O falecido Fidel ensinou seus discípulos que, quando o tráfico tem ideologia, é arma. Leonardo Coutinho para a Gazeta do Povo:
Nada
menos que 100% da cocaína produzida no planeta – o que inclui o crack –
é refinada nas franjas do Brasil. Bolívia, Colômbia e Peru são os
provedores globais da droga. A Bolívia é o caso mais explícito de como o
tráfico não só é capaz de sequestrar as engrenagens econômicas como
sequestrar a legitimidade do poder político. Por lá os traficantes
sempre mantiveram uma relação mutualista com o Estado. A Bolívia foi o
primeiro narcoestado do continente, por sinal. Fazendo jus ao conceito,
por muito tempo, o dinheiro sujo proveniente da venda da droga irrigava
campanhas, comprava apoio e influenciava o rumo do país.
Em
2006, quando Evo Morales chegou ao poder, a relação mudou. Líder máximo
dos cocaleiros da região onde os cultivos são quase que exclusivamente
destinados à produção de cocaína, Morales rompeu as barreiras e fundou o
que defino como estado-narco. A subversão completa da já promíscua
relação entre traficantes e políticos. No novo modelo adotado na
Bolívia, o Estado é o agente do tráfico. Criando políticas voltadas ao
incremento da produção de insumos e protagonizando a própria atividade. O
Estado passou a agir como uma organização criminosa. A Venezuela já era
assim e Cuba promovia tráfico estatal de cocaína desde os anos 80.
A
Colômbia virou símbolo mundial da droga, sobretudo, depois que Pablo
Escobar, o chefe do Cartel de Medellín, virou o mito que sobrevive até
hoje. Escobar tentou ser presidente, inaugurou o conceito de cartel, fez
alastrar a violência e chegou a ser sócio de Fidel Castro. Além de este
currículo realmente denso, no fundo da Amazônia colombiana os
guerrilheiros das Farc fizeram do tráfico uma das mais rentáveis fontes
de subsistência. Subestimadas na sua relação com a produção da cocaína, a
narcoguerrilha foi uma das principais forças de corrosão institucional
da Colômbia.
Sócia
de partidos brasileiros PT, PCdoB, PDT e PPS no mal-afamado Foro de São
Paulo, as Farc têm em seu histórico as seguintes cifras: 24.842
sequestros, 3.900 assassinatos pontuais, 700 vítimas civis em
confrontos, 854 ataques a povoados, 77 atentados terroristas, 343
massacres e 4.000 crianças recrutadas como soldados. Mas a companheirada
sempre tolerou em nome da revolução.
O
Peru chega às vésperas de mais uma eleição presidencial com um
candidato com alegados vínculos com a guerrilha de orientação maoísta, o
Sendero Luminoso. Pedro Castillo, que lidera as pesquisas de intenção
de votos, é um professor de ensino médio, sindicalista e produtor rural.
Símbolo de “novidade”, que tem atraído o voto passional dos peruanos
que se sentem abandonados pelos políticos “de sempre” sobretudo em meio a
pandemia.
O
Peru é uma daquelas tragédias que quase ninguém presta atenção. É assim
na pandemia e foi assim durante décadas de violência desmedida do
Sendero Luminoso. Até os atentados de 11 de setembro de 2001, o Peru
estava entro os lugares do planeta com o maior número de atentados
terroristas e vítimas em todo planeta.
Aquele
Sendero fundado por professores universitários que sonhavam em
transformar o Peru em uma versão andina da China de Mao Tse Tung, foi
varrido do mapa e no seu lugar restou (e ainda resta) uma autêntica
combinação de drogas pesadas: traficantes com ideias comunistas.
Castillo
nega os vínculos. Provavelmente ele será o novo presidente do Peru.
Tudo indica que será uma replicação de que Morales foi para a Bolívia.
Populismo étnico e overdose de bolivarianismo. Como o tráfico de drogas
evoluirá e como o Estado se relacionará com o crime será o termômetro de
quão similar serão.
O
Sendero Luminoso está ouriçado. Tem enfrentado cada vez mais as forças
militares nas áreas de cultivo de coca controladas por eles, sobretudo
nos Vales do Rios Apurímac, Ene e Montano, também conhecido pelo
acrônimo de VRAEM. Nomes esquisitos, mas que podem se tornar bem
familiares no Brasil. A explosão do tráfico no Peru terá efeitos diretos
no Brasil. O VRAEM produz folhas de coca não só para o refino da droga
que o Peru envia para o Brasil pelos rios amazônicos.
Aquela
região é uma espécie de offshore das organizações que operam na Bolívia
em consórcio com o Estado. Exporta toneladas de folhas para reforçar a
produção boliviana que é 100% destinada ao Brasil. O falecido Fidel
ensinou seus discípulos que quando o tráfico tem ideologia é arma. Foi
assim que Hugo Chávez transformou a Venezuela em um grande entreposto de
cocaína. Foi por este caminho que a América Central se aprofundou na
maior crise de segurança pública do hemisfério. O futuro Peru é uma
grande incógnita. Ou será uma triste previsibilidade?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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