). Reforma eleitoral (1874), Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1991.
A
conversão kantiana – Aqui, outro capítulo de coragem: reconhecer o
engano em que esteve por quase duas décadas, receber de bom grado o
gesto de Álvaro Vieira Pinto – “ que me ajudou a por ordem em minha
cabeça” – e seguir o curso na Filosofia da Universidade do Brasil sobre
Kant. Poucos conseguem refazer seu caminho, e recomeçar sua busca da
verdade e da justiça social. Paim gostava de sublinhar sua opção liberal
e a companhia de Miguel Reale.
Um
descobridor do Brasil, país de passado imprevisível – Paim foi um
grande abridor de caminhos para os estudiosos do Brasil e de Portugal.
Assinalo, entre outras, suas contribuições sobe o visconde do Uruguai e
sobre o marquês de Pombal. A iluminar nossas conversas estava sempre a
discussão – os amigos também divergem – sobre a minha visão de católico,
e a perspectiva de protestante de Paim da História do Brasil.
Na UnB – Tivemos várias realizações em comum na Universidade de Brasília (UnB).
- Curso de extensão à distância, Introdução ao Pensamento Político Brasileiro. Pioneiro e com 13 unidades.
-
Revista Humanidades, projeto de alto nível, conjunto, da UnB, da Shell e
da Fundação Roberto Marinho, voltado para a difusão de ideias
humanistas para o mundo universitário e o público de profissionais
liberais. Oito números publicados.
- Coleção Pensamento Político Republicano, em coedição com a Câmara dos Deputados, com 12 volumes.
Instituto
Teotônio Vilela (PSDB) – Na presidência do Senador Lúcio Alcântara
(CE), organizamos a coleção Pensamento Social-Democrata, com 22 volumes.
Obras fundamentais estrangeiras e brasileiras dessa relevante corrente
ideológica contemporânea.
A
vocação da política – A lição weberiana se encaixa à perfeição com o
itinerário de Paim: “A política é um esforço tenaz e enérgico para
atravessar grossas vigas de madeira. Tal esforço exige, a um tempo,
paixão e senso de proporções. (...) armar-se da força de alma que lhes
permita vencer o naufrágio de todas as suas esperanças. (...) aquele que
permaneça capaz de dizer ‘a despeito de tudo!’, aquele e só aquele tem a
‘vocação’ da política”. Max Weber. Ciência e Política, duas vocações.
Brasília: Editora Universidade de Brasília. Coleção Weberiana, 1983.
SOCIÓLOGO.
EMBAIXADOR. PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, EX-DECANO DE
EXTENSÃO, FOI PRESIDENTE DA EDITORA UNB. E-MAIL: CHCARDIM@UOL.COM.BR
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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